No sindicalismo, nada de novo

    Sérgio Amad Costa* – O Estado de S.Paulo

    O sindicalismo no Brasil não se renovou. Já era tempo de termos aqui um sindicalismo com autonomia, independente das amarras do Estado; pluralista, sem a obrigatoriedade da unicidade sindical; com o sustento financeiro pago pelos sócios das entidades, e não mediante tributos sindicais; com independência nos órgãos de representação profissional, em vez de sindicatos e centrais que atuam como correia de transmissão de partidos políticos; e com alta taxa de sindicalização. Mas o que se vê hoje, na verdade, é o recrudescimento das práticas de décadas passadas.

    Quanto ao sustento financeiro da estrutura de representação profissional, muito se fala sobre o “velho” imposto sindical, criado em 1940, que equivale a um dia de salário de todo empregado, descontado compulsoriamente em março. Mas, vale salientar, de 1988 para cá quadruplicou o autoritarismo no campo trabalhista. Isto é, foram instituídas outras contribuições para saciar o apetite de vários órgãos de representação profissional que garfam, com muita gula, parte dos salários dos trabalhadores, a título de contribuições para o sustento de suas entidades.

    A Contribuição Confederativa é uma delas. Surgiu no artigo 8.º da Constituição de 1988 e o montante a ser cobrado dos empregados é estipulado em assembleia do sindicato. Outra é a Contribuição Assistencial, que também apareceu nos fins dos anos 80, cobrada no mês em que se firma o acordo coletivo, e seu valor é também fixado em assembleia sindical, com fundamento no artigo 513 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). E, finalmente, a “contribuição” conhecida como negocial, cobrada por alguns sindicatos. Essa, sem amparo legal, é solicitada em decorrência de acordo no Programa de Participação nos Lucros ou nos Resultados (PLR).

    No que concerne aos sindicatos tutelados pelo Estado, sua origem, no Brasil, está no início do governo Vargas. Mas com a promulgação da Constituição de 1988 houve uma aparente redução do controle estatal nos sindicatos. Apenas aparente, pois na Lei Maior há um número muito grande de regras disciplinando as relações dos órgãos de representação profissional, que sustentam um sistema rígido de controle estatal, embora atenuado e disfarçado, restringindo a liberdade sindical.

    A partir do primeiro lustro da década de 2000, para reforçar a tutela do Estado sobre o sindicalismo brasileiro, verifica-se no País a cooptação pelo governo de vários dirigentes sindicais. Eleva-se a presença, cada vez maior, de militantes trabalhistas em aparelhos governamentais. O resultado disso tudo é que, como na era Vargas, muitos sindicatos estão mais a serviço do governo, e não de seus filiados. É a antítese da autonomia sindical.

    As centrais sindicais não fogem à regra desse sindicalismo dependente do Estado. A partir de 2008 elas também passaram a ser financiadas pelo “imposto” sindical e atuam de forma cupular como correia de transmissão de partidos políticos, ou como trampolim para carreiras políticas de seus dirigentes, distanciando-se das bases que dizem representar. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior das centrais, é braço do PT e, por consequência, está dependente do governo. A Força Sindical, a segunda maior central, ligada ao PDT, vem há anos controlando o Ministério do Trabalho.

    Aliás, a CUT, que nos anos 80 e 90 fazia críticas ferrenhas ao Estado brasileiro, passou a ser agora uma entidade muito adequada aos interesses do governo. Alguns estudos publicados recentemente procuram explicar essa mudança de postura da maior central sindical do País. Um deles é o livro Novo Sindicalismo no Brasil, de Teones França, publicado agora, em 2013, pela Editora Cortez.

    O fato é que tais centrais hoje, embora no discurso se apresentem como representativas, na prática estão muito distantes da realidade da maioria dos trabalhadores do País. A grande massa de trabalhadores está por fora do que acontece em termos de representação profissional. Além do mais, o número de sindicalizados no Brasil é pequeno. Aliás, sempre foi pequeno.

    No início da década de 1980 o número de sócios em sindicatos era de apenas 29% da população economicamente ativa e agora, em 2013, não chega a 18%. Além disso, muitos trabalhadores são sócios de sindicatos independentes, que não estão filiados a nenhuma central. Dentro do universo de sindicatos, filiados a alguma central, há também aqueles que recorrem às entidades por motivos apenas assistencialistas. Estima-se que representam pelo menos 50% desses associados. Assim, como se vê, resta apenas um número pequeno de militantes sindicais.

    Portanto, há assalariados que nem sabem direito se a sua entidade de representação profissional é filiada a alguma central sindical ou qual é o órgão que o sindicato escolheu para se filiar. Mas elas se consideram legítimas representantes, na medida em que os sindicatos em que esses profissionais, por força da lei, estão enquadrados a elas se filiaram. Talvez por essa razão as centrais estejam acomodadas com a atual estrutura sindical. Podem dizer interesseiramente que representam um número muito grande de trabalhadores. Dentro do nosso modelo de representação profissional, elas estão falando a pura verdade.

    O fato é que, quanto mais burocratizada e controlada é a estrutura de representação profissional, mais cupular se torna a organização dos trabalhadores, distanciando a massa de assalariados do mundo sindical. Salvo raras exceções, nada de novo tem surgido em nosso sindicalismo. Ao contrário, o que estamos assistindo é ao seu envelhecimento, repetindo as mesmas práticas de décadas passadas. Um sindicalismo parco de representatividade e fortemente dependente do Estado. As ruas, no fraco movimento de 11 de julho liderado pelas centrais, evidenciaram isso.

    *Sérgio Amad Costa é professor de Recursos Humanos e Relações Trabalhistas da FGV-SP.

     

    Fonte: O Estado de S.Paulo

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