Funcionários de BC, Tesouro Nacional e CGU reclamam de falta de isonomia no funcionalismo
13.jun.2023
Idiana Tomazelli | Nathalia Garcia
O sinal verde do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a regulamentação do bônus da Receita Federal deflagrou uma corrida de outras carreiras por uma gratificação extra semelhante para seus salários.
Servidores do Banco Central, do Tesouro Nacional e da CGU (Controladoria-Geral da União) reclamam da falta de isonomia entre as carreiras de Estado e cobram uma equiparação de tratamento —sem a qual, segundo esses representantes, as categorias poderiam perder mão de obra qualificada para as que oferecem a bonificação.
O grupo promete ampliar a pressão sobre o governo e promoveu uma paralisação parcial das atividades nos órgãos nesta terça-feira (13). Mais de 500 servidores do Tesouro aderiram, segundo o sindicato da categoria. No BC, a entidade que representa os servidores calcula uma participação perto de 50%. Novos atos estão sendo convocados para esta semana.
Em um formato distinto, servidores do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e peritos médicos pedem a retomada do pagamento de um bônus por análise extra de requerimentos, para colocar em marcha o plano do governo de reduzir a fila de espera por benefícios.
O movimento é visto com preocupação pelo governo, que concedeu reajuste linear de 9% às categorias a partir de maio. Qualquer adicional pode encorajar um número ainda maior de carreiras a pleitear a concessão do benefício e impactar o Orçamento nos próximos anos.
Na semana passada, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos disse em nota que tem recebido representantes de diferentes carreiras e analisa as demandas em um “processo de diálogo constante”. Na ocasião, a pasta fez questão de ressaltar que o reajuste havia sido concedido “há 7 dias”, após acordo com quase 100 entidades sindicais.
O pagamento de bônus por produtividade ou eficiência tem funcionado como uma forma de turbinar salários de servidores. Na prática, grande parte dos membros das carreiras beneficiadas acaba encostando no teto remuneratório, hoje em R$ 41.650,92 mensais.
A Receita Federal é a segunda categoria a conquistar o benefício de forma permanente. O valor extra foi aprovado em 2017, com a previsão de repasses fixos de R$ 3 mil mensais para auditores e R$ 1,8 mil mensais para analistas tributários —inclusive aposentados— até sua regulamentação definitiva.
Os valores se somam aos salários da categoria. Um auditor fiscal tem remuneração inicial de R$ 21.029,09, e final de R$ 27.303,62. Para os analistas, os salários vão de R$ 11.684,39 a R$ 16.276,05. As cifras são anteriores ao reajuste de 9%.
Neste mês, Lula editou um decreto que cria um grupo de trabalho para estipular os critérios de cálculo do bônus, que poderá ser variável. A expectativa dos servidores é que os ganhos aumentem a partir da regulamentação, a ser concluída no segundo semestre deste ano.
Antes da Receita, os membros da carreira jurídica conseguiram emplacar a criação dos chamados honorários de sucumbência, pagos a membros da AGU (Advocacia Geral da União), da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e procuradores junto a órgãos como o próprio BC.
O valor do honorário é calculado conforme o índice de sucesso nas causas envolvendo a União, e a gestão é feita por uma entidade privada, o CCHA (Conselho Curador dos Honorários Advocatícios). O pagamento médio chegou a R$ 18.530 por pessoa em outubro de 2022 e R$ 9.932 em dezembro do ano passado. Ainda não há dados disponíveis sobre o pagamento em 2023.
O repasse se soma ao salário da categoria, que antes do reajuste linear estava entre R$ 21.014,49 e R$ 27.303,70.
Além dessas carreiras, os auditores fiscais do Trabalho também aguardam a regulamentação de seu bônus, criado na mesma lei de 2017 que contemplou a Receita Federal.
A mobilização dos auditores de finanças e controle, que inclui servidores do Tesouro e da CGU, é organizada pelo Unacon Sindical. O secretário-executivo da entidade, Rudinei Marques, diz que há uma “correlação histórica” da categoria com as demais carreiras de Estado, que exercem funções exclusivas da administração pública.
“A regulamentação da remuneração variável da Receita gera certo desconforto. A gente está buscando formas de compensar essa defasagem, pois nossas atividades têm grau de complexidade igual ou superior às da Receita. Não tem por que haver diferenciação”, afirma ele, que também preside o Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado).
A equiparação é um argumento frequente das carreiras, que se dizem desprestigiadas e tratadas como “subcategoria”.
Em defesa de seu próprio bônus, servidores da Receita Federal afirmam que o benefício equilibra sua situação em relação aos Fiscos estaduais, que chegam a pagar valores entre R$ 33,5 mil e R$ 89 mil mensais —a despeito do teto remuneratório.
A Unacon Sindical também elenca como fator favorável a atuação dos servidores do Tesouro na elaboração do novo arcabouço fiscal, que busca disciplinar o avanço dos gastos federais. Segundo Marques, os recursos para o bônus da carreira poderiam ser financiados por uma espécie de taxa de corretagem em cima da emissão de títulos públicos ou do Tesouro Direto e por uma comissão sobre os acordos de leniência.
O presidente do Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central), Fabio Faiad, também reclama da falta de isonomia e vê cenário semelhante ao do ano passado, quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) queria dar reajuste apenas a policiais –o que acabou não se concretizando.
Um dos argumentos da entidade é que, sob as regras atuais, há uma disparidade inclusive dentro do próprio BC, uma vez que o procurador (ligado às carreiras jurídicas) recebe o honorário de sucumbência, superando em mais de R$ 12 mil a remuneração dos demais servidores do órgão.
“A distância é colossal. Daqui a pouco o Banco Central vai virar um centro de treinamento de luxo. As pessoas treinam e depois partem para o mercado privado, [para] concursos da polícia, da Receita, da Câmara, do Senado. Nossa obrigação é lutar contra isso”, afirma Faiad.
Os representantes dos servidores do BC pedem diálogo com a ministra Esther Dweck (Gestão) e sugerem uma proposta baseada na produtividade institucional. A ideia é que o programa de gestão de desempenho do órgão seja parâmetro para um bônus individual ponderado pelo momento de carreira de cada profissional –de 30% para os mais novatos a até 100% para quem possui mais tempo de casa. O presidente do sindicato afirma, contudo, que não há um modelo pronto.
Os servidores do BC se manifestaram publicamente no chat ao vivo da LiveBC, transmitida no canal da instituição no Youtube nesta segunda (12).
Enquanto o diretor de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta, Mauricio Moura, falava sobre inclusão financeira, os funcionários deixavam comentários com as hashtags #valorizaBC #RPBCJá, reivindicando a criação do bônus de retribuição por produtividade.
Alguns citavam também falta de motivação, sentimento de desprestígio, clima interno deteriorado e a necessidade de discutir valorização de carreira. “O Pix foi um importante veículo de inclusão financeira. Nesse sentido, como garantir a evolução da ferramenta tendo um quadro funcional tão desmotivado?”, comentou um dos usuários.
Uma nova paralisação está prevista para a tarde de quinta-feira (15), o que levou ao adiamento da reunião plenária do Fórum Pix –grupo de trabalho coordenado pelo BC– para 19 de junho.
Como presidente do Fonacate, Rudinei Marques acredita que os pedidos por remuneração variável podem permear a campanha salarial de 2024, que se inicia no próximo dia 20 de junho. “Por enquanto não é uma pauta universal, mas sim de algumas específicas. Mas pode ganhar força”, avalia.
Fonte: Folha de São Paulo