Alta de 0,1% do PIB com sabor de estagnação

    Variação positiva no terceiro trimestre não sinaliza recuperação da economia, dizem analistas. País deve fechar 2014 no azul, mas com crescimento bem pequeno, entre 0,2% a 0,3%

    O avanço de 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro na passagem do 2° trimestre para o 3° trimestre desse ano, divulgado na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não foi recebido com entusiasmo pelos economistas. O resultado, embora melhor do que o do trimestre imediatamente anterior, que registrou recuou de 0,6%, é definido como uma variação positiva estatisticamente, que apontaria mais para a estabilidade do que para uma tendência de recuperação da economia.

    Na comparação com o 3° trimestre do ano passado, o PIB apresentou variação negativa de 0,2%, menor do que a do 2° trimestre, quando tinha marcado retração de 0,9%. No acumulado do ano, o crescimento econômico está em 0,2%. E nos últimos quatro trimestres a expansão é de 0,7%.

    Em nota, o Ministério da Fazenda considerou positivo o resultado do PIB, afirmando que “mostra que a economia entrou em processo de retomada do crescimento econômico, embora em ritmo ainda modesto”. Mas, para o professor de Economia do Insper Otto Nogami é cedo para falar em recuperação. “Pode-se até dizer que, comparativamente ao trimestre anterior, saímos da recessão técnica. Mas, num ciclo de análise, é sempre melhor olharmos o acumulado dos quatro trimestres. E ele nos mostra uma tendência ainda declinante da atividade econômica. Sem dúvida alguma, não dá para dizer que há uma recuperação”, atesta.

    Nogami considera que o ponto chave para a sinalização de um crescimento da economia está na recuperação dos investimentos. Na passagem do 2° para o 3° trimestre, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) registrou avanço, de 1,3%. Uma boa notícia, no ponto de vista do professor Antonio Carlos Porto Gonçalves, da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas.

    “Saímos da linha de quatro trimestres com taxas abaixo de zero”, afirma Gonçalves, que considera que o efeito eleitoral, com a finalização de obras, pode ter ficado embutido no resultado final.

    Já o economista do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, Vinícius Botelho, considera que a expansão nos investimentos está mais para um pequeno fôlego de uma economia que tenta sair do fundo do poço. Na comparação com o 3° trimestre de 2013, a FBCF apresentou retração de 8,5%.

    “Essa alta nos investimentos na passagem do 2° para o 3° trimestre parece ter relação com a conclusão de obras e um ajuste do maior número de dias úteis. A perspectiva de investimentos para o país ainda se mantém ruim. A depreciação cambial aumenta o custo dos investimentos e piora as perspectivas de crescimento. Além disso, o patamar de confiança na economia, apontado nas sondagens da FGV, ainda é muito deteriorado. Devemos permanecer com uma atividade econômica pálida”, completa Botelho.

    Otto Nogami também não acredita em uma reviravolta da atividade econômica no curto prazo, visto que os investimentos pelas empresas no fim do ano tendem a cair. Um cenário que, para o especialista, pode comprometer o resultado do PIB do último trimestre do ano.

    “Dezembro é um mês de menos dias úteis e dificilmente as empresas fazem encomendas de máquinas e ferramentas. A percepção que se tem é que os investimentos devem cair ainda mais e isso é preocupante, porque são fundamentais para um país que tem a intenção de resgatar o processo de crescimento de sua economia”, observa.

    Outro fator que pode comprometer o resultado final da atividade econômica no 4° trimestre são as baixas perspectivas de uma recuperação da atividade industrial. O setor, que surpreendeu ao quebrar com a série de quatro trimestres de resultados negativos, atingindo um crescimento de 1,7% na passagem do 2° para o 3° trimestre – puxado pela indústria extrativa e o aumento da produção de petróleo e gás e minério de ferro -, deve ter efeitos pouco favoráveis neste fim de ano.

    “Temos a indicação de que a construção civil pode ter resultados menores e a indústria de transformação, influenciada pela indústria automobilística, também. O setor costuma dar férias coletivas no fim do ano. Esses dois componentes devem pressionar o PIB para um resultado menor”, prevê Botelho, lembrando que a retração no consumo das famílias – que recuou 0,3% no 3° trimestre, frente ao 2° – tem provocado um ajuste dos estoques pelas indústrias para se adequar à demanda.

    “O 4° trimestre deve registrar variação positiva de 0,5%. O que deve levar o país a fechar o ano com um tímido crescimento entre 0,2% a 0,3% em linha com que o Boletim Focus vem apontando”, diz o especialista da FGV/Ibre.

    Mais pessimista com os efeitos que a desaceleração do mercado de trabalho, da renda dos assalariados e do encarecimento do crédito vêm provocando para a retração do consumo das famílias, a Confederação Nacional do Comércio Economista (CNC) projeta um crescimento de 0,2% para o PIB de 2014, e de 1% para 2015.

    Segundo o IBGE, a massa salarial real no 3° trimestre de 2014, frente ao 3° de 2013, cresceu menos, atingindo alta de 2,9%. No trimestre anterior, frente ao 2° de 2013, a taxa fora de 4,1%.

    IBGE vai revisar base de dados do PIB em 2015

    Os dados anuais e trimestrais do PIB estão sendo revistos pelo IBGE, que passará a usar o ano base de 2010. A partir de março, o instituto deve divulgar as revisões. O diretor de Pesquisas do IBGE, Roberto Luis Olinto, esclareceu, na sexta-feira, que a metodologia de cálculo do PIB não sofrerá alterações. A mudança virá apenas da introdução de novas fontes de dados, que seguirão recomendações internacionais. “A meta estabelecida nas reuniões de Contas Nacionais nos fóruns das Nações Unidas é a de que todos os países se esforcem para divulgar as novas contas entre 2014 a 2016”, esclareceu.

    “O 4° trimestre deve registrar alta de 0,5%, e levar o país a fechar o ano com um tímido crescimento entre 0,2% a 0,3%, em linha com as previsões do Focus ” Vinícius Botelho Economista da FGV/Ibre

    De uma forma otimista, pode-se até dizer que, comparativamente ao trimestre anterior, saímos da recessão técnica. Mas no acumulado de quatro trimestres, a tendência é declinante”

     

    Otto Nogami

    Economista e professor do Insper

     

    Fonte: Brasil Econômico

    Matéria anteriorBC reforça a dose de juros
    Matéria seguinteOrçamento será votado em 2015, preveem líderes