Claudia Safatle: Diferentes visões travam a autonomia do BC

    Autor: Claudia Safatle

    O Congresso e o Banco Central têm visões totalmente diferentes sobre a autonomia operacional do BC e dificilmente haverá avanços nessa área no curto prazo. A aprovação de uma lei conferindo-lhe autonomia é parte da agenda de prioridades do BC e tem sido uma das medidas defendidas com afinco pelos seus presidentes há mais de uma década. Em 2002, quando Lula já eleito convidou Henrique Meirelles para ocupar o comando do Banco Central, o hoje ministro da Fazenda colocou a autonomia como uma das principais questões do seu mandato. Não foi possível votá-la até hoje.

    O argumento dos defensores da medida é que a aprovação da lei de autonomia traz muitos benefícios, tem pouco custo e nenhuma despesa pública, explicou o presidente do BC, Ilan Goldfajn, em conversa com o Valor. Os benefícios se traduziriam em queda do prêmio de risco e menos sobressaltos a cada mudança de governo.

    Os parlamentares, porém, entendem que o BC já é autônomo e que a tramitação política de um projeto de lei formalizando essa condição é de alto custo. Por essa ótica “o benefício já está presente, porque o BC é autônomo de fato, mas o custo da aprovação da lei seria elevado”, disse Ilan. A distância entre as duas leituras não permite que o tema avance.

    Reserva de resultado corta fluxo de recursos entre BC e Tesouro

    Depois da criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), que substituirá os Juros subsidiados do BNDES (a TJLP), o próximo passo legislativo do BC será o de um novo marco nas relações entre o Tesouro Nacional e o Banco Central. Dele constam a criação dos depósitos voluntários remunerados como mais um instrumento de política monetaria e da “reserva de resultado”, que vai abrigar os ganhos e perdas do BC com as reservas internacionais e demais operações cambiais.

    O projeto de lei foi elaborado em parceria com o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e deve ser apresentado em breve à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Em 2015, por exemplo, a valorização do dólar rendeu um ganho contábil com as reservas internacionais de R$ 260 bilhões. No ano passado, o movimento foi inverso, a desvalorização do dólar representou uma perda de R$ 324,123 bilhões. Hoje o Banco Central tem que repassar os ganhos para o Tesouro e esse tem que ressarcir o BC de suas perdas, em operações que são feitas com defasagem no tempo.

    A troca de resultados contábeis, cujos valores são altos e voláteis, causa distorções e, no limite, acaba financiando o aumento do gasto primário do governo com expansão monetária, por meio de troca de fontes do Orçamento.

    Se aprovada a medida, os resultados serão contabilizados na conta de reserva de resultado e esta só poderá ser usada para cobrir perdas, ou, excepcionalmente e com aprovação prévia do Conselho Monetário Nacional (CMN), para pagar dívida pública mobiliária em caso de severas restrições de liquidez. Haverá várias outras salvaguardas para o uso das reservas.

    Com os depósitos remunerados o BC ganha mais um instrumento de regulação da liquidez do mercado, ao lado das operações compromissadas (com Títulos públicos) que atualmente somam mais de R$ 1,1 trilhão (cerca de 18% do PIB) com impacto direto sobre a Dívida bruta. A ideia, porém, não é substituir as compromissadas, mas usar os depósitos voluntários de forma complementar, explicou Ilan.

    A operação com títulos federais “tem lastro e permite que os bancos e os dealers transfiram os papéis para um fundo. No caso dos depósitos voluntários, não é tão fácil assim”, disse ele.

    Para o presidente do BC, “é importante termos um instrumento que não depende tanto dos Títulos públicose isso nos torna um pouquinho mais normais em relação ao restante do mundo”. A rigor, o BC terá mais autonomia na gestão da liquidez e menor dependência do Tesouro.

    Ilan quer submeter ao Congresso, também, o projeto de resolução bancária que trata da criação de novos instrumentos para enfrentar problemas de solvência de bancos, área que está carente de mecanismos legais desde o fim do Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), em 2001.

    A proposta é que dificuldades financeiras sejam resolvidas com recursos da própria instituição, de seus acionistas, grandes credores e grandes depositantes.

    A discussão do projeto já tem vários anos e há pelo menos umas duzentas versões. “Todos os atores precisam estar confortáveis com a lei de resolução, que envolve questões jurídicas, fiscais (alguns bancos são públicos) e de sucessão”, disse Ilan. Sobre a possibilidade de o Tesouro colocar dinheiro nos bancos, em situações mais extremas, ele comentou: “Ainda não estou completamente confortável para dizer”.

    Uma das novas ferramentas que o projeto de lei pretende instituir é o “bail-in” – o banco insolvente seria recapitalizado com recursos do próprio passivo. Por esse regime, as perdas são absorvidas, primeiro, com recursos dos acionistas. Se forem insuficientes, entram instrumentos híbridos de capital e dívida. Se ainda forem insuficientes, os grandes credores se tornam acionistas.

    Aparentemente alheio as rotineiras turbulências políticas de Brasília, Ilan segue com disciplina a agenda do BC. São medidas que extrapolam a tarefa do Copom, de administração da taxa de Juros e que, se não levam o país ao crescimento mais rapidamente, dão um melhor arcabouço institucional às políticas monetária, fiscal e de estabilidade financeira.

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    O deputado Efraim Filho (PB), líder do DEM, sugere ao governo focar na aprovação das medidas fiscais para 2018 – adiamento dos reajustes salariais, aumento da contribuição previdenciária dos servidores, tributação de fundos exclusivos, dentre outras – ao invés da aprovação de ampla Reforma da Previdência, para a qual não tem os votos necessários. Ele admite que o Congresso pode aprovar a idade mínima para aposentadoria e receia que o governo possa não ter o que precisa para o próximo ano. Anunciadas em meados de agosto, até agora as medidas para 2018 não foram enviadas ao Congresso. Não é a crise política, ou o bombardeio de denúncias contra o presidente Michel Temer, que inviabiliza a votação da Reforma da Previdência, segundo ele. “São as eleições de 2018”, diz.

    Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras

    E-mail: claudia.safatle@valor.com.br

    Fonte: Valor Econômico

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