A cada discurso do governo de que tudo está bem, de que a economia brasileira é um espetáculo, de que são os pessimistas os responsáveis pelas notícias ruins, a realidade trata de se impor. Um dia depois de o ministro da Fazenda, Guido Mantega, traçar um quadro róseo para a economia, inclusive assegurando que a inflação está sob controle, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou o quanto equivocado ele está.
A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em setembro, de 0,57%, fazendo com a que a taxa acumulada em 12 meses atingisse 6,75%, é um sinal claro de como o atual governo vem tratando com descaso o controle da carestia. Desde que Dilma Rousseff tomou posse, em janeiro de 2011, o IPCA já estourou o teto da meta, de 6,5%, 12 vezes. Na média dos quatro anos da administração petista, o custo de vida médio será de 6%, indicando que o objetivo que deveria ser perseguido pelo Banco CENTRAL, de 4,5%, tornou ficção.
O governo reclama da falta de confiança de consumidores e empresários em relação à política econômica. Mas há razão de sobra para o mau humor. Nada pode ser mais danoso para a economia do que a inflação alta, sobretudo em um país com o histórico do Brasil, de mais de duas décadas de descontrole de preços. A carestia corrói, sem dó, o poder de compra das famílias, especialmente o das mais pobres. Reduz a capacidade de investimentos do setor produtivo. Põe em risco os empregos, uma vez que o ritmo da atividade despenca.
Ao ver como normal uma inflação acima de 6%, o governo destrói a capacidade do Banco CENTRAL de cumprir a sua principal missão: manter o valor da moeda. Não há hoje no país ninguém que, em sã consciência, acredite no compromisso firme da autoridade monetária de levar a inflação para o centro da meta. E não é para menos. A cada três meses, quando divulga as projeções do IPCA, o BC empurra para frente o prazo em que, supostamente, o custo de vida estará próximo de 4,5%. Agora, pelas contas dos técnicos da instituição, até setembro de 2016, os brasileiros não verão a carestia dar trégua.
Se realmente o país tivesse um Banco CENTRAL independente, certamente a inflação não estaria dando uma sova no orçamento das famílias. Ir ao supermercado tornou-se um suplício para muitas donas de casa. Elas estão sendo obrigadas a retirar dos carrinhos itens importantes porque o salário já não comporta tantos reajustes. Isso só comprova o quanto Dilma distorceu o debate sobre a autonomia em lei do BC durante o primeiro turno das eleições. Não é o fato de se instituir mandatos fixos para os diretores da autoridade monetária e protegê-los de pressões políticas que as famílias ficarão sem comida à mesa. O que diminui a capacidade de compra dos trabalhadores é a inflação alta.
Dilma e seu ministro da Fazenda alardeiam que aqueles que defendem inflação mais baixa são partidários dos juros altos. Eles só esquecem de dizer que os juros sobem quando a carestia aumenta. Não se conhece hoje instrumento melhor para manter o custo de vida sob controle do que umapolítica monetária consistente. Infelizmente, não foi o que se viu no governo da petista, que tenta a reeleição.
Assim que foi eleita presidente da República, Dilma explicitou que não aceitaria um BC forte e cumpridor de sua missão. Mesmo com a inflação resistente, obrigou o Comitê de política monetária (Copom) a cortar a taxa básica (Selic) para o menor nível da história, 7,25% ao ano. O feito durou apenas seis meses. Por uma simples razão: vontade política não combina com decisões técnicas, não controla a inflação. Desde então, nunca mais o BC conseguiu controlar as expectativas dos agentes econômicos sobre a inflação. Os analistas veem o IPCA no teto da meta em 2015, o que compromete ainda mais a capacidade de reação da economia. Se 2014 está sendo um ano difícil, com recessão, é melhor preparar o coração: o próximo ano poderá ser ainda pior.
BC não jogou a toalha
Na tentativa de manter o pouco de credibilidade que ainda lhe resta, o Banco CENTRAL assegura que a guerra contra a inflação não acabou. E garante que o IPCA fechará o ano abaixo do teto da meta, de 6,5%. O BC mantém a projeção de 6,3%, mas, entre os analistas, é cada vez maior o ceticismo quanto à capacidade da instituição de derrubar o custo de vida sem uma ação mais efetiva, a começar pela alta da taxa básica de juros (Selic), que está em 11% ao ano, é a maior do mundo, mas, mesmo assim, não consegue domar o dragão.
Estiagem e calor antecipado
» Apesar do susto dos consumidores a cada ida ao supermercado, o Banco CENTRAL vê um quadro confortável para a inflação. Atribui a disparada dos preços dos alimentos ao prolongamento da estiagem, que reduziu a oferta de produtos agrícolas a curto prazo, como carnes, leites e derivados. Diz ainda que, com a onda de calor, houve a antecipação da coleção primavera-verão, que encareceu os itens de vestuário. Diante disso, o BC prevê que as atuais pressões sobre a inflação vão arrefecer.
Alta do dólar e da gasolina
» O Banco CENTRAL mostra ainda confiança na capacidade dos preços das commodities (mercadorias com cotação internacional) de minimizar os impactos da alta do dólar na economia. E ressalta que, com a baixa nas cotações do barril do petróleo, diminuiu a defasagem entre os valores da gasolina no país e no exterior. Isso poderia levar o governo a postergar o reajuste dos combustíveis para além de novembro.
Fonte: Correio Braziliense