Mesmo com a trajetória de queda do juro desde outubro do ano passado, os Títulos públicos pós-fixados – que acompanham o movimento da taxa básica – são os mais vendidos neste ano no Tesouro Direto, programa de negociação de papéis do governo pela internet para a pessoa física.
A demanda pela aplicação, que perdeu rentabilidade na esteira da Selic, é justificada pelo maior conservadorismo do investidor, segundos especialistas, diante das incertezas associadas ao cenário de aprovação de reformas e às eleições de 2018. O aumento da participação de jovens e investidores que deixaram a Poupança também explica a busca por títulos menos arriscados.
No acumulado do ano até setembro – dado mais recente -, as Letras Financeiras do Tesouro (LFT), batizadas no programa como Tesouro Selic, lideraram as vendas, com volume acima dos R$ 6 bilhões. Isso representa um aumento de 66,7% em relação ao comercializado no mesmo período do ano passado, quando os papéis atrelados à inflação estavam no centro das atenções.
A expectativa é que o Tesouro Selic continue liderando a demanda. “A venda desses títulos deve continuar aumentando porque o investidor está mais receoso. As taxas dos papéis já caíram consideravelmente e as incertezas aumentaram, tanto pelo quadro de sucessão presidencial, quanto pela expectativa quanto ao texto de aprovação da Reforma da Previdência“, afirma Luis Barone, diretor da Ativa Wealth Management.
Ele explica que, nos títulos prefixados como LTN e NTN-F – que “travam” a taxa de Juros no momento da compra e, portanto, são indicados quando a expectativa é de queda da Selic -, o investidor já sabe quanto vai ganhar ao fim do período da aplicação. Mas, em um cenário de incerteza como o atual, alerta Barone, há um risco de os Juros voltarem a subir e o rendimento final acabar sendo inferior à Selic.
Márcio Simões, gerente da mesa de renda fixa da corretora Planner, evita apontar um título do Tesouro como a “bola da vez”, justamente pelo contexto indefinido. Mas ele afirma que, dada essa conjuntura, “não mexeria” nas aplicações conservadoras. “Vai que no ano que vem tem inflação alta, e o juro sobe? O ano será mais volátil. Talvez seja [melhor] LFT mesmo”, diz.
Simões explica que a demanda por títulos do Tesouro é sempre influenciada pelo cenário macroeconômico e pelas expectativas dos investidores em relação a ele. “No ano passado havia uma expectativa de queda de Juros e o IPCA estava alto. Já no começo do ano, o governo vinha falando da queda da inflação, da mudança do cenário, o que influencia a decisão dos investidores”, afirma.
Entre janeiro e setembro de 2016, o Tesouro IPCA + (NTN-B Principal), que acompanha justamente a inflação, havia sido o mais vendido, com R$ 6,5 bilhões e um aumento de 35% em relação ao mesmo período do ano anterior. Nos primeiros nove meses deste ano, a venda desses títulos movimentou R$ 5,4 bilhões, 16,4% a menos que no ano passado.
O professor Miqueias Tenckepa, 27 anos, investe em títulos Selic por acreditar que o movimento de queda dos Juros é temporário. “Estamos vivendo uma época de baixa [de Juros], mas a tendência do nosso país é de que logo volte a subir de novo, pelo menos na minha avaliação”, diz. Além de LFT, ele também tem aplicação em Tesouro IPCA com Juros semestrais. O objetivo da aplicação é poupar para a aposentadoria, além de servir para complementar a renda atual.
Na avaliação de Juliana Inhasz, professora de finanças do Insper, se o investidor tiver a oportunidade de diversificar suas aplicações é melhor, principalmente se as perspectivas para o futuro são incertas. “Quem tiver a possibilidade de investir em mais de um título é interessante diversificar. Porque quando falamos de Tesouro Selic, falamos do investidor que quer garantir taxa de retorno no curto prazo. Já o IPCA garante poder de compra ao longo do tempo”, afirma.
Essa taxa de retorno no curto prazo é outro fator que vem influenciando a escolha dos investidores pelo título pós-fixado ao longo do ano. Isso porque o papel permite que os investidores saiam da aplicação a qualquer momento sem “surpresas” em relação ao retorno, já que ele acompanha a Selic no momento da venda, mesmo que ela ocorra antes do vencimento.
Já nos títulos prefixados, caso o investidor precise vendê-los antes do período de encerramento, o Tesouro pagará o seu valor de mercado. Portanto, a rentabilidade pode ser maior ou menor do que a contratada na data da compra para o caso de levar o papel até o vencimento.
“Com o Selic é diferente, a pessoa não tem perda nominal no seu investimento se quiser vender antes do vencimento. As pessoas buscam esse título em função desse risco menor”, explica Luciano Tavares, CEO da Fintech Magnetis, que presta consultoria de investimentos on-line. Todos os outros títulos, prefixados e atrelados à inflação, têm risco de perda no caso de venda antes do vencimento.
O publicitário Felipe Rodrigues, 24 anos, é um dos investidores que apostam no Tesouro Selic pela facilidade de saída da aplicação. Ele conta que, pelo fato de ainda não ter muito dinheiro, procurou um investimento que conseguisse “liquidar fácil” e que tivesse segurança para que ele não perdesse o que havia juntado.
O jovem é um dos investidores que migrou da Poupança – apesar de ainda deixar parte do seu dinheiro lá – para o Tesouro Direto. Segundo Barone, da Ativa, são essas pessoas que compõem a maior parte dos investidores de LFTs atualmente.
“O maior esclarecimento das pessoas em relação aos investimentos fez elas buscarem alternativas. Mas o recurso que vai pro Tesouro Direto não é alternativo à bolsa, ele vem da Poupança. O investidor está migrando de um ativo cujo rendimento era menor, para um análogo com rendimento maior”, afirma. Para ele, o movimento da taxa de Juros, nesses casos, acaba sendo secundário, já que as pessoas estão começando a entender o investimento e não querem se arriscar muito.
Já para os investidores com mais conhecimento e recursos disponíveis para aplicar, Juliana, do Insper, sugere que procurem outras opções, como fundos e CDBs, que podem render mais que 100% do CDI.
Fonte: VALOR ECONÔMICO