Dilma nomeia seis ministros e acelera liberação de emendas parlamentares para estancar as seguidas derrotas sofridas no Congresso. Planalto também ensaia aproximação com o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha
PAULO DE TARSO LYRA
GRASIELLE CASTRO
NAIRA TRINDADE
O governo abriu o cofre das emendas parlamentares – foram mais de R$ 4 milhões pagos entre 8 e 11 de março – e agilizou a caneta nas nomeações de cargos, indicando seis ministros de uma só vez para a Esplanada. O pacote completo é uma tentativa de desarticular o blocão de 250 deputados e reverter a surra política que levou nos últimos dias no parlamento, com a convocação de ministros para depor no Congresso e a criação de uma comissão externa para investigar suspeitas de propinas pagas pela Petobras.
Para completar, o Planalto alterou a estratégia em relação ao líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ): em vez do enfrentamento direto, como defendido pela própria presidente no início da semana, ensaia-se, a longo prazo, uma reaproximação, para não perder o apoio da segunda maior bancada da Casa. “Não dá para tentar simplesmente isolar o Cunha. Dilma percebeu que ele tem poder de incendiar a Câmara”, reconheceu um líder alinhado à presidente.
No fim da tarde de ontem, a Secretaria de Comunicação divulgou uma nota com os nomes dos seguintes novos ministros: Neri Geller (Agricultura); Vinicus Lages (Turismo); Gilberto Occhi (Cidades); Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário); Clélio Campolina Diniz (Ciência e Tecnologia); e Eduardo Lopes (Pesca). No Diário Oficial de hoje, também aparecerá a nomeação de Beto Vasconcelos como chefe de gabinete da presidente. Giles Azevedo deixa o cargo para dedicar-se à campanha de reeleição de Dilma. A solenidade de posse será na próxima segunda-feira, às 10h.
Geller foi indicado, apesar da imensa irritação sentida por Dilma ao saber que o futuro ministro, antes mesmo de ser confirmado no cargo, foi à Câmara “beijar a mão de Eduardo Cunha”, nas palavras de um interlocutor palaciano, para, logo depois, dar uma entrevista em pleno salão verde. “Dilma também ficou possessa com Antonio Andrade (ministro que deixa o cargo) por ter levado o sucessor por esse périplo”, confirmou um peemedebista histórico.
Demandas
As indicações pacificam diversos setores da base, em uma tentativa da presidente de amainar a crise política que sofre com os aliados. Na terça-feira, durante reunião com o PP, o chefe da Casa Civil, ministro Aloizio Mercadante, acertou a indicação de Gilberto Occhi para o Ministério das Cidades. Técnico, como o perfil exigido pela presidente, ele pacifica o partido, cindido inicialmente entre o desejo do ministro que saía, Aguinaldo Ribeiro, e a vontade da bancada de que o novo ministro fosse o presidente da legenda, senador Ciro Nogueira (PI). “Todas as demandas do PP foram atendidas, o governo não nos deve mais nada”, disse Ciro, em conversa com senadores da base.
Mesmo não confirmado ontem, Francisco Teixeira permanecerá à frente do Ministério da Integração Nacional, o que atende os interesses do Pros e dos irmãos Cid e Ciro Gomes, do Ceará. O gesto fez com que mais um partido abrisse mão de participar do blocão parlamentar, diminuindo a pressão sobre a cabeça do governo. Para atender os interesses do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Dilma nomeou o assessor internacional do Sebrae, Vinícius Nobre Lages, para o Ministério do Turismo.
Nem o antecessor no cargo, Gastão Vieira, conhecia Vinicius, que foi reitor da Universidade Federal de Alagoas. Ao longo dos últimos dois dias, um dos cotados para o cargo era o presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Angelo Oswaldo. Ligado ao ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Fernando Pimentel, ele atenderia os interesses do petista de compor com o PMDB mineiro e afastar o partido da órbita de Aécio Neves (PSDB-MG). Mas Pimentel conseguiu emplacar o ex-reitor da Universidade Federal de Minas Gerais como ministro da Ciência e Tecnologia.
O movimento orçamentário também foi intenso. De acordo com levantamento feito pela liderança do DEM no Senado, foram liberados R$ 4,44 milhões em emendas entre 8 e 11 de março. Desse total, R$ 3,45 milhões acabaram destinados ao PTB – que abriu mão do Ministério do Turismo. “Mas apoiaremos a presidente Dilma Rousseff, com ou sem cargos no governo”, disse o presidente nacional da legenda, Benito Gama.
Parlamentares experientes acreditam que, se superar esse momento difícil – na próxima terça-feira o governo terá mais um teste de fogo, a votação do Marco Civil da Internet -, o Planalto precisará buscar uma reaproximação com Eduardo Cunha. “A presidente Dilma errou ao comprar briga com um deputado. Ela tem a caneta e o poder, não pode bater boca com um parlamentar”, disse um aliado governista. O pior é que o erro de cálculo custou caro ao governo. “Mais cedo ou mais tarde, ele será chamado para um a conversa. O PMDB é a segunda maior bancada na Casa e Cunha mostrou que tem total ascendência sobre os correligionários”, disse um parlamentar que acompanha a crise.
