Por Flavia Lima e Catherine Vieira | De São Paulo
Na receita de ajuste econômico “profundo” e a ser iniciado logo em janeiro de 2015, o economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, Nilson Teixeira, inclui uma recomendação peculiar e que foge do consenso dos especialistas que acompanham a economia brasileira. Para ele, antes de reduzir a meta de inflação – hoje em 4,5% – o governo deveria elevá-la de modo a acomodar melhor os preços represados de tarifas públicas e reancorar expectativas.
É claro que o sucesso desse movimento, ressalta ele, também pressupõe cumprir estritamente o combinado. Segundo Teixeira, o Banco Central poderia aumentar, em um primeiro momento, a meta para 6,5%, reduzindo-a gradualmente até perto de 4% em 2020.
A credibilidade, no entanto, só seria totalmente recuperada se o esforço de política monetária fosse acompanhado de um ajuste fiscal que garantisse um superávit primário de pelo menos 3% do Produto Interno Bruto (PIB), necessário para que a trajetória da dívida bruta caísse em velocidade razoável. “Ninguém disse que seria fácil”, adverte o economista de 52 anos, PhD pela Universidade da Pensilvânia.
Como resultado, a atividade econômica – que em suas contas deve crescer apenas 0,6% neste ano – pode entrar até mesmo em recessão em 2015, com impactos importantes tanto na renda quanto no emprego. Em quatro anos, porém, o país terá crescido acima da média registrada no período mais recente e mais próximo de seu potencial, ao redor de 3%.
Questionado se os ajustes deveriam avançar sobre os programas sociais, Teixeira diferencia Bolsa Família de salário desemprego e surpreende ao afirmar que os salários da população mais pobre podem continuar crescendo acima da produtividade. Ele diz ainda que os subsídios oferecidos pelo BNDES são mais polêmicos do que os de programas como o Minha Casa, Minha Vida. “Por que não emprestar mais para pobres do que para empresas?”. A seguir, trechos da entrevista:
Valor: Vocês revisaram para baixo a taxa de desemprego neste ano, mesmo com dados menos positivos do mercado de trabalho, certo?
Nilson Teixeira: A nossa previsão no ano passado era de aumento do desemprego, de 5,4% para 5,7% neste ano, sob a hipótese de que um crescimento mais baixo levaria à redução no ritmo de expansão da população ocupada. Agora, caso a força de trabalho não volte a crescer de maneira importante, em cerca de 1% e mais parecida com a PIA [População em Idade Ativa], a taxa de desemprego será menor do que a do ano passado, ficando em 5%. Ao mesmo tempo, dados mais recentes só reforçam a ideia de que a desaceleração da atividade está reduzindo a criação de postos de trabalho e de que, talvez, mantido o crescimento baixo por mais um ano, a taxa de desemprego finalmente cresce.
Valor: Ao mesmo tempo, o baixo crescimento do PIB será mantido?
Teixeira: Também revisamos nossa projeção de crescimento do PIB para este ano para 0,6% (a anterior apontava alta de 1,2%). De fato, há a ideia de que teremos uma contração no PIB do segundo trimestre e qualquer número entre queda de 0,4% e zero nos parece razoável.
Valor: Isso deve afetar o primeiro trimestre?
Teixeira: Ao dessazonalizar o dado do segundo trimestre é normal que os números anteriores, em particular os mais próximos, mudem um pouco. Se o PIB do segundo trimestre cair 0,2%, o que era uma alta de 0,2% do primeiro trimestre mudaria para queda de 0,1%. E se tivermos uma queda de 0,4% no segundo trimestre, o dado do primeiro trimestre mudaria para queda de 0,3% ou 0,2%. Ou seja, terminamos 2014 com crescimento de 0,6% e uma recessão técnica no primeiro semestre que, no fundo, é uma economia estagnada no período.
Valor: Com isso, a inflação deve arrefecer?
