TCU quer cobrar R$ 39 bi de Caixa, BB, Basa e Banco do Nordeste

    Não é somente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que terá que devolver ao Tesouro Nacional o dinheiro recebido por meio de aporte de títulos nos governos Lula e Dilma. O Tribunal de Contas da União (TCU) deve determinar que Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil (BB), Banco da Amazônia (Basa) e Banco do Nordeste (BNB) devolvam ao Tesouro cerca de R$ 39 bilhões, como antecipou na sexta o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor.

    O caso mais emblemático é o da Caixa, que busca alternativas para reforçar sua estrutura de capital. O banco pode ser obrigado a devolver R$ 27 bilhões ao Tesouro. O BB foi beneficiário de R$ 9,6 bilhões e o BNB e o Basa, de R$ 1 bilhão cada. A determinação de retorno integral dos recursos deve ser feita pelo TCU no mesmo processo que avaliou como irregulares as emissões de títulos feitas ao longo dos últimos anos em favor do BNDES.

    Se o relatório técnico for acatado pelo plenário do tribunal, todas as instituições terão que devolver os recursos recebidos.

    Segundo o TCU, entre 2009 e 2015, a Caixa recebeu R$ 27 bilhões em títulos por meio de emissão direta (e não em espécie), em operações que foram classificadas posteriormente, do lado do passivo, como instrumentos híbridos de capital e dívida (IHCD). Nesse tipo de captação, o tomador assume compromisso de pagamento de Juros variáveis (a depender da situação patrimonial), e não tem prazo para quitar o valor principal. Por conta dessas características, pode ser considerado como capital, segundo as regras internacionais de solvência bancária.

    Esse foi um atalho utilizado pelo governo nos últimos anos para capitalizar os bancos federais sem impactar o resultado primário das contas públicas. Na época, o objetivo do governo foi estimular a concessão de crédito subsidiado, com a justificativa de que a crise financeira mundial de 2008 e 2009 paralisara o crédito privado. Ocorre que os repasses do Tesouro aos bancos federais continuaram sendo feitos nos anos seguintes à crise, até 2015, segundo o TCU.

    No caso do BB, que recebeu R$ 9,6 bilhões no mesmo período, uma parte foi via IHCD e outra para financiamento do Plano Safra.

    Assim como fez com o BNDES, o TCU quer a devolução de todo o dinheiro aos cofres do Tesouro. Os bancos terão 30 dias para elaborar um cronograma de devolução. Para o BNDES, a ideia dos auditores é que o calendário acompanhe, a grosso modo, o ritmo do recebimento dos empréstimos feitos para as empresas.

    Para os bancos comerciais, as regras para o retorno dos recursos devem ser um pouco mais flexíveis. Isso porque uma devolução abrupta causaria, especialmente para a Caixa, problemas no cumprimento do índice de Basileia, que orienta a capacidade de emprestar dinheiro das instituições com suas estruturas de capital.

    O risco de uma devolução desse tamanho chega no momento em que a Caixa busca alternativas para ganhar fôlego. Com estoque de capital próximo do limite prudencial, o banco vai passar por uma ampla reestruturação, que inclui venda de carteiras de crédito, captação de recursos no exterior e redução de pagamento de dividendos à União, entre outras medidas.

    TCU também está analisando um pedido do governo para que a Caixa transforme em dívida subordinada uma parcela de R$ 10 bilhões do montante que o banco deve ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Com essa alteração, a capacidade operacional da instituição seria ampliada. O tribunal ainda não se manifestou sobre o pedido.

    Procurada, a Caixa informou que não iria se manifestar neste momento pois o processo do TCU ainda não foi concluído. O Banco do Brasil não comentou o assunto até o fechamento desta edição.

    O relatório técnico sobre as emissões de títulos em favor dos bancos já foi concluído e o processo está atualmente no Ministério Público do TCU, responsável pela representação que deu origem à auditoria. O parecer do procurador Júlio Marcelo de Oliveira será encaminhado em breve ao ministro relator, Aroldo Cedraz. Ele pretende levar o caso ao plenário ainda este ano, mas os prazos já estão bastante apertados.

    O BNDES devolveu ao Tesouro R$ 100 bilhões no ano passado e mais R$ 50 bilhões neste ano, além dos R$ 130 bilhões pedidos para 2018. A equipe econômica pretende receber esse montante no ano que vem, mas o presidente do BNDES, Paulo Rabelo de Castro, vem dizendo que esse número é inviável. Mesmo que ele pagasse tal quantia em 2018, o banco ainda deverá um volume considerável ao Tesouro Nacional.

    TCU quer que esse dinheiro volte no menor prazo possível. O ideal, segundo apurou o Valor, é que sejam eliminados os períodos de carência firmados nos contratos entre BNDES e Tesouro. Uma expectativa é que boa parte da dívida possa ser paga em torno de cinco anos. Se fossem respeitados os prazos originais, o passivo levará 43 anos para ser zerado.

    A avaliação no tribunal é que o cumprimento do cronograma possibilitará ao governo uma economia gigantesca com pagamentos de Juros da dívida pública nos próximos anos. Uma das exigências do TCU nesse processo é que o dinheiro devolvido pelo BNDES seja integralmente utilizado no abatimento da dívida.

