Dilma colhe mudança de estratégia iniciada a partir dos protestos de junho

    Por Andrea Jubé | De Brasília

    As manifestações de junho, que concentraram mais de um milhão de brasileiros nas ruas, levaram a presidente Dilma Rousseff a buscar um perfil mais político, mais popular e menos técnico, em busca da recuperação de uma popularidade que bateu recordes no passado. Tendo como meta maior a reeleição em 2014, a “nova Dilma” já acumula vitórias importantes no Congresso, aprimora o diálogo político, disputa aliados e mergulha nas redes sociais, com a reabilitação do perfil no Twitter e estreia no Facebook.

    “Ela está Dilminha paz e amor total”, definiu a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti. O modelo “paz e amor”, conjugado à “carta aos brasileiros”, foi uma das jogadas de marketing político que embalou a vitória de seu antecessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nas eleições de 2002.

    Reconhecida pelo perfil de gestora, e avessa à política – apesar da militância no combate à ditadura – Dilma teve que rever essa postura depois que sua popularidade despencou 27 pontos, e a base de sustentação no Congresso se dissolveu, na esteira dos protestos. A relação com os parlamentares agravou-se após a avaliação de que Dilma jogou a crise no colo do Congresso, ao sugerir, em uma iniciativa isolada, um plebiscito sobre reforma política.

    “As manifestações foram o grande divisor de águas”, traduz uma fonte palaciana, sobre a nova postura da presidente. Uma das primeiras avaliações do Palácio do Planalto é de que havia uma lacuna a ser preenchida na internet, de onde partiram as mobilizações para os protestos. A partir daí, assessores da presidente buscaram fórmulas para aproximar Dilma e o governo das redes sociais.

    Uma jogada de marketing foi levar o personagem fake da presidente, a “Dilma Bolada” – criado pelo publicitário Jeferson Monteiro -, um fenômeno no Twitter, para a solenidade de lançamento do novo Portal Brasil e do resgate do microblog oficial da presidente, que estava desativado desde 2010. Monteiro brincou que ajudaria a presidente a “lembrar” a senha do Twitter, que mesmo congelado, reúne 1,9 milhão de seguidores. Os próximos desdobramentos dessa estratégia são o lançamento de páginas oficiais no Facebook e no Instagram.

    Nas reuniões com os líderes, Dilma também tem recorrido ao bom humor, na tentativa de neutralizar o mal-estar do passado. Num dos primeiros encontros, a cirurgia plástica do senador Benedito de Lira (PP-AL) foi abordada, num momento de descontração. Dilma pegou a deixa: “Você ficou com cútis de bebê”, disse ao senador septuagenário.

    Aparentemente, no entanto, Dilma ainda é refratária ao figurino light. Logo após as primeiras reuniões com líderes, quando um interlocutor elogiou a iniciativa, avaliando como produtivas as conversas, Dilma rebateu. “Mas isso toma muito tempo, quem vai cuidar do lojinha?”, retrucou, citando a conhecida piada, em que um velho judeu, no leito de morte, cobra qual dos filhos ficou cuidando do negócio.

    Confortável ou não, Dilma vai manter o esforço de interlocução em nome da governabilidade e da reeleição. Na seara política, ela deverá repetir, de 15 em 15 dias, os encontros com líderes na Câmara e no Senado, como parte do roteiro para recuperar a popularidade e o apoio político. A estratégia é complementada pelo aumento da interlocução de parlamentares com ministros e secretários, para discutir projetos e afinar textos de interesse do governo no Congresso. Antes, essas discussões eram conduzidas por técnicos, o que incomodava os congressistas, que se sentiam desprestigiados.

    “Essa é a melhor estratégia, estamos obtendo vitórias importantíssimas”, comemora o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM). O exemplo mais notório é a manutenção de todos os vetos presidenciais, nas duas rodadas de votações já realizadas sob o novo rito definido pelo Congresso. A vitória mais emblemática foi a confirmação do veto ao fim da multa de 10% sobre o saldo do FGTS, reivindicada pelo empresariado.

    Num esforço de articulação conjugado, o governo liberou emendas parlamentares, no valor de R$ 6 bilhões, a serem pagos até o fim do ano, para acalmar os congressistas. De igual forma, atendeu pedidos de nomeação para cargos. O mais expressivo foi a mudança do titular da Secretaria de Agronegócios do Ministério da Agricultura, que atendeu pleito da bancada do PMDB na Câmara.

    O governo tem, agora, dois alvos imediatos no Congresso. O primeiro é aprovar a destinação de 15% da receita líquida da União para o financiamento da saúde. O temor do governo é a eventual aprovação do projeto de iniciativa popular, que vincula 10% da receita bruta do orçamento federal ao setor, que é considerado “inexequível”. A segunda meta é aprovar o novo código de mineração, nos moldes do projeto do Executivo, em outubro.

    De igual forma, o governo vai manter o esforço de articulação para evitar a derrubada de vetos. Nos bastidores, o maior receio é passar, novamente, pelo constrangimento da quase derrota no veto do FGTS. Assim, relatores negociam, diretamente, com ministros e secretários a fim de afinar o texto a ser votado, a fim de evitar arestas no mérito. Vetos, se necessários, terão caráter estritamente técnico.

    Na prática, após o “susto das ruas”, Dilma passou a ouvir com mais atenção os conselhos do chamado “núcleo da reeleição”, encabeçado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e formado pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, pelo presidente do PT, Rui Falcão, pelo vice-presidente Michel Temer, e pelo ex-secretário de Comunicação Franklin Martins.

    Para um líder da base aliada, com trânsito no Planalto, Dilma precisa recuperar, primeiro, o respaldo político, e a partir daí, mirar o popular. “Dilma viu que estava sem apoio político e popular. Ela se empenha em resgatar o político, que vem mais rápido”, analisa. Mas ele questiona o novo perfil. “Ela está fingindo bem”, alfineta.

     

    Fonte: Valor Econômico

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