Ricardo Liáo, então diretor de Supervisão do Coaf, é o presidente da UIF. Órgão poderá ter integrantes de fora do serviço público.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) passou ao comando do Banco Central, com outro nome e um novo presidente.
Com a medida provisória em vigor, o Coaf fica extinto para dar lugar à Unidade de Inteligência Financeira (UIF). O órgão que é estratégico no combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro deixou o Ministério da Economia.
Logo cedo, o presidente Jair Bolsonaro disse que confia no trabalho do presidente do Banco Central para nomear os integrantes da Unidade de Inteligência Financeira: “Vai ficar totalmente nas mãos do Roberto Campos. Eu acredito no Roberto Campos. Está fazendo um bom trabalho. Está certo? Confiar nas pessoas. Está resolvida a questão do Coaf”.
Roberto Campos Neto já nomeou o presidente da UIF: Ricardo Liáo, então diretor de Supervisão do Coaf. Liáo é aposentado pelo Banco Central, com experiência no combate ao crime organizado e lavagem de dinheiro. Chefiou o Departamento de Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros.
Ele substitui o auditor da Receita Roberto Leonel, que ocupou a presidência do Coaf desde o início do governo Bolsonaro. Ele integrou a Operação Lava Jato e foi trazido pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. Mas incomodou Jair Bolsonaro ao criticar publicamente a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que atendeu a um pedido do filho de Bolsonaro, senador Flávio Bolsonaro, e suspendeu o uso de dados detalhados de órgãos de controle, como o Coaf, em investigações sem autorização judicial.
O ministro da Justiça disse que o trabalho de combate ao crime organizado vai continuar: “No fundo a estrutura do Coaf permanece a mesma dentro do Banco Central, inclusive com a expectativa de manutenção da ampliação. Expectativa não, a própria MP faz uma referência da manutenção da estrutura de cargos que nós reforçamos aqui dentro do Ministério da Justiça. Preferia que o Coaf, como disse, estivesse aqui. Não estando aqui, no entanto, tenho certeza que está em boas mãos junto ao atual presidente do Banco Central, o senhor Roberto Campos”.
O texto da medida provisória diz que o conselho deliberativo será formado pelo presidente da UIF e por até 14 conselheiros “escolhidos dentre cidadãos com reputação ilibada e reconhecidos conhecimentos em matéria de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo ou ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa”.
No fim da tarde, o presidente do Banco Central informou que manteve os 11 conselheiros que atuavam no Coaf. Mas a MP cancelou o artigo que determinava que apenas servidores efetivos – de órgãos específicos de controle, investigação e da área econômica – poderiam atuar no Coaf. No novo órgão, o quadro técnico-administrativo pode ser integrado por ocupantes de cargos em comissão e funções de confiança; servidores, militares e empregados cedidos ou requisitados; e também servidores efetivos.
Uma brecha para indicações políticas, segundo a Transparência Brasil. “Na medida em que é a terceira vez que ele muda o Coaf de lugar – já foi do Ministério da Justiça, do Ministério da Economia, agora do Banco Central -, isso mostra que ele está fazendo parte do jogo político. Ele abriu brecha para que pessoas que não são servidores de carreira façam parte do Coaf, e isso, obviamente, abre brecha para a politização dessas pessoas e, portanto, do órgão. O que ele está fazendo, na verdade, é politizar um órgão que deveria ser técnico e deveria ser independente”, afirma o diretor-executivo Manoel Galdino.
O Sindicato dos Funcionários do Banco Central teme que o desempenho da Unidade de Inteligência prejudique a imagem do banco. “A partir desse momento, a UIF, mesmo agindo de uma forma bastante independente, tem uma vinculação com o banco. Então, o sucesso ou o fracasso da UIF certamente afetará a imagem do Banco Central”, explica Paulo Lino, presidente do sindicato.
A Associação Nacional dos Analistas do Banco Central disse, em nota, que “repudia qualquer tentativa de trazer para o Banco Central do Brasil, por indicação política, pessoas não pertencentes ao seu quadro efetivo”.
O economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, afirma que a medida provisória abre margem para pessoas de fora terem acesso a dados restritos: “Pessoas que não são servidores públicos teriam acesso, inclusive, a dados fiscais e bancários. Essa medida provisória ela precisa ser novamente editada, porque da maneira que está não pode, evidentemente, continuar. Se o Executivo não fizer isso, o Legislativo terá que fazê-lo”.
O Congresso tem 120 dias para aprovar a medida provisória. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu o texto: “A intenção do presidente do Banco Central foi abrir oportunidade de trazer pessoas do mercado para trabalhar no Coaf como um órgão técnico, não é para botar quadro político no Coaf, ninguém tem essa pretensão. É uma medida provisória que, de fato, estabelece a independência necessária da política do Coaf. Os ruídos das últimas semanas, com relação à ação de membros da Receita que estavam trabalhando no Coaf, era perigosa para o governo, então, estancou um risco de uma crise maior, aonde o Coaf, de alguma forma, poderia estar sendo usado de forma indevida”.
Segundo fontes do Banco Central, a proposta de abrir a composição do novo Coaf para profissionais da iniciativa privada partiu do presidente da instituição, Roberto Campos Neto. Ele argumentou junto ao Palácio do Planalto que, para modernizar a estrutura da Unidade de Inteligência, será necessário trazer profissionais da área de tecnologia de ponta do setor privado, porque os servidores do Banco Central não têm esse conhecimento.
Em conversas com políticos para explicar o novo Coaf, Campos Neto disse que terá autonomia para nomear os novos conselheiros, sem ingerência política.
O governo afirma que a nova Unidade de Inteligência está de acordo com o Gafi – Grupo de Ação Financeira -, considerado referência internacional no combate a esses crimes e ao financiamento ao terrorismo. O Brasil faz parte do Gafi desde o ano 2000, ao lado de mais de 180 países.
Nas diretrizes, o Gafi dedica dois parágrafos sobre a nomeação dos chamados supervisores. Os responsáveis pelas unidades de inteligência financeira devem ter “independência e autonomia financeira suficientes para garantir a liberdade de interferência ou influência indevidas”. Para isso, “os países deveriam possuir processos para garantir que os funcionários dessas autoridades mantenham altos padrões profissionais, inclusive padrões de confidencialidade, além de serem idôneos e aptos”.
Por fim, num parágrafo com o título “Influência ou interferência indevida”, o organismo internacional determina que a Unidade de Inteligência Financeira dos países deverá desenvolver suas funções “livre de qualquer influência ou interferência política, governamental ou industrial indevida, que possa comprometer sua independência operacional”.
Fonte: GLOBO