Teixeira: Temos uma perspectiva que a inflação continue crescendo no acumulado em 12 meses, apesar de a inflação mensal diminuir frente aos meses anteriores. Alguns analistas previam inflação até mesmo acima de 7% em 12 meses até novembro. Hoje acho que a maioria já trouxe isso para baixo. Nós achamos que chega a 6,8% em novembro e aí em dezembro cai porque dezembro do ano passado foi muito forte. A inflação vai ficar entre 6,4% e 6,5% no fim do ano, que é alta, ainda perto do topo da meta. Razão pela qual é necessário fazer ajustes fiscal e monetário.
Valor: E o que o sr. acha desse quadro de estagflação que para alguns já está se desenhando?
Teixeira: Estagflação em geral se usa para cenários em que a inflação é extremamente elevada e a estagnação ocorre em período prolongado. Mas não é bem assim, a estagnação ocorre agora e a inflação é alta frente a padrões internacionais. Esses termos não dizem muita coisa e pouco contribuem com o debate.
Valor: Há fatores concretos que justifiquem a deterioração da confiança e do investimento ou é falta de comunicação do governo?
Teixeira: É combinação de ambos, mas fatores concretos, por definição, me parecem mais importantes. Há um argumento circular para a confiança que é o baixo crescimento. Tem baixo crescimento, deteriora as expectativas e, com a deterioração das expectativas, tem baixo crescimento. Em termos de investimento, a incerteza sobre os próximos passos é sempre presente. Um exemplo foi a redução do IPI para automóveis, que reduz preços, aumenta demanda e a indústria pensa em fazer mais investimentos. Mas se não se sabe ao certo quando acabam os estímulos, pois eles podem terminar em seis meses, por que investir? Previsibilidade para a economia é muito importante, mas nos parece que algumas vezes o governo falhou ao não prover previsibilidade e isso exige prêmios elevados.
Valor: O sr. prevê reação do PIB em 2015?
Teixeira: A princípio prevemos crescimento de 1,5% com investimento crescendo em torno de 1%. É natural num primeiro ano de governo, independentemente de a presidente ser reeleita ou não, que existam ajustes. Consequentemente, há menor crescimento. Ademais a gente entende que inflação alta, necessidade de ajuste fiscal mais forte e a possível necessidade de aumento dos juros corroboram a ideia de que não haverá forte crescimento no próximo ano e, portanto, mais uma vez, não haverá razões para fortes investimentos.
Valor: Mas o sr. parece mais otimista do que a média, ao dizer que mesmo com ajustes o PIB cresceria 1,5% em 2015…
Teixeira: Dada a grande incerteza que há e só com dados do primeiro trimestre é muito cedo para fazer revisões. Mas se você me disser que entende que o crescimento do ano que vem vai ser zero, não posso dizer que é um cenário muito improvável. Ao se trabalhar com a ideia de que é necessária uma contração fiscal e aumento de juros é razoável pensar que o primeiro trimestre [de 2015] vai ser de contração do PIB por conta de queda de investimentos. E, nesse cenário, em que o consumo do governo também diminui no primeiro ano do governo, um número próximo de zero é possível.
Valor: Em termos de ajuste, qual seria a sua prioridade?
Teixeira: O melhor momento de promover o ajuste seria em janeiro de 2015, com um aumento de juros, seja qual for, aumento de superávit primário de maneira bastante expressiva, mandato fixo para presidente e diretores do Banco Central, alteração da meta de inflação, deixando clara a trajetória pretendida até 2019 ou 2020. Seria uma elevação da meta para depois reduzir. Nos últimos quatro anos, a inflação esteve muito mais próxima de 6,5% do que de 4,5%, o que indica que a capacidade de o centro da meta funcionar como âncora foi muito enfraquecida. A necessidade de ajustes de alguns preços, como tarifas de ônibus, energia elétrica e combustíveis, sugere que, a menos que haja um choque muito favorável nos preços, será difícil trazer a inflação rapidamente para 4,5%. Então, poderia elevar o centro da meta para 6,5% sem a margem de dois pontos. Depois, 5,5% mais ou menos 1 ponto, 5% e depois 4,5% em 2018, já sinalizando 4% para 2019. E assim vai, gradualmente. Para ter credibilidade seria importante que isso fosse acompanhado de ajuste fiscal. O primário tem que ser bastante elevado para garantir não só estabilidade da dívida bruta, mas declínio numa velocidade razoável. Trabalhamos com a necessidade de levar o superávit primário acima de 3% do PIB. No curto prazo, o país pode até caminhar para uma recessão em 2015. Mas 2016 e 2017, permanecendo o cenário global como está hoje, a economia pode crescer mais. E em quatro anos, o país terá crescido mais.
