Estudo aponta que persistência da inflação no Brasil supera 6% ao ano

    Denise Neumann | De São Paulo

    Os últimos anos do regime de metas de inflação não foram capazes de reduzir, de forma significativa, o grau de persistência da inflação brasileira. Dois economistas – Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global Partners, e Cheikh Kane, economista-chefe do Banco Original – testaram seis diferentes modelos econométricos e concluíram que “faça chuva ou faça sol”, a inflação brasileira tem rodado a uma taxa mensal entre 0,5% (ou 6,1% ao ano) e 0,7% (8,7% ao ano) nos últimos dez anos.

    Entre outras causas, contribuem para a persistência a ainda alta indexação de preços, a inércia, a política fiscal expansionista, a regra informal, porém disseminada, de atrelar os reajustes salariais à inflação passada, agregando algum percentual de aumento real, e as políticas públicas para o mercado de trabalho. Na avaliação dos autores, a ausência de reformas estruturais – especialmente aquelas relacionadas ao mercado de trabalho – reduziu a eficácia do aumento dos juros nos últimos anos.

    Como a inflação resiste por questões que vão além da oferta e da demanda, Velho e Kane concluem que a reversão do grau de persistência inflacionária no Brasil não será obtida apenas com aumento da taxa básica de juros. “O aumento da taxa de juros afeta a inflação, mas sua contribuição ao controle da inflação está menor por causa das questões estruturais não resolvidas, especialmente as relacionadas ao mercado de trabalho”, diz Velho. Ele também lista a credibilidade da política econômica – e não apenas da política monetária – como um elemento que afeta resistência da inflação.

    Para que a política monetária faça seu trabalho, é preciso o que eles classificam como minirreformas, entre elas a aprovação da independência do Banco CENTRAL, um plano para realinhamento das tarifas públicas com o fim do seu uso político, a recuperação da credibilidade fiscal com a adoção de um mecanismo de controle dos gastos públicos como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), além da revisão do modelo que acaba atrelando os salários à inflação futura e das regras de seguro-desemprego e abono salarial.

    Velho e Kane estão convencidos de que a dinâmica do mercado de trabalho afetou fortemente a eficácia da política monetária. E Velho credita uma parcela importante dessa dinâmica às regras do seguro-desemprego e do abono salarial. Por um lado, essas regras são um componente importante do gasto público e contribuem para aumentar o nível de demanda na economia pela renda que proporcionam. Por outro lado, elas reduzem o medo do desemprego entre os trabalhadores menos qualificados, incentivando a rotatividade, e fazem com que as empresas se comprometam com maiores aumentos salariais diante da preocupação de ficar sem profissionais.

    Antes de chegar aos estudos que apontam a forte persistência inflacionária no Brasil, os dois economistas olharam para México e Chile, dois países latino-americanos e emergentes que adotaram o sistema de metas de inflação. Eles compararam a evolução recente dessas economias – e sua inflação – com a brasileira.

    Nos dois países, os dados indicam que nos anos pós-crise a inflação tendeu à meta. Uma análise do núcleo de inflação de Brasil, México e Chile aponta trajetórias distintas desde 2008. Enquanto no Chile o núcleo recuou significativamente abaixo do centro da meta (que é de 3%) quando a economia entrou em recessão global, no México (também com centro em 3%) o recuo foi mais gradual, mas aconteceu. No Brasil, “a despeito da meta central da inflação brasileira se situar 150 pontos percentuais acima dos alvos do México e do Chile, o núcleo sempre superou a meta e inclusive rompeu o teto em 2011”, escrevem os economistas.

    Para Velho e Kane, parte da persistência elevada no Brasil está associada à dinâmica do mercado de trabalho, que acumulou ganhos reais expressivos ao longo dos últimos anos, movimento acompanhado pela queda do desemprego. No Chile, inclusive, a queda foi ainda mais expressiva do que no Brasil, pois passou de 11% em 2009 para 6% em 2014.

    Entre as razões para a persistência da inflação, Velho e Kane também atribuem papel importante à política fiscal, que deu um impulso relevante à demanda, através da redução do superávit primário e da expansão dos gastos públicos. A contribuição da inércia, outro ponto apontado, mais que dobrou em 2013 em relação a 2012.

    Entre os modelos gerados pelos dois economistas para calcular a resistência da inflação, estão estudos semelhantes aos feitos pela área técnica do Banco CENTRAL e que foram apresentados em box do relatório de inflação de dezembro de 2008. Naquele trabalho, três modelos apresentaram um resultado semelhante. Esse trabalho olhou para a inflação de 2000 a 2008 em oito países (Alemanha, Chile, Itália, Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e França).

    O estudo concluía que “embora os países emergentes da amostra analisada – Brasil e Chile – tenham reduzido sua persistência de inflação nos últimos anos, ainda apresentam níveis superiores àqueles observados em economias maduras”. O texto do estudo do Banco CENTRAL não diz qual o grau de resistência encontrado, mas os gráficos sugerem que para o Brasil ela ficou próxima a 0,5% em dois dos três modelos desenvolvidos.

    Em um dos modelos desenvolvidos por Velho e Kane – o chamado coeficiente de autocorrelação – a persistência teria diminuído de 0,58% (7,1% anualizado) no período de 2003 a 2014 para 0,54% (6,68% anualizado) entre 2011 e 2014, na gestão de ALEXANDRE TOMBINI. Os autores, porém, atribuem esse recuo “ao grau de intervenção do governo na formação de preços através de pacotes de desonerações tributárias e represamento de preços monitorados.”

     

    Fonte: Valor Econômico

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