Governo tenta mais uma vez salvar o PIB

    BC e Fazenda anunciam medidas para estimular o crédito, em meio à expectativa de agravamento da estagnação econômica do país

     

     PAULO SILVA PINTO » BÁRBARA NASCIMENTO

     

    Em um ambiente de retração econômica e de queda da presidente Dilma Rousseff em pesquisas de intenção de voto, o governo resolveu agir para se contrapor ao cenário pessimista. Foram anunciadas ontem uma série de medidas para favorecer o crédito no país, com o objetivo de estimular o consumo e o crescimento da produção.

     

    Logo cedo, às 8h, o Banco CENTRAL (BC) anunciou alterações nas normas de recolhimento de depósitos compulsórios – recursos que as instituições financeiras são obrigadas a manter depositados na autoridade monetária. A mudança deverá liberar R$ 25 bilhões para empréstimos. À tarde, foi a vez de o Ministério da Fazenda entrar em cena, elencando seis medidas diversificadas, nas áreas de financiamento imobiliário, de , crédito consignado e de veículos tributação de bancos (leia na arte as novas regras).

     

    Elaboradas para dar uma injeção de ânimo ao combalido Produto Interno Bruto (PIB), que vem apresenta crescentes sinais de fraqueza, as iniciativas, contudo, estão ameaçadas pela insegurança dos bancos em liberar financiamentos e pelo endividamento das famílias, segundo os especialistas.

     

    O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que as regras vêm sendo estudadas há muito tempo, o que descaracteriza, na sua avaliação, qualquer intenção eleitoral. “Nosso ritmo não é político. Temos um fluxo de regulamentações que são apresentadas conforme amadurecem. Depois da eleição, continuaremos a adotar medidas”, disse Mantega. Ele anunciou o pacote de ontem ao lado de dois dos principais nomes de sua equipe, o secretário executivo Paulo Rogério Caffa-relli e o secretário de Política Econômica, Márcio Holland.

     

    A preocupação – não admitida – do governo com o crescimento do país é lastreada em números. OIBC-BR, índice de atividade medido peloBanco CENTRAL, registrou redução no quarto trimestre de 2013, de 0,28%, e nos dois primeiros deste ano, respectivamente de 0,02% e de 1,2%. Essa sucessão de quedas indica recessão, o que poderá aparecer de forma mais clara nos dados do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre, que será anunciado na sexta-feira da próxima semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

     

    Mantega disse discordar da avaliação de que o país atravessa um momento ruim. “A economia não está patinando. Está sólida.

    Temos pleno emprego e a Bolsa está subindo”, afirmou. Para analistas de mercado, porém, os ganhos da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&Fbovespa) nos últimos dias, puxados por ações de empresas estatais, se devem à percepção dos investidores de que estão maiores as chances de vitória da oposição no pleito presidencial.

     

    Críticas

     

    Para economistas, não há dúvidas de que o governo busca a retomada do crescimento com a intenção de colher dividendos eleitorais. “É uma tentativa desesperada e inútil de reverter a estagnação”, afirmou o presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal, Carlos Eduardo de Freitas. “As medidas passam a impressão de que o governo está desnorteado, perdido. Administrar por pacotes é ruim. É como um espasmo. Fazia-se isso nos governos Geisel, Figueiredo e Sarney”, afirmou Freitas.

     

    O estímulo ao crédito, contudo, pode não surtir o efeito esperado. “O dinheiro vai ficar no mesmo lugar”, afirmou Freitas. Para o economista André Perfeito, da Gradual Investimentos, o retorno positivo das medidas deve vir, mas não na proporção prevista e somente a médio prazo. A tomada de crédito voltará a crescer, segundo ele, quando a confiança for retomada. “Se o objetivo era aquecer a economia antes das eleições, não vai ser atingido. Os bancos podem não querer emprestar por conta da situação macroeconômica em geral, e a demanda por crédito pode estar baixa nesse momento”, afirmou.

