“CABEÇA, IRMÃO”

    Uso hoje como título palavras que formavam o refrão de uma música concorrente em um dos antigos e bonitos festivais de MPB, lembram-se deles? O autor, Walter Franco, em plena ditadura militar, pretendia chamar a atenção das pessoas para a necessidade de pensarem. Isto, aliás, era proibido, a menos que pensássemos na lógica do “Brasil, ame-o ou deixe-o.”   Ele foi aplaudido por alguns e vaiado por outros. Parte daquelas vaias certamente se originava em consciências incomodadas e acomodadas, pois era mais fácil aceitar do que contestar. Nem todos queriam correr os riscos do questionamento. Havia músicas para todos os gostos, das românticas as que marcavam o protesto contra o autoritarismo vigente. Entre estas, algumas marcaram época, principalmente “Pra não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré.   Mas, voltemos ao refrão: “cabeça, irmão, cabeça, irmão.” Em um ano eleitoral tão importante para o país, é o caso de se repetir aquelas palavras incansavelmente. Há que prestar muita atenção a tudo, ler muito, ouvir sempre, pensar e pensar sem se deixar influenciar com promessas mirabolantes, recusando os mimos, os presentes da troca de favores eleitoreiros, os beijos de Judas, os sorrisos masturbados, etc.   Com pitadas de humor, tenho sido um crítico de alianças que são difíceis de aceitar. Depois de acompanhar tantos “noivados” e “casamentos” que desafiam toda e qualquer lógica,  até a própria ciência política como tal, que relegam o ideário político a uma salada mista de idéias, intenções, interesses que, levada ao forno, deve produzir algo que o dicionário define como tiborna, mistela, massamorda, salgalhada, maçarocada, concluo que estamos tendo que digerir uma mixórdia incomparável.   Aliás, não temos saída. Para onde quer que nos viremos o quadro acima estará sempre presente. E não se espantem tanto, não, vai piorar mais. É só um dos últimos colocados nas pesquisas decidir retirar sua candidatura que presenciaremos um revoar de “moscas” para cima dos votos que ficarão “disponíveis”. Aguardem. Não acreditem nos que juram agora que não desistirão.   Começou o horário político e logo nos ofereceram mais “teatro” para comentarmos, sempre com a melhor das intenções e todo o respeito, claro. Ver o candidato Garotinho valer-se de dois imensos pôsteres de Getúlio e Juscelino, ao fundo de sua imagem, chega a ser, digamos, uma “heresia política”. Quando ele afirma que não quer apoios iguais aos que “outros vêm aceitando”, ele usa uma verdade que conseguiu enganar a própria mentira, que acreditou nela. Perceberam a sutileza?   Interessante a opinião expressa por Bruno Astuto, um cidadão, de 24 anos, morador da Lagoa, entrevistado, junto com mais duas pessoas, ao se referir ao candidato Garotinho. Disse ele ao “O Globo” (25.08.2002): “Só sei que não voto no Garotinho. Ele é um Perón mal empacotado.” Astuto, sagaz e bem humorado, o Bruno.   O Sr. Serra, nos intervalos de cada “round” com Ciro, reafirma que é candidato do governo dele mesmo. “Mas que governo?” (perguntaram-lhe num debate). Então ele finge que não é candidato oficial, mas aceita e agradece o apoio do verdadeiro governo, oficial, que, “por coincidência” é do mesmo partido dele. E põe uma faixa gigantesca de propaganda eleitoral, aqui em Ipanema, dizendo: “Serra para presidente, para  mudar a vida da gente.” Mudança?! Ele não é o continuísmo??   E promete criar 8 milhões de empregos. Maravilha. Aplausos… Mas, ele não prega dar seguimento à política econômica atual, que elogia? Engraçado, esta gerou 11 milhões de desempregos!! Que mágica terá ele escondida em seus planos? E eu fiquei surpreso ao ouvir o Gugu dizer, no horário eleitoral, que o Sr. Serra foi considerado, por um órgão internacional, quando Ministro da Saúde, o melhor ministro do mundo!! E eu não sabia! Como sou ignorante! Tiro meu chapéu para S. Excelência.    