Com redução dos juros, bancos retomam linhas de maior spread

    Com a melhora da economia e sob maior pressão nas margens em um cenário de Juros baixos, os grandes bancos querem voltar a abrir as torneiras do crédito. A novidade é que a volta dos financiamentos deve ocorrer em linhas que as instituições deixaram de lado nos últimos anos, como veículos e micro e pequenas empresas, que contam com spreads maiores.

    As concessões de novos empréstimos já começam a dar sinais de retomada. No acumulado do ano até outubro, os desembolsos com recursos livres somam R$ 2,4 trilhões, alta de 3,4% em relação ao mesmo período de 2016, de acordo com dados do Banco Central. A retomada é puxada pelas modalidades voltadas a pessoas físicas e pequenas e médias empresas.

    A volta a linhas consideradas mais arriscadas ocorre no momento em que o resultado dos bancos com crédito patina. A margem financeira, que inclui receitas com crédito menos custos de captação, recuou 4,9% no terceiro trimestre em relação ao mesmo período de 2016. A queda só não afetou os lucros graças à forte redução nas despesas de provisão contra calotes, mas esse efeito deve começar a perder força no próximo ano, segundo analistas.

    Um sinal da mudança na atitude dos bancos é o desempenho dos financiamentos para a compra de veículos. O saldo da carteira acumula uma alta de 1,8% neste ano, até outubro, e as concessões de novos financiamentos avançam em um ritmo ainda maior, de 22,7%.

    Entre os grandes bancos, o Santander é o que apresenta a maior expansão da carteira de veículos, com alta de 16,3% nos últimos 12 meses. O crescimento faz parte da estratégia de se voltar a linhas menos voláteis, segundo Cassio Schmitt, diretor de crédito e recuperações da instituição.

    Embora conte com a garantia do bem, o financiamento de veículos foi sinônimo de dor de cabeça para o setor financeiro alguns anos atrás. No auge, em 2012, o índice de inadimplência nessa modalidade de crédito chegou a superar 7%. Como resultado, o saldo da carteira de veículos encolheu 26% desde 2012. Nesse período, os bancos se voltaram para linhas consideradas de menor risco, como o consignado e imobiliário.

    “Os bancos erraram na época ao migrar do financiamento de carros novos para usados com muitos anos e nas condições de prazo e entrada”, diz Schmitt. Não era raro encontrar operações em que não se exigia nenhuma entrada do cliente.

    A volta ao segmento de veículos é um sinal de que os bancos curaram as feridas após os calotes sofridos durante o período de euforia com a economia. Apesar da disposição para crescer, as condições atuais oferecidas hoje são mais conservadoras, principalmente para quem que não tem relação com o banco, segundo o diretor do Santander. “Nossa oferta tem sido mais agressiva para os correntistas, onde a inadimplência é menor”, afirma.

    No Bradesco, a carteira de veículos diminuiu 7,5% nos 12 meses encerrados em setembro, mas a modalidade está em aceleração e o saldo apresentou crescimento na comparação trimestral. As concessões cresceram 23% no terceiro trimestre quando comparadas aos três meses anteriores. “Todo o mercado aprendeu a trabalhar de forma mais firme. Isso faz com que seja possível crescer agora de forma sustentável”, afirma João Carlos da Silva, diretor-executivo da instituição.

    Assim como o crédito para a compra de veículos, os empréstimos a micro e pequenas companhias também voltaram ao radar das Instituições Financeiras depois de passarem um bom tempo em segundo plano. Só que agora uma proporção maior das operações é atrelada aos recebíveis dessas empresas, o que diminui o risco de inadimplência. De janeiro a outubro, as concessões de linhas de antecipação de recebíveis registram alta de 72%, de acordo com o Banco Central.

    No Banco do Brasil (BB), a participação de linhas de antecipação de recebíveis aumentou para 62,6% dos volume de desembolsos para micro e pequenas companhias nos nove primeiros meses deste ano, em relação aos 55,8% vistos no mesmo período de 2016. Num ambiente de crédito ainda fraco, uma reformulação dos produtos voltados ao segmento levou o estoque de operações com essas empresas a encolher mais de 30% no intervalo de 12 meses encerrado em setembro. “Aumentamos nossa posição em linhas de recebíveis, melhores e com menos risco”, disse o presidente do banco, Paulo Caffarelli, em entrevista recente.

    Os desembolsos do Banco do Brasil para pessoa jurídica já foram 25% maiores no terceiro trimestre deste ano que no mesmo período de 2016, concentrados sobretudo nas operações com empresas de menor porte. O aumento nas concessões, contudo, ainda não foi suficiente para conter a queda na carteira.

    O Itaú Unibanco também fez ajustes no crédito a micro e pequenas empresas, diz Wagner Sanches, diretor-executivo da instituição. Ele afirma que houve mudanças no mix de garantias exigidas, com maior ênfase em recebíveis, controle mais estrito da qualidade dos clientes e preferência por setores de menor risco.

    A expectativa dos bancos é de uma retomada mais firme do crédito a pessoas físicas e a micro e pequenas empresas no início do próximo ano, enquanto continuam reticentes quanto ao desempenho das grandes companhias. A percepção é a de que os maiores grupos empresariais do país vão levar mais tempo para se recuperar da crise e quem precisa se financiar tem encontrado boas condições no mercado de capitais.

    Os departamentos econômicos dos bancos têm sinalizado um crescimento de até 5% no crédito em 2018 – um alento em um mercado que está em queda desde 2015, mas ainda assim um desempenho modesto quando se leva em conta a inflação. “Há uma aceleração nas linhas de veículos, consignado e micro e pequenas empresas, mas é gradual. Ninguém espera que vá ter um cavalo de pau”, observa Marcelo Kopel, diretor-executivo do Itaú. “É um ambiente que deve ser construído aos poucos.”

    Um analista que prefere não ser identificado também aposta em uma melhora muito gradual do crédito. Muito do crescimento que se verá nos próximos meses refletirá mais uma base de comparação fraca que um grande aumento na procura por recursos, diz. Segundo ele, a demanda – especialmente das empresas – só deve começar a crescer de forma mais significativa a partir do segundo semestre, com uma maior clareza no cenário eleitoral. Até lá, os bancos não devem aumentar sua exposição ao risco, avalia esse interlocutor.

    “A demanda está começando a aparecer e os bancos querem crescer, mas até agora ninguém está disposto a afrouxar os parâmetros para a concessão de crédito”, diz o executivo de um grande banco.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

    Matéria anteriorFocus eleva projeções para o PIB em 2017
    Matéria seguinteAcordo de leniência deve gerar interesse, diz BC