Dilma adia decisão sobre corte de gastos

    Presidente hesita em reduzir programas sociais e investimentos e contingenciamento pode se restringir a R$ 30 bilhões, volume considerado insuficiente para garantir o cumprimento da meta fiscal. Programação orçamentária só sai em março
    O governo decidiu adiar o contingenciamento de recursos orçamentários, em meio à indecisão da presidente Dilma Rousseff de cortar recursos de programas sociais e de investimentos públicos. A frustração de receitas devido à recessão e a indefinição na aprovação de projetos que têm potencial para elevar a arrecadação levaram a chefe do Executivo a postergar a decisão para março. Com isso, um decreto a ser publicado hoje manterá o limite das despesas dos ministérios a 3/18 dos respectivos orçamentos nos meses de janeiro, fevereiro e março. Até 30 de março, o governo apresentará o contingenciamento definitivo, conforme prazo estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal.

    Apesar das medidas, analistas de mercado e técnicos palacianos não acreditam que o setor público terá capacidade de cumprir a meta de superavit primário de 2016, de R$ 30,5 bilhões, equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Em reunião ontem com a Junta Orçamentária, composta pelos ministros Nelson Barbosa (Fazenda), Valdir Simão (Planejamento) e Jaquess Wagner (Casa Civil), Dilma determinou que o corte de despesas seja inferior a R$ 30 bilhões – volume bem inferior aos R$ 78,3 bilhões retidos no ano passado. Na avaliação de analistas, esse montante seria insuficiente para que a meta seja alcançada. Para isso, o governo deveria fazer um corte de R$ 100 bilhões, no mínimo.

    Para piorar, a arrecadação de impostos continua em queda, o que levará o setor público a registrar o terceiro rombo fiscal seguido. Em 2014, o deficit primário foi de 0,6% do PIB, e, no ano passado, de quase 2% do PIB. Na avaliação da economista Monica de Bolle, se a equipe econômica for anunciar um corte tão pequeno no Orçamento “é melhor não anunciar nada”. “Seria importante o governo mostrar que está tomando medidas concretas de médio e longo prazos para o controle das contas públicas. Sem isso, não tem como recuperar a credibilidade.”

    CPMF

    Pelas contas da economista, o deficit deste ano ficará entre 1% e 2% do PIB, pois o governo não conseguirá aumentar as receitas como prevê. A recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), por exemplo, enfrenta forte resistência no Congresso. Com o novo rombo fiscal, a dívida pública bruta subirá para 75% do PIB, considerando a metodologia de cálculo do Fundo Monetário Internacional (FMI), diferente da adotada pelo Banco Central. Para o BC, o endividamento terminou 2015 em 66,2% do PIB; para o FMI, a conta já estava em 70%.

    Com a economia mergulhada na recessão, a arrecadação de impostos continuará em queda neste ano. Para lidar com a frustração de receitas, a equipe econômica cogita criar um regime de bandas. Desse modo, o esforço fiscal seria menor, só voltaria ao normal quando a arrecadação voltasse a crescer.

    O senador Romero Jucá (PMDB-RR), que esteve reunido ontem com o ministro Nelson Barbosa para discutir medidas tributárias, defende que a meta fiscal seja zero, porque o Congresso não aprovará mais impostos. “O governo tem que dar o exemplo e fazer cortes. Aumento de despesas pode ser até evento necessário para uma transição, mas tem que demostrar como será e como vai ocorrer”, disse ele.

    Tragédia

    Para José Matias-Pereira, professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB), o cenário das contas públicas de 2016 vai fazer a sociedade sentir saudade da “tragédia” que foi 2015, quando houve deficit de R$ 111 bilhões. “O quadro não permite ao governo avançar no contingenciamento. É uma medida adequada, do ponto de vista da gestão orçamentária, mas precisa de previsibilidade”, destacou. Pessimista, Matias-Pereira acredita que o país terá novo rombo fiscal em 2016. “E não será pequeno. Quando se desorganizam as contas públicas, voltar à normalidade, demora. A criação de uma banda móvel só aumenta o descrédito do governo, porque mostra que ele quer flexibilizar a possibilidade de gastos e não está comprometido com o ajuste fiscal”, disse.

