Para especialistas, teto é muito alto e benefícios precisam ser avaliados
Quando se observam os desequilíbrios das contas públicas, o programa destinado a facilitar a tributação para pequenas e micro empresas, o Simples Nacional, é a principal torneira de escape dos recursos públicos. A renúncia fiscal — o que o governo deixa de arrecadar — equivale a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo relatório do Banco Mundial. Durante o período de 2003 a 2016, o Ministério da Fazenda calculou que as isenções com o programa somaram R$ 709 bilhões. É de longe o maior incentivo fiscal em vigência no país.
De acordo com analistas, além da renúncia altíssima, o Simples não deu retornos suficientes no mercado de trabalho e na regularização das empresas, sendo necessária e urgente uma revisão dos benefícios para a melhora das contas públicas.
As projeções do Orçamento Federal de 2018 mostram que o governo vai deixar de arrecadar R$ 80,6 bilhões com o Simples, o que corresponde a 28,4% dos gastos tributários do Executivo. De acordo com as estimativas deste ano, as renúncias fiscais vão alcançar R$ 283 bilhões. Como comparação, o rombo deixado pelo programa corresponde a mais da metade do deficit fiscal esperado para 2018, que é de R$ 159 bilhões.
Em segunda posição no ranking dos gastos tributários, os rendimentos isentos e não tributáveis do Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF) vão impactar as contas públicas em R$ 27 bilhões, 33,5% do custo do Simples no ano. O economista Braulio Borges, da LCA Consultores, destacou que o programa é um dos itens que mais pesam na conta de subsídios. Na avaliação dele, o programa ficou completamente “desvirtuado” com a recente ampliação do faturamento das empresas que podem ser incluídas no regime de R$ 3,6 milhões para R$ 4,8 milhões.
“Esse faturamento já não é mais de microempresa”, pontua Borges. O diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), Bernard Appy, também avalia assim. Para ele, o programa claramente tem problemas, devido ao limite extremamente elevado. “Da maneira como está hoje, o Simples favorece empresas que não precisam. A mediana dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de US$ 50 mil, enquanto o Brasil permite US$ 1,5 milhão. Não faz o mínimo sentido”, afirma.
Ampliação
Ao longo dos anos, as ampliações dos limites de faturamento acompanharam o aumento dos gastos do governo com as renúncias do programa. Em 2003, o Simples gerava uma isenção de R$ 19 bilhões. O nível passou de R$ 50 bilhões em 2010 até chegar ao patamar de R$ 80 bilhões de 2018. Ou seja, o rombo anual subiu 320% nos últimos 15 anos.
O Banco Mundial avaliou, no relatório Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil, que o Simples é distorcivo porque permite a sobrevivência de empresas ineficientes, que pagam salários relativamente mais altos a trabalhadores mais ricos, em detrimento de outras micro e pequenas companhias que poderiam crescer e gerar mais empregos.
Foi o que diagnosticou uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), publicada no livro Causas e consequências da informalidade no Brasil, organizado pelo pesquisador Fernando de Holanda Barbosa Filho, em conjunto com Gabriel Ulyssea. “O Simples não obteve sucesso na formalização das empresas nem na melhora do mercado de trabalho. Os indicadores de emprego não mudam, o que significa que o Simples não funcionou como pretendia. É um programa que, na verdade, serviu apenas para a simplificação dos tributos”, aponta. “Mas, mesmo simplificando, há benefícios para empresas pouco produtivas, o que não vemos em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, a dinâmica é: nascer, crescer e ganhar mercado. No Brasil há nascimento e estagnação”, lamenta.
Na avaliação dos analistas, isso ocorre porque as empresas não querem crescer e abrir mão do benefício, porque a tributação seria mais elevada. Por isso, Appy afirma que o programa é necessário, mas que é preciso uma reavaliação. “No Brasil, há uma cultura de criar políticas de incentivo sem avaliação prévia. O Simples é um exemplo disso. Há a percepção de que o Brasil está começando a focar no combate às isenções, mas é de forma bem incipiente. Tanto é que o aumento do limite de faturamento das empresas vai valer a partir deste ano”, declarou o diretor do Centro de Cidadania Fiscal.
Braulio Borges lembra que há uma grande dificuldade para o governo rever os benefícios tributários, porque eles não aparecem nas despesas sujeitas à emenda do teto dos gastos, portanto, mesmo se forem cortadas, não terão impacto no descumprimento da regra a partir do próximo ano. Apesar disso, o Simples é uma das poucas exceções que entram na conta. As despesas discricionários que constam na Lei Orçamentária Anual, por exemplo, passaram de R$ 125,5 bilhões em 2017, para R$ 112,6 bilhões neste ano, registrando uma queda de 10,3%. Dentro dessa rubrica, estão incluídos investimentos constitucionais para a saúde, a educação, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e até o Bolsa Família.
Fonte: Correio Braziliense