Dívida líquida bate em 400% da receita pela 1ª vez

    Pela primeira vez na história recente, a relação entre a dívida consolidada líquida e a receita corrente líquida da União superou os 400% (ou quatro vezes), de acordo com relatório recente do Tesouro Nacional. Desde o final do ano passado, esse indicador superou a marca de 350% (ou 3,5 vezes), limite que chegou a ser proposto em projeto de resolução do Senado, que obedece a comando constitucional e que nunca foi votado.

    Em 2015, o PRS 84/2007, que tramita há uma década foi retomado, mas continua sem votação e segue na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Na série do Tesouro Nacional, fora os dados mais recentes, o indicador fiscal teve seus piores momentos em 2001, quando a dívida chegou a 3,4 vezes (340,9%) a receita corrente líquida.

    Diferentemente da União, os Estados, por obrigação legal, trabalham com um limite nessa relação dívida e receita. Nesse caso, a Dívida líquida não pode ser mais que duas vezes superior (200%) à receita corrente líquida. Quando estão desenquadrados, precisam se ajustar e ficam impedidos de tomar crédito, obrigando os gestores a cortar gastos.

    Além do elevado nível da relação entre dívida e receita, os números do Tesouro chamam atenção pela velocidade com que pioraram. No final de 2015, a dívida equivalia a 2,74 vezes a receita anual. Agora, já superaram até o limite mais flexível que havia sido colocado na versão mais recente do relatório do senador José Serra (PSDB-SP), relator do tema no Senado, que previa a possibilidade de a dívida, nos primeiros cinco anos de vigência da eventual regulamentação, ir até 3,8 vezes a receita. Nessa versão da proposta, a ideia era que em 15 anos fosse feita a convergência para o limite de 2,2 vezes.

    O pesquisador do Ibre-FGV e professor do IDP José Roberto Afonso avalia que a instituição de um limite de dívida para União, além de obedecer a um comando da Constituição e da LRF, ajudaria a melhorar a capacidade de pagamento e solvência. “Indica aos investidores ou credores que um governo não se endividará além de sua capacidade de pagar”, defende.

    Ele lembra que sucessivos governos, dos anteriores ao atual, não deixaram a proposta prosperar, apesar de muitos integrantes, antes de entrarem no Executivo, terem defendido que a limitação é crucial. Afonso ainda alerta que a proposta define que enquanto o PIB continuar variando abaixo de 1%, a própria LRF prevê a suspensão da exigência do limite. “Ainda estamos nessa situação”, comenta.

    A consultora de Orçamento da Câmara dos Deputados Márcia Moura afirma que sempre houve um temor de que um limite para a dívida representasse uma “amarra” para a gestão econômica. Ela cita os Estados como prova desse risco de deixar o governo travado, o que, no caso da União, pode gerar instabilidades no mercado, como risco de dúvidas sobre o governo ser forçado a não pagar dívida para cumprir a lei. Nesse caso, ela lembra que a versão mais recente do projeto já teve avanços ao colocar ressalvas para rolagem e refinanciamento da dívida pública.

    Ela também destaca que a piora desse indicador recente reflete a combinação de uma queda muito forte na arrecadação, de mais de dois pontos percentuais do PIB nos últimos dois anos, e os Juros elevados, que aceleram o crescimento da dívida. Márcia explica que, a despeito dos riscos que um limitador desse indicador enseja, uma vantagem seria forçar o governo a se ajustar mais rapidamente. “Acho importante ter alguma regulamentação, mas com salvaguardas para ter possibilidade de reenquadramento e evitar riscos de instabilidade”, disse.

    Ex-secretária de Fazenda de Goiás e sócia da Oliver Wyman, a economista Ana Carla Abrão ressalta que não há um consenso sobre a necessidade de se definir um limitador legal para a dívida. Ela pondera que a vantagem de uma regra dessas é que a trajetória do endividamento teria um fator mais forte de contenção. Mas Ana Carla diz preferir que isso seja feito mais pelo lado da gestão, com medidas como a Reforma da Previdência, que ajudariam a reduzir os gastos e a retomar a geração de superávits primários, revertendo assim a trajetória da dívida.

    Esse caminho, explica, daria mais liberdade para a política econômica do que a limitação do nível de dívida. “Um limitador pode ter impactos que não conseguimos visualizar. Sou mais otimista com a ideia de que devemos perseguir uma melhora na gestão fiscal do que colocar uma camisa de força”, disse a economista.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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