Será que a questão central é a independência do BC?

    Por Fernando Ferrari Filho e Luiz Carlos Bresser-Pereira

    O debate econômico no primeiro turno das eleições presidenciais entre os principais candidatos, que acabou repercutindo entre economistas com diferentes concepções teóricas, centrou-se na necessidade (ou não) de se ter independência do Banco CENTRAL (BC) para controlar o processo inflacionário brasileiro.

    Por mais que entendamos que essa discussão não é a mais relevante da agenda econômica, ela deveria envolver pelo menos três questões: será consistente a afirmação de que a atual inflação brasileira está “fora” de controle? O que são autonomia operacional e independência doBanco CENTRAL? Será que a proposição de independência do BC será capaz de trazer a inflação para o centro da meta, 4,5% ao ano?

    Em relação à primeira questão, a trajetória da inflação dos últimos 15 anos (período de vigência do regime de metas de inflação) mostra que: 1) a média anual da variação dos preços foi da ordem de 6,7% ao ano (relativamente elevada para o que se espera de um regime de metas de inflação, porém substancialmente baixa comparativamente à média histórica da inflação brasileira), e 2) em somente três anos (2001 a 2003) as metas de inflação não foram cumpridas. Em suma, por mais que se possa ser crítico à gestão da política monetária do BC ao longo deste período, ela pode ser considerada exitosa.

    O controle e a redução da inflação passam por outros instrumentos que vão muito além da política monetária

    Quanto ao conceito de autonomia operacional e de independência de bancos centrais, sinteticamente, um Banco CENTRAL é considerado autônomo em termos operacionais quando, independentemente do presidente possuir mandato fixo, ele tem liberdade para operacionalizar suapolítica monetária para atingir dois objetivos, quais sejam, manter a inflação sob controle e estabilizar os níveis de produto e emprego. Por sua vez, em relação à independência do Banco CENTRAL, via de regra, a ideia é que o Banco CENTRAL, autônomo operacionalmente e com um mandato fixo para seu presidente, operacionaliza a política monetária visando exclusivamente assegurar a estabilidade e o poder de compra da moeda. É importante assinalar que na concepção de Banco CENTRAL independente está implícita a hipótese de que moeda é neutra no longo prazo, e que, portanto, não teria efeito sobre o crescimento e o emprego.

    No mundo real, o pressuposto de Banco CENTRAL independente é desmentido. Por exemplo, desde a crise financeira internacional de 2007-8, a maioria dos bancos centrais tem se preocupado em operacionalizar a política monetária não somente para conter o processo inflacionário (ou deflacionário, no Japão), mas, principalmente, para estimular a atividade econômica (o “quantitative easing” do Federal Reserve é ilustrativo). Ademais, os principais bancos centrais do mundo têm atuado como prestamistas de última instância para evitar o colapso do sistema financeiro mundial. No Brasil, a ação do BC não foi diferente: as medidas macroeprudenciais para mitigar riscos financeiros e as monetárias para expandir a liquidez da economia foram importantes para a recuperação da economia em 2010.

    Finalmente, quanto à possibilidade de se trazer no curto prazo a inflação para o centro da meta, é preciso considerar que: 1) a atual inflação brasileira não é predominantemente de demanda; 2) ao longo dos 15 anos de vigência do regime de metas de inflação a taxa de crescimento dos preços livres foi inferior às taxas de crescimento dos preços administrados, a despeito do recente “congelamento” de alguns preços públicos para manter a inflação dentro das metas – mais especificamente, entre junho de 1999 e setembro de 2014 o IPCA acumulou uma alta de 163,8% e os preços livres e administrados acumularam crescimentos de 203,7% e 150,3%, respectivamente; 3) o componente de inércia inflacionária é muito forte, seja porque os preços administrados continuam indexados formalmente, seja porque existe uma indexação informal dos salários, e 4) choques de oferta (por exemplo, energia e alimentos) e de custos (câmbio, entre eles) têm contribuído para inflar o IPCA.

    Logo, se vários são os fatores para que a inflação persista no atual patamar, política monetária contracionista, operacionalizada por um BC independente, que tenha como objetivo somente zelar pelo controle da inflação, não conseguirá gerar um mecanismo transmissor juros-preços eficiente (por exemplo, Modenesi e Araujo, 2013, mostram que o canal transmissor da política monetária sobre a inflação brasileira é relativamente fraco). Nesse particular, o controle e a redução da inflação passam por outros instrumentos que vão muito além da política monetária, a começar por uma política de desindexação completa da economia.

    Assim, a independência do BC faz, portanto, pouco sentido econômico. A atual inflação não se mostra resistente à baixa não porque o BC goza de autonomia operacional ao invés de independência, mas porque os setores produtivos, em geral, são “price makers”, tem havido choques de commodities e, principalmente, a indexação formal e informal continua a ser um problema central da economia brasileira que não temos sabido enfrentar.

    Por outro lado, é importante ressaltar que a autonomia operacional e intervenções do BC são fundamentais não somente para assegurar a estabilidade dos preços, mas também para 1) dinamizar, via política monetária, os investimentos e, por conseguinte, os níveis de produto e emprego; 2) mitigar, por meio de medidas macroprudenciais, quaisquer riscos financeiros e 3) administrar o câmbio de maneira a lograr a estabilidade da taxa de câmbio efetiva competitiva, imprescindível para evitar o “pass-through”, isto é, o repasse de variações cambiais para preços, e para equilibrar o balanço de pagamentos.

    Pelo exposto, além de entendermos que a discussão sobre a independência do BC é, parafraseando Roberto Schwarz, uma das tantas “ideias fora do lugar”, o debate econômico deve estar relacionado ao enfrentamento dos seguintes problemas: 1) crônicos e recorrentes déficits de balanço de pagamentos em transações correntes (entre 2008 e 2014 as transações correntes terão acumulado um déficit da ordem de US$ 370 bilhões); 2) desequilíbrios das contas públicas; 3) precoce processo de desindustrialização; 4) baixa relação formação bruta de capital fixo/PIB (nos últimos anos ao redor, em média, de 18,5%) e 5) gargalos estruturais. Enfim, esperamos que esses problemas sejam discutidos pois a solução deles é fundamental para a estabilização macroeconômica, entendida como inflação baixa e sob controle, equilíbrios externo e fiscal e crescimento econômico sustentável.

    Fernando Ferrari Filho é professor titular da UFRGS e pesquisador do CNPq.

    Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da FGV-SP e presidente do Centro de Economia Política

     

    Fonte: Valor Econômico

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