Revisão. Relatório do Fundo Monetário Internacional reduz previsão de crescimento do Brasil de 2,3% para 1,8% em 2014, em parte por causa da alta dos juros iniciada em abril do ano passado; Fundo chama a atenção para a inflação e para problemas de infraestrutura
Rolf Kuntz -ENVIADO ESPECIAL / WASHINGTON
O Brasil continua em marcha lenta e deve crescer 1,8% neste ano, 2,7% no próximo e apenas 3,5% em 2019, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Na corrida do crescimento, a economia brasileira continuará bem atrás do conjunto das emergentes e de várias sul- americanas.
O Chile deverá avançar 3,6% em 2014 e 4,1% em 2015. Equador, Colômbia, Paraguai e Peru devem apresentar nestes dois anos taxas de expansão entre 4,2% e 5,8%, mantendo o bom desempenho já observado na maior parte do último decênio.
A redução do potencial de crescimento ocorreu em todos os grupos de países nos últimos anos. Mas os efeitos foram particularmente severos no Brasil, segundo indicam os números do recém-distribuído Panorama Econômico Mundial, a publicação semestral mais importante do FMI.
Juros. A projeção de apenas 1,8% de expansão neste ano foi em parte motivada pelo aumento das taxas de juros iniciado em abril do ano passado, segundo o chefe adjunto do departamento econômico do FMI, Gian Maria Milesi- Ferreti. Mas a projeção anterior, publicada na atualização de janeiro, era de crescimento de 2,3%, tão ruim quanto a de 2013 e já bem abaixo da média de desempenho dos emergentes.
A tendência de recuperação global assinalada em outubro, na reunião anual do Fundo, confirmou-se nos últimos meses, segundo o economista-chefe da instituição, Olivier Blanchard. As economias avançadas devem expandir-se 2,2% em 2014 e 2,3% no próximo ano, lideradas pelos Estados Unidos, com taxas de 2,8% e 3,0%.
A China, maior emergente e segunda maior economia do mundo, deverá avançar 7,5% e 7,3%, depois de crescer 7,7% no ano passado. O principal fator explicativo é a reordenação do modelo, com mais consumo, menos investimento e menor expansão do crédito.
O fortalecimento das economias desenvolvidas deve facilitar as exportações dos emergentes, segundo a avaliação do FMI. Mas a normalização da política monetária nos Estados Unidos, com menos incentivos ao crescimento, resultará em piores condições financeiras para os países emergentes e em desenvolvimento.
O custo do dinheiro aumentará, haverá mais oportunidades de ganho nos mercados desenvolvidos e haverá maior aversão ao risco. As importações das economias avançadas, segundo o Panorama, deverão aumentar 3,5% neste ano e 4,5% no próximo. Em 2012 e 2013, aumentaram apenas 1,1% e 1,4%.
Reflexos. Tanto as novas oportunidades quanto os novos problemas terão reflexos diferentes em diferentes economias emergentes e em desenvolvimento, de acordo com seu poder de competição e com suas vulnerabilidades. Pelos dois critérios, o Brasil está em desvantagem na comparação com outros países da mesma categoria, exceto pelo volume de reservas, acima de US$ 370 bilhões.
Os economistas do FMI avaliam positivamente o aumento de juros iniciado há quase um ano, mas defendem um aperto maior da política econômica, pois “apesar do aumento substancial da taxa básica no ano passado, a inflação continua no limite superior da banda”. Mas também é bom mexer nas contas públicas. “A consolidação fiscal ajudaria a reduzir a pressão da demanda interna e a diminuir os desequilíbrios externos contribuindo, ao mesmo tempo, para baixar o peso relativamente alto da dívida pública.” Em outro capítulo, o relatório explica por que a economia brasileira continua em marcha lenta (lowgear), com perspectiva de expansão de apenas 1,8% neste ano. A explicação inclui “restrições à oferta interna, especialmente na infraestrutura, e o crescimento seguidamente baixo do investimento privado”.
O texto menciona a perda de competitividade e a baixa confiança do empresariado. Problemas semelhantes afetam a maior parte dos latino-americanos, de acordo com o documento, mas a combinação de inflação elevada e deterioração dos principais indicadores internos e externos é citada mais extensamente no caso do Brasil.
Desmandos. Argentina e Venezuela são problemas à parte, tratados no mesmo parágrafo. Os mesmos erros, segundo o documento, foram cometidos nos dois países. O texto menciona, entre outros exemplos de desmandos, a intervenção nos preços internos, no câmbio e no comércio exterior.
A coleção de erros desembocou, nos dois países, em inflação alta, perda de reservas e diminuição da confiança empresarial e da atividade. Ao juntar as duas histórias em um parágrafo, o Fundo Monetário Internacional sacramentou, tecnicamente, a aliança do populismo de origem peronista com o bolivarianismo.
Fonte: O Estado de S.Paulo