Valor: A qualidade do superávit primário teria que ser diferente?
Teixeira: Não sou tão extremo ao dizer, como alguns, que o resultado primário de fato é próximo de zero. Acho que o Refis [programa de parcelamento de dívidas com a União] faz parte do ajuste. Porque esse imposto era para ter sido pago antes, não foi pago e está sendo pago agora. Melhor agora do que nunca. O governo está dando descontos, mas pelo menos receberá uma parte. Outras medidas que muitos chamam de criativas, aí não deveriam constar. Mas reconhecemos que é difícil levar do atual patamar para 3% do PIB. Mas ninguém disse que seria fácil.
Valor: Com relação à política monetária, já se conta com a possibilidade de o BC voltar a reduzir juro. O sr. acredita nisso?
Teixeira: No Chile, o BC reduziu os juros mesmo com a inflação acima do centro da meta. O Chile está com inflação em torno de 4% e o centro da meta é 3%. Mas ele já vem com uma dinâmica de redução de juros e lá a expectativa é que a inflação diminua nos próximos trimestres para um patamar inferior. Isso leva muitos participantes do mercado a argumentar que, por conta de uma atividade muito frágil, o BC [brasileiro] pode cogitar reduzir a Selic, coisa já refletida na curva de juros. Nós julgamos que é um equívoco reduzir os juros, porque a inflação ainda é muito alta e, mais do que isso, as expectativas ainda vão continuar subindo. Em segundo lugar, ainda estamos no início do impacto de juros mais altos. Há necessidade de a atividade desacelerar para que a inflação diminua pelo canal de demanda. Outro ponto relevante é pensar qual o bem para a atividade econômica em reduzir os juros em 50 ou 100 pontos-base. Uma redução dos juros neste momento pode levar à queda ainda maior da confiança dos agentes econômicos, ao achar que o comprometimento com uma inflação mais baixa não está tão sólido como deveria estar. A confiança não anda, a inflação não cede e a atividade, com o aumento da incerteza, talvez seja até prejudicada por uma queda do juro. Os 50 pontos-base e nada nos parecem a mesma coisa.
Valor: O sr. acha que a natureza desse ajuste é diversa do feito em 2003, com efeito mais demorado?
Teixeira: No aumento do superávit primário desde 1999, 2000, uma parte importante foi baseada em aumento de receitas, com aumento da carga tributária, e por um processo favorável de formalização da economia e atividade econômica mais forte. Hoje em dia já estamos mais próximos do limite de aumento da carga tributária. E cortar gastos é sempre difícil, pois, no momento de decidir, a pressão dos grupos interessados é grande. É inegável que teremos que partir de um acordo amplo da sociedade, em que vai ter que existir prejudicados. Para que eles não sejam muitos, vai ter que se caminhar para a trajetória de privatizar. No fundo, será preciso retirar benefícios, como abono salarial que cresce muito, como diz o próprio governo. O mais fácil sempre foi reduzir o ritmo de expansão dos investimentos, mas como eles são muito necessários, a alternativa é privatizar e esse me parece o melhor caminho. Transferir a obrigação do setor público para o privado com uma regulação sólida que evite deterioração da qualidade do serviço.
Valor: E os ajustes não terão impactos na renda e no emprego?
Teixeira: Se vierem os ajustes, é bem provável que haja impactos nos salários e no emprego no curto prazo. Porém, estamos entre aqueles que acham que, no médio prazo, esses mesmos ajustes terão impacto positivo e voltarão a permitir que o país cresça em ritmo mais acelerado e, consequentemente, com uma nova recuperação no mercado de trabalho. Um ajuste muito pequeno vai ter impacto no curto prazo menor, mas prolongado. Mas nos parece que haverá ajuste de uma maneira ou de outra. Nós somos a favor de um reajuste profundo tão logo quanto possível para que ele não se prolongue por muito tempo. Nós achamos que o Brasil tem condições de crescer a um ritmo bem maior do visto nos últimos quatro anos.
