CONSTITUIÇÃO PROÍBE QUE EMISSÕES DE DÍVIDA SUPEREM DESPESAS COM INVESTIMENTOS
MARTHA BECK marthavb@bsb.oglobo.com.br
-BRASÍLIA- A equipe econômica precisa de R$ 184 bilhões para garantir o cumprimento da regra de ouro em 2018. A norma, prevista na Constituição, proíbe que as emissões de dívida do governo sejam maiores que as despesas com investimentos. No entanto, é exatamente isso que está acontecendo. Por isso, para ajustar a maior parte desse descasamento, o Tesouro pediu ao BNDES que devolva antecipadamente R$ 130 bilhões em recursos que foram aportados no banco nos últimos anos.
Segundo a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, os técnicos também estudam outras medidas complementares. Uma delas é a reclassificação de R$ 30 bilhões que ingressaram nos cofres públicos em 2017. Essa identificação contábil vai permitir o uso desse dinheiro como receita para cumprimento da regra de ouro já este ano. Mas, se houver sobra, ela será transferida para 2018. Outra fonte possível seria a privatização da Eletrobras. Isso também daria receitas que poderiam ser contabilizadas na regra.
A devolução de recursos do BNDES ao Tesouro é a principal fonte para assegurar a norma, mas vem sendo alvo de uma disputa acirrada entre o banco e a equipe econômica. Ontem, para apaziguar os ânimos, os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, do Planejamento, Dyogo Oliveira, e o presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, informaram, por meio de nota, que o banco irá devolver um total de R$ 50 bilhões ao Tesouro em 2017. Em 2018, o BNDES também vai fazer um pagamento, mas o montante ainda será definido.
De acordo com o texto, o Conselho de Administração do BNDES vai calcular o valor observando a posição em ativos líquidos, a estimativa de fluxo de desembolsos líquidos para os próximos anos, a estrutura patrimonial do banco, sua missão institucional e o atendimento às regras prudenciais bancárias.
“Tal antecipação (de 2018) terá reflexos importantes sobre a percepção dos agentes econômicos quanto à real capacidade do país em estabilizar o seu endividamento, elevando as expectativas destes em relação à economia e trazendo benefícios para todos os envolvidos na operação”, diz a nota.
CONTAS PÚBLICAS VOLTAM A FICAR NO VERMELHO
Este ano, também para evitar o descumprimento da regra de ouro, o BNDES já devolveu ao Tesouro R$ 33 bilhões. Os recursos foram usados para reduzir a Dívida bruta. Outros R$ 17 bilhões serão pagos na semana que vem. De acordo com a nota, as duas operações não afetam a estrutura patrimonial do BNDES “nem sua capacidade de financiar projetos que irão garantir a retomada sólida do ritmo de crescimento da atividade econômica brasileira”.
As contas públicas voltaram a ficar no vermelho em setembro. O governo central (formado por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) registrou Déficit primário de R$ 22,7 bilhões no mês. Embora negativo, o resultado é melhor que o observado no mesmo período do ano passado, quando o rombo foi de R$ 25,2 bilhões.
Tradicionalmente, setembro é mês de Déficit nas contas públicas. Isso ocorre porque ele concentra o pagamento da primeira parcela do 13º salário, o que pressiona os gastos com Previdência.
No acumulado de 2017, no entanto, os números mostram que a situação é grave. O Déficit primário do governo central atingiu R$ 108,5 bilhões — pior resultado desde 1997. O relatório apresentado pelo Ministério da Fazenda aponta que o rombo foi recorde porque o governo antecipou o pagamento de precatórios. Sem essa despesa, o Déficit teria sido de R$ 90,4 bilhões, menor que o observado no mesmo período de 2016.
Em 12 meses, o saldo negativo está acumulado em R$ 169,9 bilhões, ou 2,62% do Produto Interno Bruto(PIB), superando a meta fiscal do ano, de Déficit de R$ 159 bilhões. Ou seja, se o ano terminasse hoje, o governo não conseguiria cumprir o objetivo estabelecido. Sem os precatórios, o número teria sido de R$ 151,6 bilhões.
Segundo o relatório das contas públicas de setembro, as despesas totais do governo central somaram R$ 933 bilhões no acumulado do ano, o que representa um crescimento real de 0,7% sobre 2016. Mas, considerando apenas as previdenciárias, a conta foi de R$ 408,5 bilhões, com uma alta de 6,8%.
Os gastos com pessoal e encargos foram de R$ 208,9 bilhões — aumento real de 10,3% sobre 2016. Por outro lado, os investimentos, que estão no grupo de despesas que o governo pode cortar, despencaram 36,5%, para R$ 25,6 bilhões.
O relatório do Tesouro mostra que o governo já consumiu 69,55% do teto de gastos previsto para 2017. O limite fixado em lei é de R$ 1,308 trilhão, sendo que, até setembro, já foram pagos R$ 910,175 bilhões. Esse montante representa um crescimento de 6,4% em relação a 2016, deixando o poder Executivo dentro do teto, pelo qual os gastos podem crescer até um limite de 7,2% este ano.
Outros órgãos públicos, no entanto, ainda estão acima do limite do teto. De acordo com o documento, o Senado teve, até setembro, um avanço de despesa de 7,6%. O Tribunal de Contas da União registrou aumento de 9,4%, a Justiça do Trabalho, de 8,2%, a Defensoria Pública da União, de 17,4%, e o Ministério Público da União, de 8,3%.
O documento da Fazenda faz um alerta para a dificuldade de o governo cumprir o teto de gastos em 2018. No ano que vem, o limite para aumento das despesas é de 3%. Contudo, as despesas obrigatórias (especialmente Previdência e pessoal) tendem a crescer 6,7%.
“Na ausência de medidas para reduzir despesas obrigatórias, as despesas discricionárias teriam que decrescer R$ 10 bilhões em termos nominais”, conclui o texto.
Fonte: O Globo