“Discrepância” entre Tesouro e BC dispara

    Em 2011, a diferença no cálculo do desempenho fiscal foi de R$ 489 milhões; neste ano, até agosto, o valor já está em R$ 3,1 bilhões

    A diferença entre o desempenho fiscal calculado pelo Banco CENTRAL e pelo Tesouro Nacional tem criado um ruído adicional na comunicação entre o governo Dilma Rousseff e o mercado financeiro. Neste ano, somente até agosto, o resultado primário do governo federal estimado pelo Banco CENTRAL foi RS 3,1 bilhões pior do que o calculado pelo Tesouro.

     

    Essa divergência tem aumentado ao longo dos últimos anos. Em 2011, a chamada “discrepância” tinha sido de apenas RS 489 milhões. Em 2013, somando todas as pequenas diferenças em 12 meses, a conta chegou a RS 1,78 bilhão.

     

    A “discrepância” ocorre, oficialmente, porque o BC faz a estimativa seguindo critério “abaixo da linha”, que leva em consideração a evolução do endividamento do governo central. O Tesouro faz esse cálculo “acima da linha”, isto é, pelos fluxos de caixa – tudo o que entra nos cofres federais como receita é subtraído daquilo que sai como despesa.

     

    A divergência entre os resultados fiscais de BC e Tesouro sempre existiu, mas está em alta e tem dificultado a análise das contas públicas. Parte da diferença deve-se, segundo especialistas no tema, às várias manobras contábeis adotadas pelo Tesouro para fechar as contas e às chamadas “pedaladas fiscais” que reduziram de forma artificial as despesas federais ao adiar pagamentos obrigatórios da União.

     

    No ano, a meta de economia para pagar juros da dívida do governo central (constituído por Tesouro, BC e Previdência) é de R$ 80,8 bilhões. Mas essa poupança fiscal somou apenas RS 4,6 bilhões até agosto, segundo as contas do Tesouro. Na conta do Banco CENTRAL, foi ainda menor-RS 1,5 bilhão.

     

    O mercado tem adotado uma posição cética quanto à política conduzida pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin. “O Tesouro calcula quanto gastou e quanto recebeu, e o BC estima o endividamento ou o aumento do patrimônio decorrente desses fluxos, ou seja, a necessidade de financiamento do setor público. Essas contas deveriam ser bem aproximadas”, afirma Bernardo Wjuniski, diretor de América Latina da Medley Global Advisors.

    O economista-chefe da Tullet Prebon Brasil, Fernando Montero, especialista em contas públicas, afirma que desvios e ajustes metodológicos entre as duas contas são normais, mas não na magnitude atual. “Claramente, há operações que não aparecem como pagamentos primários nas contas do Tesouro e sim como endividamento, portanto como déficit, nas contas do BC. É incrível que o BC capture melhor as contas do Tesouro do que o próprio Tesouro”, diz Montero, que citou também os “indícios de pedaladas” nas contas do Tesouro.

     

    Procurados pela reportagem, BC e Tesouro decidiram não se manifestar.

     

    Conta paralela. A discrepância neste ano poderia ter sido ainda maior. Em maio, concluído o levantamento das estatísticas fiscais, o BC percebeu uma diferença expressiva de RS 4 bilhões para o resultado do Tesouro. Ao descobrir que o dinheiro estava em uma “conta paralela” de um Banco privado, o BC incorporou esse valor nas contas. Ainda assim, as estatísticas do governo central, segundo o critério do BC, foram cerca de R$ 500 milhões piores em maio do que o estimado pelo Tesouro.

    Essa manobra nunca foi explicada. A origem do dinheiro, que representa um crédito a favor da União, também não foi esclarecida até aqui. No entanto, a descoberta do dinheiro ajudou a reduzir o rombo nas contas públicas de maio. À época, um porta-voz do BC admitiu, em duas entrevistas ao Estado, que o déficit fiscal “seria de R$ 15 bilhões, mas foi de R$ 11 bilhões” por causa da discrepância de RS 4 bilhões.

     

    O BC colocou sua área de supervisão para inspecionar a operação realizada pelo Banco privado. Em resposta ao questionamento feito pelo Estado por meio da Lei de acesso à informação, o Banco afirmou que a investigação conduzida por sua área de supervisão continua, mesmo depois de 100 dias.

     

    É um tempo incomum de duração para investigações desse tipo, segundo advogados especialistas. Essas auditorias do BC costumam ser rápidas e secretas. O caso dos RS 4 bilhões não foi, até aqui, nem um nem outro. Questionado sobre a operação à época, o próprio BC deu publicidade à investigação, em nota oficial de 15 de julho.

    • Tempo incomum 

     

    Investigação feita pelo Banco CENTRAL para descobrir a origem dos R$ 4 bilhões encontradas em uma conta paralela já chega a 100 dias, sem que se tenha alcançado uma conclusão.

     

    PRESTE ATENÇÃO

     

    1. A divergência entre os resultados fiscais do BC e • do Tesouro sempre existiriam, mas tem crescido muito e, com isso, dificultado a análise das contas públicas.

     

    2. Discrepância poderia ter sido ainda maior. Em maio, o BC percebeu uma diferença de R$ 4 bilhões para o resultado do Tesouro numa conta paralela de um Banco privado. O Banco incorporou essa quantia, que ajudou a reduzir o rombo nas contas.

     

    3. O motivo dessa diferença ocorre, oficialmente, porque o BC leva em consideração a evolução do endividamento do governo central. Já o Tesouro subtrai tudo que entra nos cofres federais como receita daquilo que sai como despesa.

     

    Fonte: O Estado de S Paulo

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