Pode ser desastrosa a proposta de um duplo mandato para o Banco Central (BC) – defender a moeda e ao mesmo tempo cuidar do nível de emprego ou do ritmo da atividade econômica. O objetivo declarado, e aparentemente muito razoável, é implantar no Brasil um regime parecido com o do Federal Reserve (Fed), a instituição responsável pela política monetária e pela defesa da estabilidade financeira nos Estados Unidos. Se o sistema funciona de forma em geral satisfatória na maior e mais avançada economia do mundo, deve ser adequado também para o Brasil, podem argumentar os defensores da imitação. Mas a có- pia poderá resultar num arremedo grotesco e muito perigoso, se o mandato ampliado funcionar como um impedimento às ações de combate à inflação. Esse risco é evidente quando se considera a experiência brasileira e se avalia como se exercerá o controle sobre a política monetária.
Duas possibilidades foram mencionadas numa entrevista à Agência Estado pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR). A meta de inflação poderia ser combinada com um objetivo de emprego ou de crescimento econômico. Em qualquer hipótese ficaria evidente o arremedo imprudente do padrão americano.
Ao criar em 1913 o Sistema da Reserva Federal, os congressistas americanos foram cautelosos ao definir as funções da autoridade monetária. Essa autoridade, segundo a lei, deve conduzir sua política de forma “a promover com eficácia os objetivos de máximo emprego, preços estáveis e Juros de longo prazo moderados”. O próprio Fed, num documento didático sobre seus objetivos e funções, traduz em termos práticos essa missão: a regra legal vincula a política monetária ao objetivo mais amplo de favorecer uma economia produtiva e estável.
Dirigentes do Fed comparecem periodicamente ao Congresso para prestar contas de seu trabalho, mas a função de interpretar o duplo mandato é normalmente exercida pelo Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc), responsável, como o Copom brasileiro, pela gestão da moeda. Em janeiro de 2012, o Fomc publicou uma declaração sobre a estratégia e os objetivos de longo prazo da política. O documento oficializou a meta de 2% para a alta anual dos preços ao consumidor. Esse ritmo de inflação foi considerado compatível com o objetivo de longo prazo de máximo emprego.
Não se fixou, no entanto, um objetivo numérico para o emprego (ou para o desemprego). Vários fatores, além da política monetária, determinam o nível de ocupação sustentável sem aceleração da alta de preços. Periodicamente os membros do comitê avaliam as condições do emprego e estimam até onde a ocupação poderá aumentar sem efeitos inflacionários indesejáveis.
Embora o mandato seja duplo, há uma ênfase evidente no controle da inflação como elemento básico da estratégia. Afinal, inflação baixa e estável é apresentada, no mesmo documento, como fator de segurança para as decisões empresariais e para as escolhas das famílias. Inflação sob controle é condição para prosperidade econômica e bem-estar.
Subordinar a política monetária às metas de crescimento econômico ou de emprego seria assumir, no Brasil, um risco político e intelectual evitado prudente e modestamente pelos dirigentes do Banco Central mais poderoso do mundo. Além disso, os formuladores da política monetária têm normalmente dado atenção às condições de emprego e ao custo econômico das decisões de política monetária. Não é preciso, para isso, ter de levar em conta uma dupla atribuição.
É indispensável, sim, garantir a segurança dos dirigentes do BC por meio de mandatos bem planejados. É necessário, sim, formalizar a independência operacional da autoridade monetária. Mas fixar imprudentemente metas de emprego ou de crescimento facilitará pressões em defesa de grupos mais interessados em Jurosbaixos e em vida fácil do que no bem-estar dos mais afetados pela inflação. Vida fácil inclui, naturalmente, favores fiscais e protecionismo. Seria indecente usar a lei do BC para favorecer, sob o disfarce de progressismo, os espertalhões de sempre.
Fonte: O Estado de S. Paulo