     

    Para o especialista em macroeconomia André Nassif, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), a medida é contraditória e sinaliza uma tentativa do governo de compensar os efeitos negativos do aumento das taxas de juros. “O Banco CENTRAL não pode simplesmente diminuir os juros, porque isso indicaria para o mercado que está jogando a toalha na luta contra a inflação. Então, ele tenta compensar com mudanças nas regras de compulsórios. Mas, com o endividamento das famílias elevado, há risco de o dinheiro ficar parado no BC.”

     

    A economista-chefe daXP Investimentos, Zeina Latif, acha que os objetivos eleitorais do governo não são um problema. “Isso não é ruim se as medidas forem eficientes do ponto de vista estrutural. No primeiro mandato de Lula houve várias iniciativas com foco no crédito que aumentaram muito a produtividade dos bancos”, apontou.

     

    Foco automotivo

     

    Para estimular a indústria automobilística, que prevê, para este ano, um recuo de 5% a 6% na produção, o BC tomou medidas específicas. Os bancos terão que aumentar em 20% (em relação ao semestre passado) o volume de financiamento para a compra de veículos para poder deduzir o valor concedido da cota de compulsório. O Banco CENTRAL mudou ainda os critérios de avaliação de risco, reduzindo a exigência de capital para essas operações.

     

    Incentivo ao consumo

    As novas regras para depósitos compulsórios, recursos que as instituições financeiras são obrigadas a ter como reserva na autoridade monetária, devem injetar no mercado R$ 25 bilhões para estimular a concessão de crédito para o consumo, beneficiando principalmente o setor automotivo. Além disso, a autarquia reduziu os critérios de risco. 

     

    Em julho, a autoridade monetária já havia revisto as regras para compulsórios e autorizado a liberação de R$ 45 bilhões ao mercado. Na época, o Banco CENTRAL permitiu que 50% dos depósitos a prazo das instituições financeiras fossem utilizados como crédito, uma forma de estimular a economia, injetando mais dinheiro para o consumo. Com as novas regras, o percentual aumentou para 60% e o impacto, antes estimado em R$ 30 bilhões, recebeu um incremento de R$ 10 bilhões. 

     

    As instituições financeiras serão estimuladas a conceder financiamento para compra de veículos. As que emprestarem 20% a mais do que a média diária do primeiro semestre terão direito a deduzir esse crédito da cota de 60% de compulsório. 

     

    Menos risco 

    Os outros R$ 15 bilhões que entrarão no mercado são decorrentes do impacto de mudanças nos requerimento de capital das instituições financeiras – recursos que os bancos devem reservar para lastrear cada tipo de operação. Por considerar que existe menos risco de calote na economia, o Banco CENTRAL alterou o “fator de ponderação de risco” (FPR) para todas as operações de crédito de varejo, independentemente do prazo. 

     

    “Em 2010, verificou-se a necessidade de sinalizar critérios de concessão de crédito mais rigorosos. Tivemos operações de longo prazo ponderadas entre 150% e 300%. Nós estamos voltando à situação prévia de 2010, o fator volta a ser 75%”, explicou o chefe do Departamento de Regulação Prudencial e Cambial, Caio Ferreira. Isso significa que o critério de cálculo de risco foi reduzido, o que exigirá menos capital desembolsado na hora de conceder crédito. 

     

    Para o ex-diretor do Banco CENTRAL Carlos Tadeu de Freitas, as medidas são acertadas para o momento econômico, mas não darão certo como antes. “A decisão foi necessária, a economia está fraca e tem que incentivar a produção. Mas não sabemos se há demanda, devido ao endividamento das famílias e ao menor crescimento da renda”, disse. Questionado sobre a possível procura por crédito, o chefe Departamento de Operações Bancárias do BC, Daso Coimbra, foi categórico. “Estimamos que há demanda sim. Senão não estaríamos divulgando essas medidas”, disse. (BN)

     

    Fonte: Correio Braziliense

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