Também, eu moro no Rio, onde a dengue andou fazendo um estrago infernal no verão passado, com muitas mortes, inclusive. E o então governador, Garotinho, dizia que fora o então ministro que demitira 4 ou 5 mil mata-mosquitos, o que teria atrapalhado em muito a guerra contra o mosquito diabólico. E eu acreditei! Desculpe ex ministro.   Acrescento aqui um comentário bem humorado do João Ubaldo Ribeiro, em sua coluna, em “O Globo”, também no dia 25.08.2002. Às tantas escreveu ele: “Quanto ao Serra, diga-se que finalmente conseguiu ver uma vaca, numa exposição agropecuária na Bahia, embora a vaca não fosse vaca mas, um touro. Ou seja, corremos o risco de eleger alguém que ou é arrivista, ou xinga ou confunde vaca com touro.”   Aconselha o bom senso que se valorize os candidatos por sua postura, suas propostas, sua credibilidade. Prega-se isso com seriedade. Ora, de repente leio na imprensa que os fortes “ataques pessoais” feitos por Serra a Ciro, no horário eleitoral, renderam-lhe uma subida nas pesquisas, enquanto Ciro caiu!!  Bolas, onde fica a coerência e como anda a cabeça desses eleitores? Querem ouvir as proposições sérias dos candidatos ou estão mais interessados em fofocas, mexericos e outras baixarias? “Cabeça, irmãos, cabeça, irmãos!!” Assim não dá.   Bem, nessa barafunda desordenada de alianças e micos, confesso que, para escolher um candidato e votar nele, estou tendo que ceder, que reformular meu julgamento  crítico. O que eu não admito é anular o voto. Então já começo a achar, digamos, enquadrar-se  num padrão de “normalidade”, a reverência do Ciro ao beijar a mão de ACM. No mundo político do faz de conta, ou do “esqueçam tudo que eu disse antes”, etc e tal, o juízo anterior que o candidato fazia do ex-senador baiano já não importa.   O vice-versa tem o mesmo grau de importância neste patamar, embora eu custe a crer que estou escrevendo isso!! Então, ter ouvido o mesmo Ciro afirmar, na frente de vários jornalistas que o provocavam, que o ACM é um político… de centro, com o coro de muitas risadas ao fundo, conduz-me à reflexão que eu possa ter um pensamento de….. direita?! Ué, eu??  Bom, acho que preciso visitar um analista urgentemente…   Li na imprensa que os senhores Malan e Armínio Fraga, têm se assustado com certas declarações, certas posições deste candidato, por ele não as explicar corretamente e nem concluir seu pensamento, muitas das vezes, quando fala de temas importantes afetos à política econômica do país. Ora, se eles não alcançam onde o candidato quer chegar quando fala, imaginem o cidadão comum? Eleitor sofre!   Assusto-me eu quando ele diz: “Eu sei mandar”. A postura, o tom de voz, e até a natureza física do candidato, nos leva a lembrar dele… do outro… aquele que pensava que tinha todo o poder nas mãos e depois, aos berros, deu um murro na mesa, na Tv, e bradou: “Não me deixem só.” Quando Ciro também já declarou: “sei perdoar”, não o disse com aquela cara de pároco, de cura, que nos passa sinceridade. A expressão foi pouco diferente da que proferiu a afirmação acima, dele mesmo.   Parodiando o artigo de Arnaldo Bloch, em “O Globo”, de 24.08.2002, falando sobre o problema criado quando Ciro, irritado, teria chamado de burro um ouvinte da rádio que o entrevistava, e em verdade quem se enganara fora o candidato, pois a Suíça tem presidente, sim,  ainda não o ouvi dizer: “sei me desculpar”. Mas, ainda há tempo. Entrementes, sem ser mentira, pois todo mundo ouviu, quase este candidato colaborou para derrubar 70 anos de lutas e conquistas femininas quando falou:   “O papel fundamental de Patrícia Pillar, diria que o mais importante, é dormir comigo.” – Barbaridade, tchê, deve ter pensado o Brizola, que prato feito para o Serra, bá. – E depois o candidato quis corrigir, o incorrigível, dizendo que era uma… brincadeira! De público?! Perdeu duas chances de ouro de ficar calado.  E o TSE, hein? Quanta imparcialidade, não? Só o Ciro não acredita nisso. Por que será?!          