Pedro Delarue
Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional)
Ventos fortes açoitaram as vidraças dos gabinetes da equipe econômica semanas atrás, mas nada tiveram a ver com o começo da temporada de chuvas no Planalto Central. O susto deveu-se à notícia sobre a saída do auditor fiscal Caio Cândido do cargo de subsecretário de Fiscalização da Receita Federal. Numa comunicação restrita, a que os repórteres tiveram acesso, ele escancarou o motivo: a constante interferência externa em decisões técnicas, cujo auge se converteu no Refis da Crise, elemento facilitador do pagamento dos débitos bilionários de vários grandes devedores do Estado brasileiro.
O Palácio do Planalto não demorou a agir, sobretudo porque integrantes da cúpula da Receita, instados pela imprensa a se manifestar, endossaram o gesto do ex-subsecretário. Só que esses mesmos que vieram a público dizer que concordavam com o protesto de Caio Cândido apareceram nos jornais do dia seguinte afirmando que foram mal interpretados, em claro sinal de “enquadramento”.
O ex-subsecretário somente externou a insatisfação que grassa pelos corredores do Fisco, com as muitas intervenções sobrepostas às melhores decisões técnicas, que visam proteger o Estado (e, por consequência, o contribuinte). Não é de agora que tal interferência se instalou na Receita Federal, e o Sindifisco Nacional tem denunciado a reação contrária dos auditores aos corpos estranhos.
A Receita, deixemos claro, não é um organismo de governo. É de Estado. Quer dizer o seguinte: seu quadro funcional tem que ficar a salvo de ingerências políticas, e alheio a lobbies. Além disso, do Fisco devem emanar as diretrizes da política tributária, que, a contragosto e sem a aquiescência dos auditores, é elaborada atualmente pela Fazenda e até mesmo pelo Palácio, sem estofo técnico para tal.
Se há alguma dúvida sobre a pouca capacidade desses organismos na seara fiscal, vamos às provas de que erraram ao implantarem medidas que, por voluntarismo (classifiquemos assim para amenizar as coisas), não renderam os benefícios alegados.
Veja-se o Refis: já em 2011, nota técnica da Receita salientava que quem a ele adere não o completa e recomenda que não seja mais adotado esse tipo de parcelamento com regalias especiais, até mesmo em respeito aos bons contribuintes. Além disso, o percentual de inadimplência do programa é alto: aproximadamente 80% dos contribuintes. Por que, então, reincidir no erro? E o que dizer àquele que honra seus débitos? Que é um tolo?
Outra decisão da qual o Fisco foi alijado e suas opiniões ignoradas: as desonerações. Desde sempre os auditores são contra, pois entendem que, da maneira como foram estruturadas, o efeito colateral mais visível é apenas o aumento dos lucros dos empresários, pois nenhum benefício foi sentido nas prateleiras dos supermercados. É preciso elaborar melhor, exigindo contrapartidas dos fabricantes, seja na redução de preço, seja na oferta de empregos.
Uma terceira? Vamos lá. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) baixou determinação para que os auditores sejam revistados nos recintos alfandegados de portos e aeroportos por funcionários terceirizados. Além de inconstitucional, a medida é contraproducente. Ora, se cabe à autoridade aduaneira exercer a fiscalização, estabelecendo aquilo que entra e que sai, como exercer essa tarefa sendo vistoriado várias vezes ao dia? Os contrabandistas agradecem. O Sindifisco foi à Justiça e conseguiu suspender a medida.
Aliás, sem tanto estardalhaço como no caso da exoneração de Caio Cândido, essa foi uma das causas do pedido de exoneração do coordenador geral de Administração Aduaneira, Dario Brayner.
O governo tenta fazer a orquestra seguir o baile, mas não dá; o cheiro ruim empesteia o ambiente. E tem tudo para ficar insuportável logo. Eu, o ex-subsecretário e o secretário da Receita, Carlos Alberto Barreto, fomos convidados a explicar na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado o que acontece nos bastidores do Fisco. Será um debate interessante e proveitoso, cujo resultado tem tudo para ser favorável ao contribuinte que honra suas obrigações tributárias.
Fonte: Correio Braziliense