Por que o Brasil cresceu tão pouco

    Por Yoshiaki Nakano

    O Brasil, pelo seu potencial de recursos e pelo seu histórico, deveria crescer pelo menos como os demais países emergentes, que crescem, em média, mais de 4% ao ano. No século passado, o Brasil foi campeão de crescimento durante décadas, crescendo 7% ao ano, de 1940 a 1980. Depois de 1980, entramos num longo período de baixo crescimento. A exceção foi o período de 2004 a 2010 que crescemos, em média, cerca de 4% a.a. Nesse período, tivemos forte choque positivo nos termos de troca, dado o aumento nos preços das commodities e forte demanda da China. No entanto, esse ciclo está chegando ao fim, e desde 2011 passamos a crescer metade se comparamos a esse período anterior.

     

    No primeiro semestre de 2014, entramos numa recessão técnica e nossa taxa de crescimento para o ano deverá ser nula. Essa recessão não parece ser fase de um ciclo, com recuperação automática no curto prazo, bastando, para isto, dissipar o pessimismo que reina no setor empresarial.

     

    Nenhum analista que se debruça sobre os nossos problemas espera uma recuperação significativa nos próximos dois anos. A maioria espera um crescimento de 1,5%, na melhor das hipóteses. Tudo indica que entramos novamente numa semi-estagnação de crescimento, que tem caracterizado a economia desde 1980, com o agravante que estamos em pleno emprego e a força de trabalho crescerá pouco mais de 1% a 1,5% nos próximos anos.

     

    Só em infraestrutura seriam necessários 7% do PIB ao ano pelos próximos 30 anos para eliminar a defasagem

     

    Por que crescemos tão pouco, muito abaixo dos nossos parceiros emergentes?

     

    A resposta é surpreendentemente simples. Basta comparar os dados macroeconômicos básicos, para os nossos problemas saltarem ao olhos. Vamos aos fatos.

     

    Os países emergentes estão desacelerando, mas vão crescer este ano entre 4% e 5% e estão investindo cerca de 25% a 30% do PIB. O Brasil vai investir este ano 17% do PIB, próximo da média dos últimos anos. Assim, para crescermos 4%, seria razoável supor que teríamos que aumentar a taxa de investimento dos atuais 17% do PIB, para, pelo menos, 25% do PIB. Um esforço adicional de 8 pontos percentuais do PIB. Estima-se que, só em infraestrutura, seriam necessários 7% do PIB, anualmente, pelos próximos 30 anos, para eliminarmos a defasagem e alcançarmos níveis similares aos da Coreia do Sul ou mesmo da China.

     

    Considerando que temos um déficit em transações correntes de 3,6% do PIB, e que no longo prazo é preciso equilibrá-lo, significa que a magnitude do ajuste necessário é da ordem de mais de 10% do PIB. Com os estímulos dados pelo governo para o consume privado e expansão de seus gastos, o consumo total deverá, este ano, ultrapassar 85% do PIB. Reduzi-lo para 75% do PIB é impensável para qualquer que seja o presidente eleito. No curto e médio prazos, teremos que nos conformar com baixo crescimento, na hipótese favorável de 2%.

     

    Outro problema que salta aos olhos é o nível das nossas taxas reais de juros. Novamente estamos fora da curva. A razão central é que o BancoCENTRAL é o único, no mundo, que utiliza a taxa de juros de títulos públicos de longo prazo, a taxa Selic pagas pelas LFTs, como taxa básica para fazer política monetária. Assim, remunera no mercado de moeda as sobras de caixa dos bancos como se fosse investimento. Pior, é indexada à taxa diária de juros, portanto sem risco de juros, reduzindo toda potência da política monetária.

     

    A consequência é o deslocamento de toda curva de juros para cima fazendo com que o custo de capital para as empresas esteja muito acima dos nossos parceiros comerciais. A rigor, com esse sistema operacional, o Banco CENTRAL aprisiona praticamente toda poupança do país no curtíssimo prazo (overnight, operações compromissadas etc). Neste quadro, não há como desenvolver mercado de capitais de longo prazo, vital para acelerar o investimento.

     

    Com taxa de juros tão elevada, é natural que a taxa de câmbio seja tão apreciada. Com diferencial muito elevado em relação à internacional, temos tido “booms” de entrada de capital, seguidos de “paradas súbitas”. Daí, ciclos de expansão e contração do crédito e da economia. A consequência é a grande volatilidade (alto risco para investidor) e tendência persistente de apreciação.

     

    Essa tendência à apreciação cambial provocou a desindustrialização do país. A participação da indústria de transformação de l8,5% do PIB, em 2004, caiu para menos do 13% do PIB hoje. A margem de lucro da indústria manufatureira tem sido fortemente comprimida, reduzindo o principal componente da poupança doméstica.

     

    A taxa de câmbio apreciada criou um forte viés anti-indústria (reduziu preços do setor de bens comercializáveis) a favor do setor de serviços (não comercializáveis, que aumentaram seus preços fortemente). Por isso, a expansão maior desse setor, enquanto a indústria encolheu. Temos assim, um processo de involução estrutural, com queda na produtividade.

     

    Finalmente, a nossa carga tributária é a mais alta no mundo, entre os países com renda média, sufocando o setor privado, e os serviços públicos são de péssima qualidade. O governo extrai recursos, principalmente da indústria, setor com produtividade mais elevada, para transferi-los para burocracia extremamente ineficiente e seus aliados. Foi isso que levou a população brasileira às ruas em junho do ano passado. Apesar da elevada carga tributária de 36% do PIB, temos ainda um déficit público de mais do que 3% do PIB, o que significa que o governo apropria cerca de 40% do PIB.

     

    A dívida pública em relação ao PIB não é tão elevada, mas é de curto prazo, vencendo em cerca de 4 anos, com juros implícitos de 17%. Dado esse quadro, não é de estranhar que o mercado financeiro esteja preocupado com a geração de superávit primário.

     

    O Brasil precisa convergir para os padrões internacionais dos países emergentes. Este seria um ótimo programa de governo para o próximo presidente eleito.

     

    Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP).

     

    Fonte: Valor Econômico

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