Por Felipe Marques e Carolina Mandl | De São Paulo
Meses atrás, no Tocantins, os bancos que fazem empréstimos consignados aos servidores do Estado tiveram uma surpresa. Só poderia emprestar para os funcionários públicos quem pagasse uma “taxa social”, equivalente a até 2% do valor do financiamento. O dinheiro serviria para que o funcionário público, além do crédito, recebesse benefícios como auxílio funeral, seguro de vida e descontos em remédios. O pacote incluiria até um curso de educação financeira aos interessados.
O caso do Tocantins não é o único. Diversos Estados e municípios têm mudado a forma de cobrança pelo processamento das parcelas dos empréstimos com desconto direto na folha de pagamento. O Estado de Alagoas e cidades como Ubatuba (SP) e Cotia (SP) passaram por mudanças recentes. Em Cuiabá, a migração de sistema está em pauta.
Em geral, modelos que não exigiam remuneração ou que cobravam preços fixos por processamento do débito das parcelas na folha estão dando lugar à cobrança de taxas que variam conforme o valor do crédito. A alteração – como era de se esperar – tem incomodado os bancos, que se preparam para repassar o custo adicional para o preço do crédito. Em muitos casos, o processamento das operações tem passado do setor público para o privado, caso do Tocantins, que transferiu o serviço para um instituto privado, o BrasilCidade.
É para evitar surpresas como a “tarifa social” do Tocantins, e conter o avanço de práticas similares em outros lugares, que os bancos resolveram desenhar uma solução conjunta para o problema. Está em desenvolvimento na Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) – que pertence aos bancos – um sistema que fará a interface entre as instituições financeiras e os convênios.
O sistema da CIP cobraria um valor fixo por lançamento na folha – cerca de R$ 0,70, cifra parecida com a que o Dataprev cobra em créditos consignados para aposentados e pensionistas do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). É o valor mais baixo pago pelos bancos entre as diversas empresas prestadoras de serviço.
O plano é começar por um dos maiores convênios do país, o do Estado de São Paulo, que soma algo superior a R$ 10 bilhões em empréstimos. A solução, que deve ser lançada ainda na primeira metade de 2014, também vai permitir que os servidores do Estado tomem empréstimos com qualquer banco. Hoje, apenas o Banco do Brasil fornece crédito consignado aos servidores. Falta, porém, a assinatura de um contrato com a Secretária da Fazenda do Estado. Procurada, a CIP não comentou o assunto.
A ideia é não parar por São Paulo. Segundo o Valor apurou, os grandes bancos acreditam que, via licitações, conseguiriam levar o sistema da CIP para outros contratos, já que teriam um preço competitivo. Em tese, isso serviria para “disciplinar” as demais empresas que atuam nesse segmento e criar uma referência de preço mais transparente para o serviço.
A movimentação dos bancos não se dá apenas por questões econômicas, segundo as instituições financeiras. “Muitas vezes percebemos que as empresas não têm conhecimento técnico suficiente para fazer a gestão das folhas”, diz o diretor de um banco médio que opera com consignado. “O problema é como esses modelos de pagamento mudam da noite para o dia.”
Não deixa de ser também uma tentativa dos bancos de eliminar – ou limitar a ação – de intermediários no processo de oferta de crédito consignado. É algo que as instituições financeiras já têm feito no crédito consignado com os correspondentes bancários, conhecidos como “pastinhas”.
O burburinho causado pela solução dos bancos já traz movimentações entre as empresas que hoje prestam esse serviço, além do instituto Brasilcidade. Os principais nomes desse mercado são a Zetrasoft e a Consignum, além de outras como a paranaense ExpressoCard. Além do consignado, muitas oferecem outros serviços aos convênios, que incluem o lançamento de débitos em folha de contribuições de classe, por exemplo, ou viabilizar o cartão de crédito consignado.
“A entrada de uma empresa de porte como a CIP eleva o nível de exigência no segmento”, afirma Renato Cesar Vieira Araújo, presidente da Zetrasoft, uma das maiores empresas prestadoras desse tipo de serviço. A companhia atua no consignado desde 2003 e processa o equivalente a um estoque de R$ 45 bilhões dessa modalidade de crédito.
A empresa também aposta na diversificação de receitas para sobreviver às transformações do mercado brasileiro de consignado. “Há uma oportunidade para expansão para outros países da América Latina”, diz Araújo. Fora do Brasil, o consignado ainda é um segmento incipiente.
Apesar dos problemas operacionais, não é sem motivo que os bancos apostam no consignado. A linha foi uma das que mais cresceram em 2013 no crédito à pessoa física, mesmo já sendo uma das maiores carteiras. O saldo das operações em novembro, último dado do Banco Central (BC), era de R$ 220,8 bilhões. Houve uma expansão, em 12 meses, de 17,6%.
Fonte: Folha de S.Paulo