As mudanças
Na corrida da reforma ministerial, a presidente Dilma Rousseff anunciou ontem a troca no comando em seis ministérios. Veja quem são os novos ministros:
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – cota do PMDB
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» Neri Geller, secretário de Política Agrícola e integrante do Conselho Administrativo da Conab. Foi eleito deputado em 2006 e reeleito em 2010 pelo PMDB-MT. Indicação do antecessor Antônio Andrade, Geller é empresário, próximo do senador Blairo Maggi (PR-MT), conta com o apoio da presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu, e do governador de Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB).
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» Antônio Andrade (PMDB-MG), deputado licenciado que deixa o cargo para entrar na corrida eleitoral deste ano. Sonha em ser vice de Fernando Pimentel (PT) na disputa pelo governo de Minas Gerais.
Ministério do Turismo – cota do PMDB
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» Vinicius Nobre Lages, gerente da assessoria internacional do Sebrae. É agrônomo. Integrou o Conselho Nacional de Turismo de 2003 a 2007, e em 2011. Coordenou o Programa Sebrae 2014, dedicado ao apoio e preparação de empresas para a Copa. É apadrinhado político do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
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» Gastão Vieira (PMDB-MA), deputado licenciado que deixa o cargo para concorrer a uma vaga no Senado.
Ministério do Desenvolvimento Agrário – cota do PT
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» Miguel Rossetto, ex-presidente da Petrobras Biocombustível. Foi ministro do Desenvolvimento Agrário na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vice-governador do Rio Grande do Sul em 1998. Participou do movimento de fundação do Partido dos Trabalhadores.
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» Pepe Vargas (PT-RS), deputado licenciado que deixa o cargo para concorrer à reeleição.
Ministério das Cidades – cota do PP
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» Gilberto Occhi, vice-presidente de Governo da Caixa Econômica Federal. Funcionário de carreira do banco desde 1980, ocupou cargos como superintendente regional, gerente de mercado e de outras áreas da instituição. Foi o nome de consenso dentro do PP, que esteve dividido entre o presidente do partido, senador Ciro Nogueira (PI), e o secretário executivo da pasta, Alexandre Macedo.
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» Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), deputado licenciado que sai do cargo para concorrer ao governo da Paraíba.
Ministério da Pesca e Aquicultura – cota do PRB
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» Eduardo Lopes, suplente do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ). Líder do PRB no Senado, foi eleito deputado federal em 2006. Na Câmara, atuou como titular das comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional; e Constituição e Justiça. É bacharel em teologia e jornalista articulista.
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» Marcelo Crivella (PRB-RJ), senador licenciado que deixa o cargo para concorrer ao governo do Rio de Janeiro.
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – técnico
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» Clelio Campolina Diniz, reitor da Universidade Federal de Minas Gerais. Professor aposentado do departamento de Economia, foi diretor presidente do Parque Tecnológico de Belo Horizonte e coordenador da área de economia do Conselho Técnico Científico da Capes. É próximo ao ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Fernando Pimentel.
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» Marco Antônio Raupp
“Sem ouvir, não posso ser líder”
Personagem da notícia
Articulado e vingativo. Líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha mostrou suas garras ao enfrentar a presidente Dilma Rousseff conduzindo 250 deputados na batalha contra o Planalto. Ao ser confrontado com a ameaça do governo de isolá-lo, provou que tinha ascensão sobre o bloco e sobre a própria bancada. “Se não souber ouvir o que minha bancada deseja, não posso ser líder”, disse ele.
Carioca no terceiro mandato consecutivo, Cunha é visto como líder nato, com capacidade de virar a mesa, além da admirada habilidade de entender e estudar diferentes projetos em debates na Câmara. Antes de chegar à Câmara, Eduardo Cunha presidiu a Telerj, a companhia telefônica no Rio de Janeiro, onde teria construído grandes parcerias. Também chefiou a subsecretaria de Habitação do Rio de Janeiro. Oficialmente, entrou para a política em 1994, quando se filiou ao então PPB.
Conquistou o primeiro mandato em 1998, na suplência da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, com 15 mil votos. De lá pra cá, conseguiu aumentar sua representatividade. Em 2010, acabou reeleito para a Câmara com 153 mil votos.
Desde o início da crise que deteriorou a relação entre o PT e o PMDB, Cunha se manteve firme. A presidente Dilma Rousseff tentou tirá-lo de campo. Fechou com a cúpula do partido e combinou isolá-lo. Insinuou que Cunha conduzia uma movimentação para a ruptura. A radicalização dele não agrada a presidente, representa ameaça. Há quem diga que Cunha é o pivô da crise entre o Planalto e o PMDB. As diferenças se agravaram na segunda-feira, quando Dilma se reuniu com lideranças do PMDB, mas não convidou Cunha. Mas as diferenças podem ter ficado para trás. Se a tentativa de ceder à pressão der certo, tudo será uma página virada. (NT)
Fonte: Correio Braziliense