A dor experimentada por quem passa a frequentar uma academia de ginástica pelo primeiro mês. É essa sensação remetida pelo planejador financeiro Fabiano Calil ao primeiro contato de uma pessoa com suas próprias finanças. “A primeira foto não é legal”, afirma o especialista. Com um número crescente de ofertas de aplicativos para celulares e sites especializados na internet, porém, o brasileiro fica cada vez com menos desculpas para adiar o começo de uma organização de suas finanças pessoais. Mas até que ponto as ferramentas disponíveis se mostram eficientes e até quando dura o entusiasmo com os recursos digitais para gerenciar o próprio dinheiro dia após dia?
Especialistas indicam que é preciso saber exatamente o que se está buscando para que os aplicativos não sirvam apenas para ocupar memória de um aparelho ou computador. É preciso traçar objetivos, deixar de lado a preguiça para lançar os gastos e não omitir as receitas e ter em mente que lançar mão das ferramentas tecnológicas precisa ir além do modismo.
Atualmente, a lista de aplicativos financeiros mais baixados para celulares abrange recursos simples, como calculadoras, conversores de moedas, simuladores de financiamentos, organizadores de listas de compras e até mesmo divisores de contas em bares e restaurantes, mas também compreende um número cada vez maior de ferramentas com foco num planejamento financeiro de mais longo prazo.
Na loja virtual do Google no Brasil, os aplicativos mais populares incluem nomes como Gerenciador Financeiro, Finanças Pessoais, Minhas Contas, Minhas Economias, Contas a Pagar e Receber, Gestor de Despesas “HandWallet”, além dos já bastante conhecidos Toshl, Mint e MoneyWise.
A Apple não divulga um ranking de vendas, mas a seleção editada pela equipe editorial da iTunes, sua loja virtual, inclui aplicativos como Organizze, Minhas Economias, Dinheirama e Meu Dinheiro com Money.
“As pessoas estão tendo cada vez mais interesse por essas soluções e têm efetivamente uma visão mais clara de suas entradas e saídas e do nível de distribuição de gastos durante o mês”, diz o superintendente executivo de Canais Digitais do Bradesco, Jeferson Garcia Honorato. “Mas não basta ter conteúdo ou uma ferramenta interessante. Nosso grande desafio passa pela construção, em levar uma informação até o cliente e não deixar que o modelo seja reativo.”
A maior parte dos aplicativos mais populares têm como foco o controle financeiro, com mecanismos que ajudam na administração de um fluxo de caixa. Gráficos, tabelas, cores, relatórios e alertas de contas e de estouro de gastos dão apoio ao usuário para que ele possa ter maior domínio de sua própria vida financeira, mas os recursos não parecem dar conta de todas as demandas.
As críticas mais comuns entre usuários vão desde dificuldades para exportação dos dados para computadores e impossibilidade de lançamento de despesas de cartões de crédito ou de gastos fixos até a inclusão de mais de uma fonte de renda. Há ainda uma preocupação com a segurança dos aplicativos e há quem critique as exigências de um grande número de informações pessoais pelas empresas.
Syllas Ramos, diretor do Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF), chama atenção para a necessidade de ferramentas que tratem de finanças de uma família como um todo. “O planejamento financeiro é um processo necessário para atingir os objetivos de uma família”, afirma. “O usuário pode brincar hoje com as ferramentas disponíveis, mas não vai encontrar o real efeito que o planejamento pode gerar em sua vida”, critica.
O planejador financeiro Fabiano Calil chama atenção para a vida efêmera de muitos aplicativos. “Vi muitas boas ferramentas sendo lançadas, com usos específicos, mas poucas com vida muito longa”, diz Calil, que ressalta que a falta de pessoalidade dos aplicativos e a desconfiança dos usuários são empecilhos para as soluções “caseiras” de finanças pessoais.
Mas nem tudo é culpa das ferramentas, afirma o planejador, que diz acreditar na figura humana como a principal fonte de orientações. “As melhores ferramentas são as que têm algum tipo de introdução, alguma conversa, um chat eventualmente”, diz.
A educação financeira, porém, ainda engatinha no Brasil e as pessoas não a colocam como prioridade de gastos. Desta forma, os aplicativos, quase sempre com versões gratuitas, são uma fonte de informação com grande potencial para conquistar novos adeptos.
Dentre os sites sugeridos pelos planejadores financeiros, o próprio portal do governo federal (brasil.gov.br) conta com uma planilha para controle do orçamento familiar, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Os portais de educação financeira da Serasa Experian (serasaconsumidor.com.br) e da Anbima (comoinvestir.com.br) também dispõem de ferramentas de controles de gastos. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também mantém um portal (portaldoinvestidor.gov.br) com conteúdo educativo, porém as ferramentas disponíveis (como a de comparar fundos, por exemplo) são mais voltadas para a etapa seguinte ao controle de orçamento, que é a da aplicação dos recursos.
Calil destaca que é preciso definir o que se pretende alcançar com as ferramentas e não apenas lançar as despesas, como muitos usuários fazem. “Geralmente os softwares te dão a foto, mas não mostram o que fazer com ela. Falta uma interação”, afirma. “Tenho dúvidas se esse é um primeiro passo, porque, se eu não gostei da foto, não vou usar (o aplicativo) novamente.”
Lucila Zioni Gomes, que trabalha numa agência de atendimento digital, está na fase de testes. Ela, que tinha o costume de apenas registrar seus gastos em planilhas e cadernos para tentar controlá-los, passou a utilizar neste mês o aplicativo Toshl para ter uma postura mais efetiva no planejamento financeiro. Ainda com pouco tempo de uso, Lucila diz que um alerta para atualizar diariamente seus dados têm ajudado a transformar a tarefa em hábito.
“Sentia dificuldade em fazer uma análise, perceber o que fazer com aquelas anotações”, afirma. A ideia agora é enxergar onde está errando em suas finanças e buscar alternativas para economizar mais e lidar com os recursos disponíveis.
A julgar pela procura de matérias no portal de educação financeira do Bradesco, as preocupações com crédito e dívida figuram nas primeiras posições entre os usuários. Honorato aponta que pessoas de classes de menor poder aquisitivo têm começado a fazer mais uso dos recursos dessa área oferecidos pela instituição financeira.
Dentre os programas com interface com o banco, velhos conhecidos de usuários mais avançados de finanças pessoais, como o extinto Money (da Microsoft) e o Finance (Paiva Piovesan), ainda são os mais frequentes, ao lado da própria ferramenta de controle orçamentário do Bradesco, o Net Finanças Pessoais, que contava com 32 mil usuários em julho.
E para aqueles que ainda relutam em baixar aplicativos ou aderir a organizadores financeiros de sites por medo de exposição de dados, Honorato destaca recomendações básicas para cuidar da segurança das máquinas, como manutenção de senhas e antivírus atualizados. Não é preciso muito para começar a cuidar com mais empenho das próprias finanças.