Aí chego ao candidato Lula. Todo mundo viu a foto do aperto de mão e leu a “declaração de amor” de José Sarney a Lula. Apoio incondicional e efusivo. No vácuo deverão vir  votos de parte do PMDB. D. Roseana Sarney dissera anteriormente que deveria votar em Ciro, até por gratidão, pois ele fora levar-lhe seu apoio quando ela foi alvo daquelas sérias denúncias, das quais parece que agora, foi inocentada! Pois é!   Entretanto deve ter repensado aquela decisão. Dizem os fofoqueiros de plantão que seguirá os passos do pai: apoiará Lula. Será? Em circunstâncias como essa, antigamente, em seu programa humorístico, o Jô Soares, em um de seus personagens, costumava dizer: “Tira o tubo…!”   Sinto que minha pressão anda subindo, e não é para menos. Mas, decidi esforçar-me para entender tudo isso e não deixar que este cenário me leve à loucura. Um bom amigo da velha guarda costumava dizer: “Amigo, se o estupro é inevitável, relaxa e aproveita…” Pois é. E haja “estupro” nas minhas convicções. Acabo de ler em O GLOBO, de 25.08.2002, essas palavras, de nada mais nada menos que o Sr. Maluf:   “Lula merece uma chance. É um homem de bem, recuperado, que tem patriotismo e poderá fazer um bom governo.” Esperem um pouco, preciso respirar fundo….. Três vezes eleitor do Lula, já ando confundindo ficção com realidade. Encontro-me no limbo político de um ideário que não encontro mais. Quando abro os olhos pela manhã, já nem sei se acordo para a vida, ou para um pesadelo que, cada dia mais, mostra estarmos, em termos até universais, a viver  num autêntico purgatório ou no verdadeiro  e real inferno.   O, às vezes indeciso, Sr. Itamar Franco, se decidiu: “voto no Lula”. Mais votos do PMDB dissidente. Aí começam a pipocar notícias, na imprensa, de que FHC e parte do PSDB já pensam num “governo de consenso” com o PT. Calma gente, apoio do FHC, neste momento, é vantagem ou desvantagem? Ser apoiado por FHC, tendo este o seu candidato, não pode ser uma arapuca para, digamos, derrubar o Lula junto aos seus simpatizantes? Ah, essa política e suas armadilhas… Cabeça, Lula!!   Já os empresários da FIESP deram um prazo curto, 15 dias, que já deve estar acabando, para Serra “decolar”, do contrário, por uma e outra declaração dadas à imprensa escrita, pelo menos vários deles pretendem apoiar o, até aqui, “sapo barbudo”, conforme eles diziam. Me belisquem, por favor!   De repente e de surpresa, surge este depoimento do economista americano, Prêmio Nobel de Economia de 2001,  Sr. Joseph Stiglitz: “Acho que Bush é um perigo muito maior para a política econômica do mundo do que qualquer candidato no Brasil. Se eu tivesse que escolher entre Bush e Lula, escolheria Lula.” Bem, suas palavras estavam, no dia 25.08.2002, em todos os jornais do eixo Rio – S. Paulo. Cabo eleitoral importado e inesperado?! Quem diria!! Ainda bem que não foi o George Soros!!   E o cenário se completa com algumas urnas que estão aparecendo em Brasília, todas já devidamente programadas com votos para determinados candidatos. Que maravilha, é o “avanço” da informática que já, de forma sensitiva, antevê o desejo popular e o registra. Curiosamente ela só não captou os votos daqueles que não optam pelos candidatos do governo!!  Bom, nem tudo pode ser perfeito, não é?!   Brincadeiras à parte, a verdade é que, por mais critério que você use no julgamento para escolher o seu candidato e nele votar, tenha certeza de que nenhum deles, nenhum mesmo, vai fazer milagres. O recente acordo fechado com o FMI limitou em muito a maioria das promessas de todos os candidatos. Ademais, nenhum deles vai poder “sair da linha” desenhada nos comprometimentos já assumidos com o FMI. Quem disser o contrário não estará sendo sincero com você. Há gente prometendo o que não poderá cumprir.   O país está devidamente engessado, ou “empacotado”, em parâmetros muito rigorosos. A margem de manobra que o novo presidente terá para, com criatividade e competência, tentar mudar o quadro atual para melhor, segundo os entendidos, é muito, muito pequena. Até ao vencedor teremos que recomendar: “cabeça, irmão…”           

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