Falta eficácia à fiscalização do Estado

    “Não existe crime organizado. Existe polícia desorganizada.” A afirmação, aparentemente jocosa, sintetiza a realidade que muitos teimam em ignorar. Com mudanças aqui e ali, o enunciado se adapta à administração pública. A máquina estatal não é corrupta. É, isto sim, carente de mecanismos de fiscalização eficazes, aptos a impedir que vocacionados para embolsar o dinheiro do contribuinte concretizem o objetivo.

    As sucessivas operações da Polícia Federal (PF) comprovam a fragilidade do sistema e, graças a ele, a desenvoltura com que se formam quadrilhas para assaltar o erário. É o caso da Operação Miquéias. Trata-se de megalavanderia espalhada em 10 unidades da Federação. A organização criminosa se especializou no desvio de recursos de prefeituras e fundos de pensão.

    Em 18 meses, o bando movimentou o montante de R$ 300 milhões. Além de pessoas físicas, as investigações da PF e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) descobriram 30 empresas de fachada e 35 laranjas cuja função se restringia a dificultar o rastreamento do dinheiro movimentado por corrupção, peculato e tráfico.

    Surpreende, de um lado, a ramificação do esquema, que se espalha pelo território nacional. As regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste têm representação da quadrilha. Na quinta-feira, dia da deflagração do esquema, 17 pessoas pararam na prisão. Não só. Foram expedidos nada menos de 102 mandados de busca e apreensão.

    De outro lado, espanta o alcance dos tentáculos do crime, que chegaram ao Palácio do Planalto. Assessor de Ideli Salvatti, ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, fazia parte do governo até ser descoberto em decorrência das denúncias. Considerando o cargo que ocupava, é possível avaliar as facilidades obtidas para aplainar o caminho dos ladrões que enriquecem com os recursos roubados da educação, da saúde e da segurança.

    A infiltração bandida não se restringe a este ou àquele órgão ou setor. Permeia os poderes nas três esferas governamentais — da polícia à Fazenda Nacional. Graças a ela, multiplicam-se os profissionais especializados na sangria dos cofres públicos. Impõe-se frear-lhes a corrida. Quem deveria fiscalizar, obrigação do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU), muitas vezes encontra barreiras judiciais que o impedem de cumprir as tarefas.

    Não raro os processos tramitam com extrema dificuldade (muitos prescrevem sem conclusão). Mais: as falhas na investigação social levam para dentro da administração servidores que se prestam a práticas ilícitas, boa parte em cargos de confiança. No ano passado, das 1,6 mil pessoas presas pela PF, 102 eram funcionários públicos. Este ano, o número de detenção de empregados do Estado chega a 47 em 160 ações policiais. O recado é claro demais para deixar as coisas como estão para ver como é que ficam.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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