Independência do BC é tratada superficialmente

    RONALDO D´ERCOLE ronaldod@sp.oglobo.com.br

     

    As diferentes posições defendidas pela candidata do PSB à Presidência, Marina Silva, e a presidente Dilma Rousseff, com relação à autonomia do Banco CENTRAL – que ficaram mais explícitas no debate de segunda- feira, no SBT – são vistas como superficiais pelos especialistas, devido à complexidade do tema. Enquanto Marina defende a adoção de mandatos e maior independência aos dirigentes do BC, Dilma sugere que liberdade demais comprometeria a capacidade regulatória da instituição, levando a crises como a ocorrida em 2008.

    – A questão do Banco CENTRAL independente não pode ser um truque de linguagem, porque significa uma mudança jurídica de todo o arcabouço legal da política monetária do país. Não se trata meramente de dar mandatos a um grupo de profissionais seletos para o exercício da política monetária – afirma o economista Francisco Petros, ex-presidente da Apimec (Associação dos Analistas de Mercado de Capitais).

    Em modelos mais avançados de governança de Bancos Centrais, como o dos Estados Unidos e o da Alemanha, lembra ele, a legislação determina as atribuições da autoridade monetária – no caso do Federal Reserve americano, controlar a inflação e garantir o nível de emprego na economia.

    Também define a quais instituições os dirigentes do BC devem prestar contas. No caso americano, novamente, a cada semestre o presidente do FED vai duas vezes por ano à Comissão de Finanças do Senado explicar as decisões do Banco e seus resultados na economia.

    Portanto, diz o analista, não se trata só de atribuir mandatos aos dirigentes do BC, mas de se fazer uma “mudança profunda na legislação, que precisaria ser aprovada pelo Congresso”.

    – Por isso, (a proposta de Marina) não pode ser analisada pela simples fala. É preciso saber o que ela pretende à luz das experiências internacionais.

    A autonomia mais ampla não dá para ser feita numa canetada. Por isso, a proposta da Marina parece mais com uma vontade política – diz Petros.

    Para ele, o sistema de autonomia operacional do BC brasileiro funciona muito bem nas suas atribuições de fixar as taxas de juros e manter a inflação dentro da meta.

    Alkimar Moura, professor aposentado da FGV e ex-diretor de política monetária do BC, concorda que a atual “autonomia operacional” do BC é bem-sucedida, com exceção de ingerências como a do início do governo Dilma.

    Para ele, a definição de mandatos aos diretores e presidentes do BC seria “um avanço”, agregaria autonomia administrativa à gestão da autoridade monetária.

    Mas só isso não bastaria: – Seria um avanço, porque não temos isso aqui, e hoje o presidente da República pode mandar o presidente do BC embora se não gostar de uma decisão dele – diz: – O mais importante, do ponto de vista da democracia, porém, são regras para a prestação de contas do Banco CENTRAL, e isso nós ainda não temos.

    Tanto Moura quanto Petros veem como ainda mais frágil o argumento da presidente Dilma em favor do modelo atual de autonomia relativa do BC. Para o ex-presidente da Apimec, atribuir a crise de 2008 à autonomia do FED é olhar a história “da confortável cadeira do futuro”.

    Além disso, não fica claro “o que a presidente quis dizer com isso”.

    – Foram erros de política econômica como um todo que levaram à crise de 2008, e não porque o FED é independente – diz Petros, alertando para a necessidade de mais profundidade nas discussões sobre o tema.

    Moura, concorda e não vê relação entre a independência do FED e a crise de 2008: – A regulação pode ter sido frouxa, mas é mais interessante para o país ter o Banco CENTRAL autônomo do poder político – conclui.

     

    Fonte: O Globo

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