A poeira das manifestações

    Mauricio Puls

    AGORA JÁ sabemos o final da história. O filme iniciado em 6 de junho de 2013 terminou no dia 5 de outubro, com a eleição do novo Congresso. Tudo começou quando nosso herói, o jovem idealista cheio de boas intenções, foi para a rua enfrentar o velho político responsável “por tudo que aí está”. O público esperava ansioso por um final feliz, com a derrota do vilão. Deu tudo errado.

    A bancada de deputados conservadores aumentou muito: segundo cálculos do Diap, desde o fim da ditadura não se via Congresso tão reacionário. Embora alguns se digam surpresos, esse roteiro não é novo.

    França, 1968. Universitários protestam contra a proibição de que rapazes visitem os quartos das alunas à noite. O incidente logo se desdobra em críticas à repressão sexual, às universidades, ao Estado, ao capitalismo. No auge da crise, De Gaulle convoca eleições. Os protestos cedem, e o governo obtém uma vitória esmagadora: a direita elege 396 deputados, contra 91 da esquerda.

    Espanha, 2011. Oito milhões de jovens “indignados” com a crise econômica ocupam as praças de 58 cidades para protestar contra o desemprego, os bancos, o capitalismo, a globalização. Atacam todos os partidos (“Vocês não nos representam”). Em novembro, o PP, de direita, elege 53% dos deputados.

    Manifestações libertárias reforçam o conservadorismo? Depende. Protestos “contra um” em geral são mais eficazes que protestos “contra todos”: o “Caracazo” na Venezuela (1989) e o “Cacerolazo” na Argentina (2001) levaram ao impeachment de Carlos Andrés Pérez e à renúncia de Fernando de la Rúa. Quem tem uma meta sabe o que precisa fazer.

    As jornadas de 2013 tinham, a princípio, uma só bandeira: anular o aumento nas tarifas de transporte –daí seu êxito inicial. Mas, tão logo a demanda foi satisfeita, os jovens sacaram das redes sociais uma pauta desconexa: contra a Copa, a PEC 37, a homofobia, a corrupção…

    Sem um objetivo, não havia como formular um plano de ação. Aliás, nem havia mais ação, só a rotina das mesmas marchas. A bazófia de seus líderes –“amanhã vai ser maior”– ocultava uma vontade de impotência: diziam que estavam fazendo história, mas não queriam sujar suas mãos puras no lixão da política.

    Impregnados por esse moralismo anarquista, os manifestantes hostilizavam os ativistas de esquerda, que aceitaram a realidade prosaica do jogo democrático –as doações eleitorais, os acordos partidários, a gestão do Estado. Mas como estes militantes também compartilhavam do ideal de uma sociedade sem Estado, mostraram-se muito vulneráveis a esses ataques. Houve uma desmobilização geral: nesta eleição, o PT teve menos votos de legenda para deputado federal que o PSDB. A bancada sindical caiu de 83 para 46 deputados federais.

    Enquanto os libertários “ameaçavam” o poder com o voto nulo, uma massa silenciosa aguardava sua vez de entrar em cena –para votar no policial que reprimia os baderneiros, no pastor que ofendia os homossexuais, no ruralista que atacava os comunistas. Nossos reacionários não fazem poeira: fazem política. Eles sabem que os manifestantes passam, mas os deputados ficam. 

     

    Fonte: Folha de S Paulo

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