Valor: Qual o PIB potencial?
Teixeira: Os modelos de potencial são muito frágeis. O mesmo modelo que dizia para você que era 4%, depois dizia 3,5% e depois 3%. Outro falava em 3%, depois 2,5%, agora 2%. O ponto é que recuou. A gente acha que é em torno de 3%. Mas sem ajustes o país não caminhará para isso e certamente o potencial tende a diminuir mais ainda.
Valor: Vai ser necessário mexer nos programas sociais?
Teixeira: Tudo depende do que a gente entende por programas sociais. O Bolsa Família nos parece uma medida bastante acertada, bem-sucedida, que teve sucesso tremendo em termos de melhoria de distribuição de renda em ritmo maior do que se imaginava. Agora, se você entende como programa social o abono salarial ou o seguro-desemprego como eles são hoje, é preciso ajuste. É muito difícil explicar – o governo não consegue – que mesmo sem alta do desemprego, o seguro-desemprego cresce de maneira muito importante.
Valor: Os reajustes do salário mínimo terão que ser revistos?
Teixeira: Tem aquela ideia de que os salários da população mais pobre estão crescendo acima da produtividade. Ora, tem que ser assim para se melhorar a distribuição de renda, não há duvida disso. Pense em um grupo que recebe salários e outro que só recebe retornos (ações, por exemplo). Se o salário crescer menos do que a produtividade, essa diferença vai para o dono do capital. Então, a distribuição de renda não melhora. A questão é quão rápido tem que ser esse processo. Talvez tenha que se fazer de outra forma.
Valor: Mas outros programas, como o Minha Casa, Minha Vida, são mais questionados, não?
Teixeira: Os subsídios do BNDES me parecem bastante polêmicos também. Entre dar subsídios para famílias pobres para construir suas casas e dar benefícios via BNDES há uma grande dúvida. Subsídios do BNDES são bastante questionáveis. Há vários trabalhos que dizem que eles ajudam investimentos e outros que dizem que não. Os benefícios da década de 90 são mais explicáveis do que os de agora. De alguma maneira as empresas brasileiras, especialmente as maiores, já foram capazes de captar no mercado. O mercado de capitais ganhou uma profundidade que não havia antes, o que torna menos relevante o papel do BNDES. Por que não emprestar mais para pobres do que para empresas? É uma decisão que tem que vir da sociedade. E quem for eleito vai ter que caminhar nessa direção.
Valor: Existe a probabilidade de um rebaixamento da nota de crédito do Brasil em 2015?
Teixeira: Mantido um superávit primário de 1,5% ou mesmo 2% do PIB nos próximos anos e um crescimento do PIB de 1%, a probabilidade da redução da classificação de risco do Brasil por até três agências no próximo ano é significativa. Mas não é o nosso cenário-base. Nele, mais ou menos otimista, haverá ajuste suficiente para evitar que a dívida aumente e [permitir] que o déficit em conta corrente ao menos não acelere.
Valor: A indústria parece ser o calcanhar de aquiles da atividade hoje, apesar de incentivos. Ela precisa ser reinventada?
Teixeira: Olhar a indústria como um todo tende a ser prejudicial, pois há indústria ainda indo bem e podendo ir melhor e outras que sobrevivem, mas poderiam acabar. O que se conseguiu à luz dos subsídios foi talvez retardar esse processo todo de ajuste da indústria. Não me parece claro que ao se abrir alguns mercados brasileiros, ou reduzir tarifas de importação com negociação, haveria aumento de desemprego muito importante. Julgo que não. Em termos de custos sociais, o momento parece bom para conseguir realocação.
Valor: E o câmbio vai ficar no patamar atual até o fim das eleições?
Teixeira: Para o fim do ano esperamos R$ 2,40. Mas o BC desenvolveu uma habilidade de manter o câmbio no patamar que ele quer por um período razoável. No médio prazo, a taxa de câmbio vai refletir os fundamentos da economia. Mas não sei e ninguém sabe quando e quanto é.
Fonte: Valor Econômico