    O economista-chefe do Tullet Prebon Brasil, Fernando Montero, observou que o Orçamento de 2016 prevê aumento de 18% da receita líquida em relação ao ano passado, uma estimativa totalmente fora da realidade. “Para sair de um deficit de R$ 111 bilhões para superavit, a receita teria que crescer numa magnitude absurda, com superavit de mais de R$ 80 bilhões numa economia que só cai”, ponderou.

    Para o país sair do atoleiro, o especialista assinalou que seriam necessárias reformas estruturais e a recuperação do ciclo econômico. “Como a economia só afunda, é preciso torcer para que a combinação de recessão e juros altos derrube logo a inflação. Se a carestia acabar, haverá espaço para crescimento, porque há uma ociosidade enorme de produção”, observou.

    Difícil de cortar

    Conforme o Ministério do Planejamento, 91,5% de todas as despesas previstas na Lei Orçamentária são obrigatórias e, portanto, não podem ser contingenciadas. Com isso, resta apenas uma margem de R$ 102,7 bilhões na qual o governo pode fazer os cortes deste ano, sendo R$ 41,8 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e R$ 60,9 bilhões de outras rubricas. Um dos itens que mais tem preocupado o governo é a queda da receita previdenciária, que deve se aprofundar neste ano devido ao crescimento do desemprego.

    Dívida/PIB de 82%

    A presidente Dilma Rousseff vai terminar o governo com uma dívida pública equivalente a 82% do Produto Interno Bruto (PIB), apostam especialistas. Isso significa que não haverá superavit primário – economia para pagar os juros da dívida – em nenhum dos quatro anos do segundo mandato. 

    Na opinião do especialista em contas públicas Mansueto Almeida, a relação dívida/PIB deve chegar a 79% em 2017 e atingirá 82% em 2018. “Minha projeção é otimista. Tem gente que acha que vai a 90% do PIB. Há seis meses, nem o analista mais pessimista achava que chegaria a 70% em 2018. Do jeito que as coisas vão, alcançará 74% este ano”, alertou. 

    Conforme Mansueto, a meta do governo, de 0,5% de superavit, é impossível. “No ano passado, houve um corte grande nos gastos. É muito difícil reduzir este ano. Isso significa que teremos deficit mais alguns anos”, assinalou. O especialista ressaltou que o Orçamento aprovado, com crescimento de receita de R$ 190 bilhões, em um ano de recessão, é absurdo. “Os dados preliminares de janeiro são ruins e só não foram piores porque houve receita extra de R$ 11 bilhões de concessão das hidrelétricas. Deve haver queda de 5%”, estimou, lembrando que parte das despesas do ano passado ficou para 2016. 

    Para Rafael Bistafa, economista da Rosenberg Associados, o endividamento do setor público seguirá em alta nos próximos anos. Para ele, o governo apresentará um rombo fiscal de R$ 75 bilhões em 2016, equivalente a 1,2% do PIB. Esse resultado se somará às despesas com juros e ao deficit nominal de 7,5% da geração de riquezas no Brasil. Com isso, a dívida bruta chegará a 73% do PIB. Bistafa detalhou que o resultado será inferior ao observado em 2015 porque não haverá necessidade de quitar pedaladas fiscais. 

    Para 2017, a Rosenberg estima que a dívida bruta corresponderá a 77% da geração de riquezas no país e em 2018 a 77%. O economista alertou que com Nelson Barbosa ocupando o cargo de ministro da Fazenda há uma tendência de afrouxamento no rigor do controle dos gastos públicos, o que pode desfavorecer o busca pelo equilíbrio fiscal. “Estamos em uma trajetória explosiva e, sem reformas estruturais, não será possível mudar essa rota do endividamento público. E a tendência é de que esses números piorem se nada for feito”, alertou. 

    Para o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a economia em recessão e os juros em alta afetam o endividamento público. Para ele, permanecer em uma situação de dívida crescente por dois ou três anos não seria preocupante se as sinalizações de que essa trajetória seria revertida a médio prazo se tornassem uma realidade. “O problema é que, nesse momento, não há qualquer perspectiva nesse sentido e isso pode nos levar para um caminho sem volta”, alertou. (SK e AT)

    Fonte: Correio Braziliense

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