Por Flavia Lima | De São Paulo
Se quiser elevar a meta fiscal para este ano, o governo terá de fazer cortes relevantes no Orçamento. Para contribuir com algo próximo a 1,5% do PIB de modo a alcançar um superávit primário do setor público consolidado de cerca de 2% do PIB, o governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) teria de fazer uma economia equivalente a R$ 80 bilhões para pagar juros da dívida pública, o que corresponde a um corte nos gastos orçamentários de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões.
Economistas ouvidos pelo Valor sugerem, no entanto, que a tarefa do governo não será fácil, especialmente porque boa parte das despesas está concentrada em componentes nos quais simplesmente não há possibilidades de cortes no curto prazo. Simulações sugerem que, sem mexer nos gastos com pessoal, nas despesas na área social e também na rubrica de investimentos, entre R$ 10 bilhões e R$ 25 bilhões poderiam ser cortados neste ano, o que, na melhor das hipóteses, significaria apenas metade do exigido para que a meta de superávit de 1,5% do PIB do governo central seja atingida.
Especialista em finanças públicas, o economista Mansueto Almeida afirma que nos dois anos em que o governo aumentou a meta de superávit primário – em 1999, quando ela foi estabelecida, e em 2003 – isso foi feito às custas de aumento de carga tributária e redução de investimento público. Em 1999, lembra o economista, o aumento de carga tributária foi de um ponto do PIB e o corte de investimento público federal chegou a 40% como proporção do PIB.
“Os dois foram anos de início de mandato, o que não acontece com 2014. Vai ser difícil de fazer ajuste fiscal, ainda mais sem cortar investimento”, diz Almeida. “Posso contratar o melhor gestor do Brasil e trazer para dentro do governo que ele não vai fazer absolutamente nada. O que hoje está impactando fortemente o crescimento do gasto público são regras”.
No ano passado, as despesas não financeiras do governo central – divididas em gastos com pessoal, custeio (social e administrativo) e investimento – alcançaram R$ 926,465 bilhões. Desse total, gastos de custeios sociais representaram 61,4%, seguidos de gastos com pessoal, com 23,8%, ou o equivalente a 85% das despesas. Supondo ainda que os gastos com investimentos estivessem blindados, sobram 7% do Orçamento referentes ao custeio administrativo de todos os ministérios com algum espaço para manobra.
Mas mesmo nos gastos de custeios administrativos – item no qual as despesas somaram R$ 71,7 bilhões em 2013 -, há alguns componentes que o governo tem mais dificuldade de manejar. Almeida ressalta que as contas referentes a sentenças judiciais, indenizações e compensação ao INSS, todas incluídas em custeio administrativo, são difíceis de cortar. Os três itens somam R$ 22,9 bilhões, o que reduziria o espaço para corte em custeio administrativo para R$ 48,9 bilhões, ou 1% do PIB.
Supondo que o governo tivesse como cortar metade disso, conseguiria perto de R$ 25 bilhões. Levando-se em conta que um corte deste tamanho provavelmente afetaria o funcionamento de vários ministérios, o mais sensato seria contar com um corte menor. “Seria mais crível fazer uma simulação com corte próximo de 20% dessa conta de um ano para o outro, o que equivaleria a apenas 0,2 ponto do PIB”, diz Almeida. “Seria economia de apenas R$ 9,7 bilhões, o equivalente ao gasto extra que o governo criou no ano passado com as desoneração da folha de salário”. A pedido do Valor, o economista fez todas as simulações.
No limite, um exercício levando em conta um corte de metade dos investimentos (R$ 32,5 bilhões) e metade do custeio administrativo (R$ 24,5 bilhões), somaria R$ 57 bilhões, perto do que o governo precisaria para alcançar o superávit de 1,5%. O esforço, no entanto, paralisaria a máquina e não resolveria, pois os gastos sociais continuariam a puxar o crescimento nos anos seguintes. “Sem cortar investimento e sem parar alguns ministérios não há como ter ganho fiscal no curto prazo”, diz Almeida.
Gustavo Fernandes, professor de finanças públicas da Escola de Administração da FGV, avalia que, no fim das contas, o governo deve conseguir algum resultado em pontos bem específicos. “A receita de bolo é a seguinte: tudo que o eleitor não consegue identificar rapidamente quem é o responsável, deve receber cortes.” Como exemplo, cita que investimentos em programas de melhoria da educação, no médio e longo prazos, que o governo pode oferecer aos municípios devem ter retração. Já obras de infraestrutura e outros investimentos mais visíveis devem ser mantidos.
Em um prazo mais longo, diz Felipe Salto, da consultoria Tendências, uma opção seria controlar o crescimento da despesa corrente ou do gasto com pessoal atrelando-os à alta prevista para o PIB. “O gasto com pessoal da União ficaria limitado a 50% dessa taxa, o que garantiria que, em percentual do PIB, o gasto cairia”. Nas contas de Salto, a regra abriria espaço para dobrar o atual nível de investimento público federal em dez anos, de 1% para 2% do PIB. “Parece pouca coisa, mas não é. Com isso e uma meta para o resultado nominal fixada em lei se conseguiria um efeito secundário importante que é reduzir a despesa com juros.”
Também olhando para os gastos com pessoal no longo prazo, Fernandes, da FVG, avalia que uma alternativa importante seria elevar a produtividade média do funcionalismo público. “No médio e longo prazo, seria preciso adotar uma orientação por resultado no funcionamento do Estado”.
Almeida diz que é necessário rediscutir, no longo prazo, os gastos sociais. “Se pegar o setor público como um todo [governo, Estados e municípios], gastamos com política social 23% do PIB. O gasto público total da China é 25% do PIB”
Para o economista, a única forma de o gasto social continuar crescendo vigorosamente no Brasil é ser acompanhado pelo crescimento do PIB. Do contrário, diz, o país deve enfrentar mais aumentos na carga tributária. “Ajuste fiscal no Brasil é algo que um governo deve colocar na mesa e tentar negociar regras com a sociedade e com o Congresso. No curto prazo não há muito o que fazer.”
Fonte: Valor Econômico