Por José de Castro | De São Paulo
O Banco Central ainda não deve utilizar as reservas internacionais como instrumento para suavizar a tendência de alta do dólar, já que não se conhece o novo patamar de equilíbrio da taxa de câmbio. Essa taxa, provavelmente continuará alvo de dúvidas enquanto não houver mais clareza na esperada mudança na política monetária americana. Essa é a avaliação do ex-presidente do BC Carlos Langoni, para quem o BC agiu “bem” ao anunciar seu programa de leilões de câmbio, dando previsibilidade ao mercado.
Segundo Langoni, atual diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), é arriscado “queimar” reserva neste momento, uma vez que isso poderia aumentar a desconfiança do mercado. O ex-presidente do BC acredita que uma das armas mais eficazes para se reancorar as expectativas tanto para o câmbio quanto para a inflação seria a extensão do ciclo de aperto monetário. “Não descarto a chance de a Selic voltar a dois dígitos no início do ano que vem”, diz o ex-presidente do BC.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: O senhor acha que o BC já deveria ter usado as reservas internacionais para frear o dólar?
Carlos Langoni: Não. Não faz sentido gastar reservas para colocar o dólar num patamar de equilíbrio que ainda não sabemos qual é. As reservas não são sagradas, mas devem ser utilizadas com inteligência. Ainda não sabemos quais serão os próximos passos da política monetária americana: quando o Fed (Federal Reserve, BC americano) começará a reduzir as compras de ativos, quando terminará, quando elevará o juro… Até esse cenário ficar mais claro, melhor desenhado, a volatilidade no câmbio vai continuar. E “queimar” reserva num ambiente com tanta incerteza é um risco. Pode ser um remédio que em dose mais forte mata o paciente. Quando o mercado percebe que você perdeu em uma semana bilhões de dólares em reservas e o dólar se mexeu pouco, ele vai ver isso como um sinal de fragilidade. O mercado achar que vai ter que “queimar” mais. Vira uma bola de neve, uma situação que se retroalimenta. É isso que está acontecendo com a Indonésia. Usar reserva é uma medida muito delicada e que precisa ser bem pensada.
Valor: E em que situação o BC deveria utilizar as reservas?
Langoni: O uso principal das reservas não é para estabelecer patamares para a taxa de câmbio. As reservas são fundamentais para manter a liquidez, a fluidez do crédito, as linhas de financiamento a empresas e bancos. O próprio ajuste na liquidez já facilita a correção de eventuais desequilíbrios no câmbio. Isso foi testado e aprovado no último trimestre de 2008. Naquela época, houve um aperto generalizado do crédito, havia risco sistêmico, as exportadoras não tinham acesso a linhas de comércio exterior, os bancos não queriam emprestar ao sistema. Neste momento, de fato, era necessário vender dólar à vista, para garantir que o sistema não travasse. Agora, não vejo especulação com o real, não há fuga de capital, não há um aperto no crédito que justifique uma intervenção dessa natureza. Os indicadores não mostram uma urgência na venda de dólares à vista.
Valor: A estratégia adotada pelo BC, de realizar leilões programados de swap cambial e de linhas de dólares, é a mais acertada?
Langoni: O BC agiu bem. É uma estratégia inteligente, que cria previsibilidade. E o mercado gosta de previsibilidade. É importante o BC agir para amenizar a alta do dólar por causa da inflação, que em algum momento deve sentir os efeitos dessa puxada do dólar. Acho que o BC busca isso, amenizar o movimento do câmbio, e não revertê-lo. O BC deve agir assim até que as coisas se definam. Tanto a dinâmica interna quanto a externa são complexas. Está todo mundo querendo saber o que o Fed vai fazer. Enquanto isso não ficar claro, enquanto a China continuar preocupando, enquanto o Brasil não fizer as reformas que precisa fazer, a melhor estratégia é oferecer alguma previsibilidade.
Valor: O que poderia ser feito para melhorar as expectativas para a economia de modo geral?
Langoni: O BC teria que elevar os juros mais do que o planejado. Se os mercados continuarem nervosos, o BC vai ter que usar mais esse instrumento. É a arma mais eficaz. Só com uma alta maior do juro é que o BC conseguiria melhorar a expectativa para a inflação corrente e ampliar o diferencial de juros para tentar atrair mais dólares. Seria o primeiro passo para melhorar a consistência de toda a política macroeconômica. Junto a isso, não há como escapar de um ajuste fiscal. Há um consenso de que o governo, com a postura atual, criou uma limitação para gerar mais superávits. De qualquer forma, ainda que tudo isso seja feito, não se pode pensar que o dólar vai voltar para perto de R$ 2,00. Há um ajuste estrutural na taxa de câmbio, já que os tempos de liquidez farta e preços das commodities inflados pelo visto vão ficar no passado. A médio prazo, o governo precisa dar condições para o setor de petróleo poder ampliar os investimentos.
Valor: É possível o Brasil voltar a ter juros de dois dígitos?
Langoni: Não descarto a chance de a Selic voltar a dois dígitos no início do ano que vem. Mas não porque o BC intensificaria o ritmo do aperto monetário, mas sim a duração, com doses de alta de 0,50 ponto percentual. Haveria dois efeitos positivos nisso: um impacto direto na volatilidade do câmbio, com tempo para a balança comercial reagir à alta do dólar. Além disso, você ataca frontalmente a inflação. A inflação tem um componente de represamento que você só consegue atacar se melhorar a expectativa, e uma das formas é elevar mais o juro. É claro que a atividade poderia ser impactada negativamente pelo juro maior, mas talvez o benefício da melhora nas expectativas para a inflação e câmbio possa equilibrar o jogo.
Fonte: Valor Econômico