    Devolução muito rápida comprometeria balanços
    Análise
    Fernando Torres | São Paulo

    Caso o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) confirme o entendimento de que a emissão direta de títulos pelo Tesouro Nacional para injetar recursos nos bancos públicos nos últimos anos foi irregular, o órgão terá que ter parcimônia ao negociar um cronograma para a devolução dos recursos.

    Do capital principal somado de R$ 207 bilhões dos cinco bancos federais – Caixa Econômica Federal, BNDES, Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia -, cerca de 40%, ou R$ 82 bilhões, são formados por títulos híbridos de capital e dívida que tem o Tesouro como credor. Parte relevante desses papéis (não tudo) foi emitida de forma concomitante com as operações que o TCU quer que sejam revertidas.

    Por terem condições de pagamento bastante amigáveis para os devedores, esses títulos híbridos são tratados como elegíveis a capital principal para fins de Basileia, com aval dado pelo Banco Central.

    O peso desses títulos na formação do capital varia bastante, saindo de mais de 70% no caso da Caixa, que tinha R$ 36,9 bilhões nesse tipo de instrumento no balanço de junho de 2017, a 12,5% no BB, que tinha R$ 8,1 bilhões com essa classificação na data.

    Mas é dinheiro que faz falta para qualquer instituição, lembrando que são os recursos tratados como capital que determinam quanto os bancos podem assumir de risco, em especial por meio de operações de crédito.

    Por mais que tenham tempo para devolver o dinheiro, caso o pagamento seja exigido, a capacidade de emprestar e de pagar dividendos acabará sendo afetada.

    O problema apontado pelo TCU não se concentra no tratamento em si da dívida como “elegível a capital” – sujeita a análise específica em cada caso pelo Banco Central -, mas sim na forma como o aporte foi feito na origem, por meio de emissão direta. Em vez de captar recursos no mercado e capitalizar os bancos em espécie, o Tesouro o fez por meio de Títulos públicos, que viraram caixa (após o vencimento) já no balanço dos bancos.

    Não está claro ainda como seria a devolução, se ela de fato for exigida. Os recursos que o BNDES foi obrigado a pagar até agora – R$ 100 bilhões no ano passado, mais R$ 50 bilhões neste ano, e os R$ 130 bilhões pedidos para o ano que vem – são tratados no passivo do banco de fomento como recurso devido por “repasse”.

    Ou seja, ainda que os pagamentos estejam sendo feitos de forma antecipada em relação aos contratos, já havia uma expectativa clara de que o dinheiro poderia ser devolvido em algum momento – ainda que as linhas, em tese, pudessem ser renovadas.

    No caso dos demais contratos, a situação é diferente. Como o próprio nome diz – ou tenta dizer – os instrumentos híbridos são chamados assim porque combinam características de dívida e de capital colocado por acionistas.

    Numa dívida clássica, o devedor é obrigado a pagar a taxa de Juros acertada em contrato e também o principal, nas datas de amortização previstas.

    Já numa captação de instrumento patrimonial mais “puro”, que é a ação ordinária, o investidor coloca recursos sem garantia nem de remuneração periódica nem de devolução de principal. Por assumir mais risco, tem expectativa de remuneração maior (sem o limite previsto na dívida) em caso de bons resultados.

    Um título híbrido comum é o bônus perpétuo, que tem taxas de Juros contratadas, mas sem obrigação de pagamento de principal – ainda que muitas vezes seja resgatável em prazo determinado por opção do devedor. Esse tipo de papel também costuma ficar no fim da fila em caso de liquidação da entidade.

    Tradicionalmente, por envolver mais risco que numa dívida comum, o investidor de bônus perpétuo exige Juros maiores.

    Mas a obrigação contratual de pagamento de Juros não permite que um bônus perpétuo típico seja “elegível a capital” – traduzindo, que seja tratado como capital para cálculo dos índices de Basileia.

    Para assegurar esse tratamento – e garantir que as instituições seguissem aumentando a carteira de crédito -, o Tesouro deu um tratamento mais benevolente para os bancos federais.

    Além de não exigir o principal, também os Juros são variáveis. E, em determinadas circunstâncias, tampouco são exigíveis – ficando o pagamento “sujeito à discricionariedade da administração”.

    Conforme alguns bancos federais divulgam em notas explicativas de seus balanços, os Juros são apurados anualmente, e devem ser pagos, com correção, até no máximo no fim do exercício seguinte. Quando esse pagamento não é feito, os Juros deixam de ser devidos.

    Qualquer investidor privado só aceitaria uma condição como essa em troca de ser devidamente compensado com remuneração elevada em época de vacas gordas.

    Mas a remuneração registrada paga pelos bancos federais sobre esses instrumentos, que já era pequena em 2015, caiu em 2016.

    O risco mais evidente nessas operações era a criação de um saco sem fundo para capitalizar os bancos quando fosse necessário, evitando a despesa primária que seria contabilizada numa capitalização tradicional com compra de ações ou a necessidade de ir a mercado captar os recursos no caso de um empréstimo em espécie.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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