Em nome do resgate da confiança na política econômica e negando ter um saco de maldades nas mãos, ministro da Fazenda, Joaquim Levy, avisa que vai elevar carga tributária e liberar Petrobras para reajustar preços, apesar do impacto na carestia
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, deixou bem claro que o aumento de impostos será inevitável, diante da deterioração das contas públicas. Nesse choque de realidade, ele até liberou a Petrobras para reajustar os preços de gasolina quando achar necessário. “Não temos nenhum objetivo de fazer um saco de maldade nem pacote, nada disso. Vamos ter que tomar algumas medidas. Acho que está bastante claro. Vocês conhecem as limitações dos gastos. Estamos avaliando”, declarou ele ontem, durante café da manhã com jornalistas.
Levy fez questão mostrar que a nova gestão da economia será a austera, e comparou o governo com qualquer pessoa ou família cujo acerto do orçamento pode obrigar a deixar a balada de lado para comprar um tênis ou o material escolar. “O que a gente está fazendo é mais ou menos isso. São decisões que todo mundo tem que tomar para ir em frente”, afirmou.
O ministro explicou que os impostos fazem parte dos movimentos do governo compatíveis com o objetivo de elevar a poupança pública, ressaltando que os aumentos não deverão comprometer a atividade econômica, muito menos o cotidiano das empresas de todos os portes. Ele também destacou que os ajustes tributários manterão direitos, mas corrigindo distorções, a exemplo da recente mudança nas regras de acesso aos benefícios da Previdência. “O objetivo original de uma pensão é proteger uma família que o provedor desapareceu de repente, e não é exatamente proporcionar renda vitalícia para alguém que tem capacidade de trabalhar”, sublinhou.
Entre as ações que Levy não classifica como “maldade” está a sinalização de que a Petrobras não será mais usada para controlar a inflação, voltando-se aos seus próprios interesses empresariais. Isso significa que seus preços podem subir com mais força em 2015. Nos últimos anos, o governo segurou o custo dos combustíveis na tentativa de manter a carestia abaixo do teto da meta, o que abriu um rombo no caixa da estatal. “A Petrobras é, antes de tudo, uma empresa”, reiterou.
Inflação
Para Adriana Molinari, da consultoria Tendências, como os preços dos combustíveis no mercado internacional caíram em razão do derretimento do valor do barril de petróleo nos últimos meses, a Petrobras não deve, por enquanto, mexer na tabela das refinarias. “Se a estatal for atuar no sentido de equilibrar preços com o mercado externo, teria que reajustar para baixo. Isso não deve ocorrer por hora porque a empresa necessita de caixa”, explicou.
Apesar disso, a consultoria prevê um avanço de 12,6% este ano no valor da gasolina nas bombas, que deverá ser influenciado, sobretudo, pelo aumento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que incide sobre o preço dos combustíveis, esperado para fevereiro.
Mesmo com aumento de impostos e gasolina, Levy repetiu que a inflação deve ceder e chegar ao centro da meta, 4,5%, até 2016. Em 2014, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) raspou no teto da meta, de 6,5% anuais, e fechou o ano em 6,41%.
Para isso, o ministro afirmou que as políticas fiscal e monetária devem andar juntas nesse segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. “Em todos os lugares do mundo há a tentação de jogar em cima da política monetária todo o esforço para controlar a inflação. É lógico que os juros têm um papel fundamental nisso, mas se o governo está gastando muito, ele se torna bastante pesado para o Banco CENTRAL (BC)”, ilustrou.
O mercado, no entanto, é menos otimista em relação às projeções do titular da Fazenda. Conforme o Boletim Focus, do BC, a expectativa para o IPCA este ano é de 6,6%, caindo para 5,7% em 2016, ainda distante do centro da meta. “No nosso cenário não existe convergência para a meta em 2016. Este ano, deve pesar o aumento da conta de luz, que estimamos em 24,6%, da Cide e das tarifas de ônibus urbano”, salientou Adriana, da Tendências.
Espírito de mudança
O chefe da equipe econômica assegurou que a grande expectativa da população ano passado era a de mudança. Por isso, haverá alterações no “jeito de jogar”. “Uma tarefa comum de governo é a de estabelecer a confiança e as condições para atrair o capital doméstico e estrangeiro, despertando a sua vontade de investir”, afirmou.
Nesse sentido, Levy indicou que, na atual conjuntura, ainda é difícil traçar metas de longo prazo, como a que ele costumava defender, de redução da dívida bruta para 50% do Produto Interno Bruto (PIB). “Nosso objetivo é garantir estabilização a partir de 2016 e, depois, começar realmente uma trajetória para (a dívida) começar a cair. Quanto tempo vai demorar? Vai depender da própria política fiscal e do crescimento (do PIB)”, disse. Ele fez questão de lembrar a meta federal de poupar 1,2% do PIB, cerca de R$ 66 bilhões, que prometeu assim que foi indicado para o cargo, no início de dezembro.
Na avaliação do economista Samuel Pessoa, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o discurso de Levy vem sendo coerente, no sentido de o governo mostrar mais austeridade e, assim, conseguir entregar a meta fiscal. “O caminho é desfazer o que foi feito. Exceto a desoneração da cesta básica, que tem motivos sociais óbvios, todas outras precisam ser discutidas. Até a da folha salarial”, avaliou.
O economista José Luis Oreiro, professor de Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), enxergou nas declarações de Levy um acerto gradual das contas públicas. “Algum impacto recessivo será inevitável, mas o maior desafio do ministro será fazer um ajuste suficientemente forte para reconquistar a confiança, sem jogar a economia numa grande recessão”, comentou.
Recompensa
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, colocou um alvo ambicioso para o país, em meio às dificuldades atuais da economia. Para ele, importante agora é trabalhar forte e ter o mínimo de ambição para, um dia, o Brasil alcançar a nota de crédito A. “Não temos que estar indo para baixo”, afirmou, lembrando que vários países, inclusive europeus, “andam descendo a escadinha”. “Com nosso estágio de desenvolvimento, temos que estar pensando em crescer, subir. A gente tem que se preparar, ter trabalho, organização e persistência. Mas não tem razão nenhuma para o Brasil não estar entre os melhores”, explicou.
Fome de gol
Joaquim Levy e a sua equipe na Fazenda estão com fome de gol. Em uma analogia “canhestra” com o futebol, como ele mesmo denominou, o economista comparou o novo mandato da presidente Dilma Rousseff a um segundo tempo de uma partida na qual a primeira etapa foi “zero a zero”. “Quem já viu o futebol sabe que zero a zero é difícil. Estamos no segundo tempo, com a formação um pouco diferente, com fome de fazer gol e muita atenção também para não levar gol”, disse o botafoguense, time que foi rebaixado no ano passado, para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro.
Fonte: Correio Braziliense