A volta da Grande Moderação?

    Por Sergio Lamucci

    A volatilidade do crescimento e da inflação voltou a cair nos países desenvolvidos, depois de aumentar com força em 2008 e 2009, os anos mais turbulentos da crise global. Com um cenário de menor variação do PIB e dos índices de preços, alguns economistas começaram a falar no retorno da Grande Moderação.

    A alcunha é uma referência ao período que vai de meados dos anos 1980 até a véspera da crise, no qual os países avançados experimentaram a combinação de crescimento e inflação pouco voláteis. As recessões se tornaram menos graves e também menos frequentes, um resultado em geral atribuído a aperfeiçoamentos na condução da política monetária, como dizem os economistas Charlie Himmelberg e Julian Richers, em relatório do Goldman Sachs.

    Com a eclosão da crise, porém, a ideia perdeu prestígio. O Federal Reserve, por exemplo, passou a ser visto como um dos grandes culpados pelos problemas que levaram à turbulência de 2008, ao manter juros baixos demais num quadro de regulação e supervisão financeira inadequadas.

    Crescimento e inflação estão menos voláteis

    No entanto, o comportamento recente do PIB e da inflação em alguns países desenvolvidos leva economistas como Himmelberg e Richers a ver o mesmo padrão que vigorou nos quase 25 anos anteriores à crise. No relatório, os dois economistas do Goldman Sachs dizem que a volatilidade do crescimento do emprego privado nos EUA caiu para o nível mais baixo em mais de 50 anos, numa média móvel de três anos. O estudo também mostra um comportamento bem menos volátil do PIB trimestral nos EUA, Reino Unido, Alemanha e Japão nos últimos anos.

    Um período de menos instabilidade no crescimento tende a estimular o apetite por risco, afirmam Himmelberg e Richers. Em seu blog no “Financial Times”, o presidente da Fulcrum Asset Management, Gavyn Davies, observa que “períodos prolongados de expansão moderada, com juros muito baixos, em geral se mostram bons para ativos de risco”, ao comentar a possível volta da Grande Moderação. É o caso de moedas de países emergentes e de ações.

    Se persistir essa combinação de crescimento e inflação pouco voláteis, os juros nas economias avançadas não devem sofrer grandes altas, um ponto favorável para países em desenvolvimento como o Brasil. De outro lado, aponta também para um crescimento mundial pouco exuberante, uma má notícia para as exportações.

    Ao analisar as causas do fenômeno, Himmelberg e Richers apontam ainda hoje a evolução na política monetária como o fator mais importante por trás da menor volatilidade econômica. “Como resultado dessas mudanças, nós suspeitamos fortemente que a política monetária, da metade dos anos 1980 até hoje, embora longe de ser perfeita, tornou-se muito mais eficaz ao responder a choques e, com isso, para estabilizar o crescimento e a inflação. Nós vemos isso como determinante estrutural importante para a menor volatilidade do crescimento, e vemos poucos motivos para acreditar que isso não vai persistir”, resumem eles, sem descartar, no entanto, outras possíveis explicações para a Grande Moderação. Uma delas é que, na economia americana, por exemplo, ganharam peso setores menos cíclicos, como o de serviços, enquanto a indústria manufatureira perdeu espaço. 

    Himmelberg e Richers mostram-se otimistas quanto aos riscos à estabilidade financeira que podem resultar de um quadro de baixa volatilidade econômica e, portanto, de maior apetite para o risco. Segundo eles, depois da crise houve um fortalecimento das exigências de capitais e das restrições regulatórias no setor financeiro. “O acesso dos investidores à alavancagem é escasso, assim como o do consumidor ao crédito hipotecário. Os dois foram cruciais no ciclo anterior. Nenhum deles é visível no atual.”

    Há, porém, quem critique a ideia da volta da Grande Moderação. É o caso do economista João Marcus Marinho Nunes, autor, com Benjamin Mark Cole, do livro eletrônico “Market Monetarism – Roadmap to Economic Prosperity”, com prefácio de Scott Sumner, da Universidade de Bentley, em Massachusetts, o principal nome do monetarismo de mercado.

    “Nós temos na verdade uma situação de baixa volatilidade – a Grande Moderação – num contexto de Grande Estagnação”, diz Nunes, ao descrever como vê a economia americana. “Estamos “saudáveis”, mas “pobres.””

    Segundo ele, depois da crise não houve esforço para recuperar um nível mais alto da tendência do PIB. Com isso, há uma Grande Moderação num estado “deprimido” – uma Grande Estagnação. Nunes, como Sumner, defende a adoção pelo Fed de uma meta para o nível do PIB nominal como o melhor regime para a condução da política monetária. O PIB nominal é o PIB real multiplicado pelos preços correntes.

    Nas contas do economista Robert Hall, da Universidade de Stanford, em 2013 o PIB americano estava 12% abaixo da linha de tendência entre 1990 e 2007. Para economistas como Nunes e Sumner, o Fed deveria definir uma tendência para a trajetória do PIB nominal, buscando compensar total, ou parcialmente, a “perda” registrada desde o começo da crise. O BC americano estabeleceria também um ritmo para a evolução anual do PIB nominal nos EUA.

    Em 2011, Christina Romer, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, sugeriu um número de 4,5%, considerando 2,5% de crescimento potencial do país e mais 2% da meta de inflação de longo prazo do Fed. Nesse cenário, o Fed se proporia a eliminar a diferença (toda ou em parte) entre o que a economia de fato cresceu e a trajetória apontada pela tendência para o PIB nominal. Para os defensores da proposta, isso ajudaria a melhorar expectativas de empresários e consumidores, além de estabilizar o ritmo de crescimento e a inflação.

    Ao não adotar essa política, a recuperação da economia é menos forte do que poderia ser, na visão de analistas como Nunes, autor do blog “Historinhas”. Há hoje menos volatilidade do PIB e da inflação, mas o ritmo de expansão deixa a desejar. Para o Brasil, se esse quadro prevalecer, haverá o provável alívio de um aumento menos expressivo dos juros nos países desenvolvidos, mas não será possível contar com uma demanda externa mais forte.

    Sergio Lamucci é correspondente em Washington. Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de Antonio Delfim Netto

    E-mail: sergio.lamucci@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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