Daniel Rittner e Leandra Peres
No meio de um dilema estressante para resolver as contas do setor elétrico em 2014, por causa do acionamento recorde das usinas térmicas e da insolvência financeira das distribuidoras, o governo encontrou um dinheiro “inesperado” para suavizar o impacto de um socorro do Tesouro às empresas. As autoridades estudam usar cerca de R$ 4 bilhões em recursos acumulados na Conta de Energia de Reserva, um fundo setorial que deve manter saldo positivo neste ano, devido aos altos preços da eletricidade no mercado de curto prazo.
Com o esvaziamento dos reservatórios, calcula-se que seja preciso um aporte entre R$ 18 bilhões e R$ 20 bilhões do Tesouro para evitar uma explosão das tarifas, mas o uso do fundo pode aliviar surpreendentemente esse montante. A proposta faz parte do pacote de soluções para a crise do setor que já foi levado à presidente Dilma Rousseff e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já abriu um processo de audiências públicas para mudar a forma de repasse desse fundo às distribuidoras. O governo promete dar uma resposta definitiva sobre como vai enfrentar o custo das termelétricas até 9 de abril.
Desde 2008, como forma de reforçar a segurança no abastecimento do país, o governo promoveu cinco leilões de energia de reserva. Esses certames contratam usinas eólicas e de biomassa que funcionam como uma espécie de “backup” do setor. Ao todo, 1.184 megawatts médios já foram contratados. Só se usa essa reserva em casos excepcionais, como agora, e os geradores recebem o preço com que se comprometeram no leilão – em torno de R$ 100 por megawatt-hora. Os pagamentos são feitos mensalmente por distribuidoras e consumidores livres no mercado de curto prazo.
Em circunstâncias normais, não há grande diferença entre esses preços. Por isso, a ideia da Conta de Energia de Reserva é que não haja grandes saldos, nem déficits. Em 2013, por exemplo, ela tinha R$ 302,8 milhões acumulados em caixa. As distribuidoras detêm 78,8% dos recursos – o restante cabe a consumidores livres e autoprodutores.
Neste ano, porém, houve um grande descasamento de preços: a estiagem forte e a queda do volume estocado nos reservatórios fez disparar o valor da energia no mercado de curto prazo. Em documentos, a Aneel fez uma projeção de valores altos durante todo o ano, até atingir o piso de R$ 288 em dezembro – o mais baixo de 2014. Na prática, isso engordará o saldo da conta, porque os donos das usinas continuam recebendo um valor fixo por seus megawatts.
Fazendo um exercício para todo o ano, a agência percebeu que esse descasamento continuará deixando o fundo mais gordo: a previsão é de que ele junte R$ 4,6 bilhões até dezembro. De tudo isso, o dinheiro das distribuidoras corresponde a R$ 3,8 bilhões – além do que já existe no caixa.
O que a Aneel propõe é que, em vez de acumular saldos cada vez maiores, o excedente do fundo seja restituído mensalmente às empresas. De acordo com a proposta, as distribuidoras deixariam de desembolsar esse valor no acerto mensal de contas que precisam fazer na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), onde pagam pelo uso das térmicas e pela exposição ao mercado de curto prazo.
Pelas regras atuais, o saldo acumulado na conta poderia ser consumido em que o preço no mercado “spot” estiver mais baixo do que o custo de geral das usinas. Como isso não deve ocorrer em nenhum momento, em 2014, a recomendação da área técnica é usar o saldo para remediar as despesas com o acionamento das térmicas. Já se fala em um gasto de R$ 18 bilhões a R$ 20 bilhões, que pode ser assumido pelo Tesouro Nacional, total ou parcialmente.
Em janeiro, o governo resolveu cobrir R$ 1,2 bilhão do R$ 1,8 bilhão do rombo total das distribuidoras. Ao anunciar esse socorro, o governo afirmou que terá uma solução definitiva até o dia 9 de abril, quando se liquidam as despesas referentes ao mês de fevereiro. Por isso, a perspectiva de um saldo perto de R$ 4 bilhões no fundo setorial agradou à equipe econômica, que vê a necessidade de aporte do Tesouro se reduzir substancialmente. O setor elétrico é hoje um dos principais motivos de incerteza para o cumprimento da meta fiscal de 2014.
Fonte: Valor Econômico