MP pede apuração no Tesouro e no BC sobre ‘pedaladas’

    Procurador quer que TCU investigue principalmente o adiamento de repasses do governo à Caixa para pagamento de benefícios

     

    Fábio Fabrini Adriana Fernandes João Villaverde BRASÍLIA

     

    O Ministério Público (MP) junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu ontem uma investigação do órgão no Banco CENTRAL e Tesouro Nacional para apurar as chamadas “pedaladas fiscais” nos repasses do governo aos bancos responsáveis pelos pagamentos de benefícios sociais e previdenciários.

     

    As “pedaladas” são os atrasos do Tesouro na transferência de recursos aos bancos, que, por lei ou contrato, continuam pagando em dia os beneficiários. O Ministério Público vê possível “maquiagem” no cálculo das contas públicas federais.

     

    O procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do MP junto ao TCU, apresentou uma representação solicitando ao tribunal uma inspeção no BancoCENTRAL e no Tesouro para identificar todos os valores e datas dos repasses realizados desde 2012 entre o governo e os bancos que fazem os pagamentos de benefícios sociais, como o Bolsa Família, e previdenciários,como aposentadorias e pensões.

     

    A denúncia foi enviada ao ministro do TCU José Múcio Monteiro após o Estado revelar, na edição de ontem, que o Banco CENTRAL admite incorporar nas estatísticas fiscais o resultado dessas “pedaladas” do Tesouro Nacional.

     

    Ao atrasar os repasses, o Tesouro estaria elevando o endividamento público e, com isso, o Banco CENTRAL, que apura o resultado fiscal, poderia inserir na conta esses descompassos no sistema.

     

    Se for confirmado que essas antecipações configuram empréstimos dos bancos à União, relatou o procurador na representação aberta ontem, será preciso identificar os responsáveis para prestar esclarecimentos e serem punidos, em caso de condenação.

     

    No entendimento do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal, como a Caixa Econômica Federal, e o Tesouro é vedada pelo artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

     

    Antecipação de receita. O procurador também apontou que as “pedaladas” podem ser enquadradas como “antecipação de receitas orçamentárias”, o que, segundo o artigo 38 da LRF, é “proibido no último ano de mandato do presidente, governador ou prefeito municipal”.

     

    Na representação, o Ministério Público junto ao TCU aponta as razões do Tesouro para efetuar as “pedaladas” nas contas fiscais. “Ao que parece, o objetivo de colocar em prática referido procedimento seria melhorar o resultado primário do governo federal, tomando-o mais superavitário ou menos deficitário”, escreve o procurador do MP.

     

    “Ao que parece, o Banco CENTRAL, por intermédio de seu Departamento Econômico, não está, no momento em que apura o resultado fiscal do setor público, registrando os passivos, ou registrando adequadamente as variações no saldo das obrigações do Tesouro junto aos bancos”, diz o MP.

     

    Conta não registrada. O procurador do MP junto ao TCU cita também o “caso dos R$ 4 bilhões”, encontrados pelo Banco CENTRAL em uma conta em separado de um Banco privado nacional em maio. O artifício, revelado pelo Estado, auxiliou as contas públicas. O dinheiro, referente a um crédito da União carregado pelo Banco privado nacional, foi incorporado pelo Banco CENTRAL nas contas, o que reduziu o déficit primário de maio de R$ 15 bilhões para R$ 11 bilhões.

     

    Procurada, a Caixa afirmou que o atraso do Tesouro “não se trata de financiamento nem de descumprimento de legislação”. / COLABOROU MURILO ROORIGUES ALVES.

     

    • Meta fiscal “Ao que parece, o objetivo de colocar em prática esse procedimento seria melhorar o resultado primário do governo, tomando-o mais superavitário ou menos deficitário.”

     

    Júlio Marcelo de Oliveira PROCURADOR DO MP JUNTO AO TCU junto de precatórios judiciais e, dessa forma, reduziu um pouco os gastos com esse item. Mas isso, sozinho, não explica a desaceleração, diz Montero. Já há algum tempo o economista vem alertando que a evolução dos gastos da Previdência é incompatível com o crescimento do número de beneficiados e o valor de aposentadorias e pensões.

     

    Desde que o Estado informou, em julho, que o Banco CENTRAL havia encontrado um crédito de RS 4 bilhões em uma conta paralela mantida por um grande Banco privado, especialistas passaram a apontar um adiamento, ou “pedalada”, dos gastos previdenciários como explicação para o dinheiro “misterioso”. Nenhum deles ficaria surpreso se surgissem outros créditos do tipo.

     

    Essa suspeita foi praticamente confirmada por uma informação do próprio governo publicada ontem: o BC informou que estuda incorporar às suas estatísticas os créditos carregados por bancos públicos e privados em operações financiadas pelo Tesouro Nacional.

     

    Subsídios. O levantamento de Montero mostra, ainda, que a conta de subsídios e subvenções econômicas teve queda de 24,7%na comparação com o primeiro semestre de 2013. Elas já vinham se retraindo desde o ano passado, quando ficaram 15% menores do que em 2012. Isso, apesar de o governo haver prosseguido com as operações de crédito subsidiadas, como o Minha Casa Minha Vida e o Programa de Sustentação do Investimento (PSr).

     

    Para especialistas em contas públicas, a conta de subsídios não pagos é a principal “surpresa” que a presidente Dilma deixará como legado na administração das finanças públicas.

     

    Montero ressalva que essas operações que resultam no adiamento das despesas são devidamente amparadas pelos regulamentos do governo. “Mas é interessante ler que o BC, após a intensificação dessas operações, estaria avaliando incluí-las em suas estatísticas”, comentou. “Não é um ajuste fiscal, é apenas uma deturpação da aparência das contas fiscais.”

     

    Fonte: O Estado de S.Paulo

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