Análise: A comunicação dos BCs e a formação de expectativas

    A comunicação dos Bancos Centrais tornou-se um instrumento cada vez mais importante para as autoridades monetárias nas últimas duas décadas e, mais especialmente, após a crise de 2007-2008. Esse foi o tema central discutido na terça-feira em um seminário promovido pelo Banco Central Europeu (BCE), que teve a participação dos mais importantes banqueiros centrais do mundo: Janet Yellen (Federal Reserve), Mark Carney (Banco da Inglaterra), Haruhiko Kuroda (Banco do Japão) e o presidente do BCE, Mario Draghi.

    A importância da comunicação para a política monetária cresceu junto ao reconhecimento de que o controle das expectativas do mercado é tão importante quanto a própria definição da taxa de Juros de referência.

    Na sequência da crise, os BCs de países desenvolvidos foram de certa forma impelidos a adotar medidas não convencionais, como programas de compras de ativos soberanos e privados e taxas nominais e reais próximas ou abaixo de zero. O Fed, dos EUA, foi o precursor dessas ações, seguido depois por BoE, BoJ e BCE.

    Há anos, a forma de os Bancos Centrais comunicarem seus objetivos vem sendo estudada. Comunicados, entrevistas, discursos, documentos e, mais recentemente, o “forward guidance” (orientação futura) sempre foram ferramentas importantes para a administração das expectativas dos agentes. Mas, após o ciclo de expansão monetária coordenado pelas autoridades globais desde 2008, a volta para um ciclo “normal” tem exigido ainda mais cuidado.

    Um exemplo nunca esquecido aconteceu em meados de 2013, quando o então presidente do Fed Ben Bernanke sinalizou que o programa de compras de ativos estaria próximo do fim, episódio que ficou conhecido como “taper tantrum”. A reação dos mercados foi tão forte, espalhada pelo globo e negativa que tornou-se um modelo do que não se deve fazer.

    Em outras palavras, em tempos “normais”, a indicação de uma elevação de Juros, por exemplo, tem impacto nos preços de ativos. Mas, quando se planeja deixar de injetar uma liquidez gigantesca, um discurso muito bem desenhado é condição necessária para os Bancos Centrais. Caso contrário, um aperto indesejado das condições financeiras pode colocar a perder os ganhos de crescimento e inflação que os instrumentos não ortodoxos proporcionaram, a despeito das críticas.

    Yellen disse no seminário que o que causou o “taper tantrum” nos EUA foi o fato de que “o timing e o caráter das comunicações foram inesperados, levando a uma mudança significativa nas expectativas dos investidores sobre as taxas de Juros futuras”. Yellen acrescentou que “o Fed aprendeu com esse episódio”.

    Quando a decisão do encolhimento do balanço de US$ 4,5 trilhões do Fed foi tomada, uma série de declarações sobre as intenções do Banco Central foram dadas junto com a promessa de que o processo seria ordenado e gradual, disse a presidente do BC americano. Para ela, quando se trata de oferecer orientação futura aos mercados, é importante enfatizar a condicionalidade, ou seja, o que será necessário acontecer para que o BC mude a direção de sua política.

    Draghi, por seu turno, defendeu-se das fortes críticas do BC alemão, que sempre se opôs aos planos de resgate dos países da zona do euro que praticamente quebraram, aos Juros ultrabaixos e aos programas de compras de ativos. Para o alemão Bundesbank, esse conjunto de medidas prejudicou os investidores e pensionistas do país. “É uma minoria que se protegeu do escrutínio internacional”, respondeu Draghi, afirmando também que o “forward guidance” tornou-se um instrumento importante, embora seja cedo para dizer que será permanente.

    Mark Carney também sofreu críticas quando e alertou sobre os potenciais efeitos negativos do Brexit, o que foi tomado por alguns membros do Parlamento britânico como uma “interferência política”. O chefe do BC britânico não se fez de rogado na terça-feira e voltou a dizer que “um período de transição razoável seria útil ao Brexit”. No mais, para ele a comunicação dos BCs deve atingir um público amplo, não apenas o setor financeiro e os agentes econômicos.

    Já Kuroda, do japonês BoJ, argumentou que o “forward guidance” funciona “até certo ponto” e que as ações ainda falam mais alto do que as palavras quando se trata de moldar as expectativas. Seu cuidado, contudo, mostra bem o imbróglio em que o BC japonês está, já que apesar de toda a injeção de liquidez na economia e taxas de Juros negativas, a inflação continua atada a um nível muito inferior à meta de 2,0%.

    Em geral, olhando os anos pós-crise, fica a sensação de que os mercados parecem colocar muito mais peso sobre o que dizem os banqueiros centrais acerca de suas possíveis decisões futuras em detrimento do que falam sobre as condições econômicas – já que estas informações são públicas e acompanhadas.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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