Delano Franco: A nova regra do teto de gastos

    Banco Central divulgou, em setembro último, seu Relatório Trimestral de Inflação. Suas previsões de IPCApara os próximos anos se situam próximas a 4%, mesmo com taxas de Juros relativamente baixas. O cenário de política monetária frouxa, estabilidade de preços e retomada do crescimento, aliadas a um ambiente externo benigno, vem dando suporte a análises favoráveis e boas rentabilidades para os ativos de risco. Recuperadas as expectativas e quebrada a inércia da inflação, o BC parece viver uma fase tranquila.

    Não muito longe dali, no entanto, a equipe do Tesouro deve ter bem menos tranquilidade. Tanto pelas dificuldades correntes da execução fiscal, quanto principalmente pela percepção, cada vez mais disseminada, de que o teto dos gastos, estabelecido pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 95, aprovada em dezembro de 2016, caminha para o rompimento quase certo.

    Senão vejamos – segundo cálculos recentes do Ibre-FGV, mesmo que se aprove a idade mínima para a previdência e o salário mínimo passe a ser corrigido apenas pela inflação, o governo enfrentará paralisia operacional já em torno de 2020. As sanções previstas na lei para o caso de gastos acima do teto, como suspensão de aumentos para o funcionalismo e contratações, não têm monta suficiente para reversão do quadro, de modo que não há mecanismo de ajuste automático que traga o Tesouro de volta a seu limite legal. Uma Reforma da Previdência um pouco mais profunda, no limite do politicamente viável, também não resolveria a questão.

    Uma pergunta a se fazer é por que os mercados seguem animados, se rumamos rapidamente em direção à inviabilização do mecanismo de contenção fiscal. Acredito que a resposta seja, além do ambiente global positivo, que há resignação quanto ao rompimento do teto, desde que a dívida se estabilize como proporção do produto em níveis aceitáveis. Se houvesse perspectiva de êxito em se operar tamanha redução de gastos obrigatórios tal que os limites da PEC 95 fossem preservados, o sentimento seria de euforia, vários degraus acima do otimismo que hoje impera. O cumprimento sustentado do teto demandaria repensar e racionalizar toda a estrutura e composição do gasto público, com amplos reflexos sobre crescimento, taxas de Juros, etc.

    Voltando à realidade, como seria então esse cenário de rompimento do teto com preservação da solvência pública? Uma condição necessária é a implementação de uma Reforma da Previdência com impacto ao menos equivalente ao formato aprovado pela comissão especial da Câmara, provavelmente acompanhada de redução dos gastos com abono salarial e alguma elevação de carga tributária. Esta última visaria recompor a carga perdida nos últimos anos, em torno de 2% do PIB. Em conjunto com a recuperação cíclica da arrecadação e Juros baixos, tais medidas lograriam estabilizar a Dívida bruta em torno de 85-90% do PIB, e reduzi-la lentamente.

    Sanções previstas para gastos acima do teto não têm monta suficiente para a reversão do quadro

    Inviabilizado o teto, restaria preservar ao máximo benefícios dele advindos, como o resgate da noção de restrição orçamentária ao se discutirem elevações de gastos que, se meritórias em si, necessitam deslocar outras despesas. Também a característica de ser indutora a uma trajetória fiscal saudável. O ideal parece ser redesenhar a regra do teto, em seguida à aprovação da Reforma da Previdência e outras medidas de solvência.

    Um candidato a nova regra poderia ser a manutenção do gasto público como proporção do PIB ou, melhor, uma lenta queda do indicador. Seria a admissão de que o limite anterior demandaria um freio de gastos incompatível com os direitos que politicamente se quer preservar, passando-se a uma trajetória, usando-se palavras recentes do Banco Central, desafiadora porém crível.

    Outra possibilidade seria a exclusão de determinados itens da conta, relacionados a direitos a serem mantidos, como aposentadorias e pensões, que possuem dinâmica própria. O problema aí é que, a depender da configuração, a regra pode ser compatível com dívida explosiva. Teria de ser uma espécie de divisão de trabalhos – um limite que contenha os gastos discricionários em tempos de bonança, de modo a evitar a repetição do que ocorreu a nível federal e em diversos Estados no começo desta década, e um conjunto de reformas que cuide da trajetória dos gastos obrigatórios.

    Por fim, poder-se-ia colocar todas as fichas nas regras de Superávit primário, estabelecendo regra constitucional para o resultado, que deveria ser sensível à fase do ciclo. Pode-se entender esta opção como uma variante da primeira, que no entanto oferece ao Tesouro grau de liberdade quanto à receita. Dessa forma, pode-se a ela se opor por não frear a tendência ao aumento expressivo de carga tributária das últimas décadas. Porém, percebemos não haver tolerância da sociedade, nem fundamento econômico, para estender ainda mais a carga, já fora da curva no conjunto dos países emergentes.

    Existe, ainda, outra dimensão com respeito à mudança de regra do teto, que é o timing. Ela não deve ser feita antes de se assegurar que a solvência está preservada, através das reformas necessárias, em especial a da previdência, de modo a não se passar a ideia de abandono fiscal. Quanto a se esperar ou não o atingimento do limite da regra atual, parece tratar-se de questão delicada. Por um lado, se antecipar ao estouro tem a vantagem de não incorrer no tumulto que adviria de um shutdown do governo. Por outro, a convivência por algum tempo com as restrições preconizadas para o caso de estouro pode ser uma oportunidade para se ajustar mais rápido gastos obrigatórios que claramente passaram do ponto, como o salário de determinadas carreiras públicas.

    Delano Franco é sócio da Rio Gestão de Recursos e professor da EPGE-FGV.

    Fonte: Valor Econômico

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