IPCA fica abaixo da meta pela primeira vez

    Autor: Bruno Villas Bôas, Alex Ribeiro e Thais Carrança

    O desempenho atipicamente benigno dos alimentos fez a inflação ficar, pela primeira vez, abaixo do piso da meta do Banco Central, de 3% em 2017. O IPCA foi de 2,95% no ano, a menor taxa desde 1998 (1,65%). A boa notícia veio acompanhada, porém, de uma surpresa: o avanço de 0,44% do índice em dezembro. Embora não altere o cenário benigno de 2018, o resultado do mês esvaziou um pouco as apostas de que a inflação muito baixa vai se perpetuar neste ano.

    A inflação de dezembro ficou surpreendentemente acima da média das projeções de 25 analistas de consultorias e instituições financeira ouvidos pelo Valor Data (0,31%). Dessa forma, a inflação acumulada nos 12 meses do ano passado também ficou acima das previsão, de 2,8%.

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    Na avaliação do economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, o resultado de dezembro foi uma “grande surpresa”, mas não deve alterar o plano de voo do Banco Central. “Mas, à luz dos dados de hoje, o BC deve redobrar a sua atenção”, disse Kawall. Ele lembrou que, nos meses anteriores, as surpresas com o índice vinham do lado positivo, não do negativo.

    A surpresa de dezembro veio dos preços de alimentos e vestuário. O cenário dos analistas já considerava um avanço desses preços, mas num ritmo mais moderado. Os alimentos para consumo em domicílio ficaram 0,42% mais caros em dezembro, frente a novembro, interrompendo sequência de sete leituras de deflação. Vestuário avançou 0,84%, acima da taxa de 0,10% apurada em novembro.

    “Esperávamos alta dos alimentos de 0,05% no mês. Era a taxa que as coletas contratadas de preços estavam sugerindo. Mas o resultado veio bastante descolado. Em vestuário, tínhamos previsão de alta de 0,34%”, disse Daniel Silva, economista da Modal Asset.

    Apesar da surpresa de dezembro, os economistas desenham um cenário de inflação controlada para 2018, com IPCA abaixo da meta do BC, de 4,5% ao ano. Na balança de preços, a inércia inflacionária deve jogar a favor. Os serviços (escolas, plano de saúde, aluguel) tendem a ser reajustados neste ano com base na inflação mais baixa do ano passado, desacelerando sua alta.

    Nas contas de Luiz Fernando Castelli, economista da GO Associados, a inflação de serviços deve subir 4,2% em 2018, abaixo dos 4,51% do ano passado. Um efeito semelhante de inércia deverá ocorrer nos preços administrados, que subiriam 5%, abaixo dos 7,99% do ano passado, quando foram pressionados por itens como gasolina (10,32%) e energia elétrica (10,35%).

    Além da menor inércia, o elevado nível de ociosidade da economia contribui para evitar repasses de preços em 2018, avaliam os analistas. No lado da demanda, eles mencionam o menor reajuste do salário mínimo de 2018, uma vez que o INPC fechou o ano em 2,07%. Apesar da melhora do mercado de trabalho, a taxa de desemprego permanece elevada, limitando o aquecimento da atividade.

    Na lado das pressões, a expectativa é que os preços dos alimentos consumidos em casa subam de 3% a 4,5% neste ano, contribuindo para acelerar o IPCA. Em 2017, a deflação de 4,85% dos alimentos foi decisiva para o índice ficar abaixo do piso da meta, conforme indicou o presidente do BC, Ilan Goldfajn, na carta aberta que foi obrigado a divulgar após a inflação ficar fora da meta prevista para 2017.

    Segundo Fernando Gonçalves, gerente de preços do IBGE, a queda dos preços dos alimentos foi resultado do choque favorável de oferta de produtos agrícolas. A safra brasileira de grãos foi recorde no ano passado. Neste ano, porém, a safra deverá ser 9% menor do que a do ano passado. Para ele, isso deve gerar uma “volta à normalidade” de preços.

    Elson Teles, economista do Itaú Unibanco, acrescenta que o aquecimento da atividade pode contribuir para o aumento de bens industriais, com o melhor ritmo da atividade econômica e algum repasse de custos pelas indústrias de veículos e eletrodomésticos, como do aço. Esses produtos industriais, que avançaram 1% em 2017, devem ficar 2,5% mais caros neste ano.

    Para Teles, o principal risco no cenário do mercado tem sido o Câmbio. “O cenário político eleitoral e o cenário externo podem provocar certa volatilidade no Câmbio e gerar impacto na inflação, avalia o economista do Itaú Unibanco.

    Patrícia Pereira, economista da Mongeral Aegon Investimentos, avalia que a energia elétrica deverá ser o principal ponto de atenção para a inflação em 2018. Apesar da expectativa de manutenção da bandeira verde nas contas de luz ao longo do primeiro trimestre, devido às chuvas favoráveis, a tarifa da energia elétrica pode vir a pressionar a inflação ao longo do ano.

    “O sistema elétrico está operando bem próximo de sua capacidade e, com a expectativa de crescimento do PIB, mais energia será demandada e pode haver pressão de preços”, avalia a economista da Mongeral.

    No ano passado, a pressão sobre a inflação foi concentrada em dez dos 373 itens acompanhados pela pesquisa do IBGE, que responderam por 87% do IPCA do ano. Desses dez itens, sete eram preços administrados. Os planos de saúde avançaram 13,53% no ano e afetaram em 0,48 ponto o índice de 2017.

    Para janeiro, a tendência é de desaceleração pontual da inflação, com a mudança do patamar da bandeira tarifária da conta de luz para verde. Esse movimento deve retirar 0,12 ponto do índice. Segundo Silva, da Modal, o IPCA em 12 meses em janeiro deve ceder para 2,86%. Em fevereiro, mês tipicamente de reajustes contratuais, a inflação deve voltar a ficar acima do piso da meta de inflação do BC, chegando a 3,03%.

    Fonte: Valor Econômico

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