Racionamento duplo aumenta impactos negativos sobre o PIB

    O perfil do consumo de energia elétrica seguiu as alterações na composição do Produto Interno Bruto (PIB) e mudou nos últimos anos – com perda de participação da indústria e maior peso de serviços e do consumo das famílias. Essa mudança, aliada a um aumento da autogeração de energia elétrica e a perspectiva de um racionamento menos intenso, pode fazer com que o impacto de um eventual controle no uso desse insumo seja um pouco menos intenso sobre a produção do que foi em 2001, quando 80% da retração da economia veio do setor. Por outro lado, a restrição no uso da água eleva os impacto negativos sobre toda a economia e atinge também fortemente o setor de serviços, que ao longo dos anos passou a consumir proporcionalmente mais energia.

     

    Isoladamente, o cenário energético de 2015 ainda é menos grave que o de 2001, mas a crise na água impõe riscos adicionais e mais difíceis de serem mensurados. Em 2001, o racionamento foi de 20%, na média. Hoje, as estimativas são de que um corte menor na energia (entre 5% e 10%) seria suficiente e provocaria perda adicional de 0,5 a 1,4 ponto percentual no PIB no prazo de um ano, com maior impacto nos dois primeiros trimestres. A restrição no uso da água adicionaria uma perda de 0,1 a 0,2 ponto percentual nessa conta.

     

    A perda decorrente da restrição no uso da água é considerada mais difícil de calcular, mas os economistas têm se dedicado ao assunto. OBanco Itaú considera que a restrição poderia chegar a 25% no sistema Cantareira e Alto Tietê, em São Paulo, e só isso causaria uma perda de 0,1% no PIB (o Banco restringiu as contas a esse sistema). O Banco J. Safra já embutiu na sua conta de queda de 0,5% no PIB em 2015 uma perda de 0,2 ponto decorrente dos cortes não oficiais que já ocorrem no fornecimento.

     

    As contas para o efeito da energia tomam por base um estudo feito pelo Banco CENTRAL em 2001, que estima o impacto em cada setor da economia a partir do seu consumo de energia elétrica. Aquele modelo está sendo ajustado considerando as medidas de eficiência adotadas desde então, a autoprodução, o maior uso de termelétricas e a mudança da composição do PIB.

     

    Há 14 anos, o corte de energia veio de surpresa, o sistema nacional não estava interligado e o peso da energia hidrelétrica era maior (90%). Entre o início de 2001e o segundo trimestre de 2002, o ritmo de crescimento do PIB recuou de 4% para 0,4%. A maior parte dessa redução decorreu do racionamento, mas o cenário externo (com crise argentina e o ataque terrorista nos Estados Unidos) também afetou o país.

     

    Priscilla Burity, economista do Banco Brasil Plural, observa que, desde 2001, o peso da autoprodução passou de 9% para 17% do total, o que ameniza o impacto do racionamento sobre a indústria. Ao mesmo tempo, ela vê menor espaço para economia de energia, porque as grandes empresas já incorporaram essa preocupação há 14 anos. Se em 2001 o Banco CENTRAL calculava em 50% a possibilidade de economia no uso desse insumo com otimização de processos, troca de lâmpadas, racionalização, etc., hoje esse percentual é menor para o Brasil Plural.

     

    Nas estimativas do Banco, o racionamento de energia tiraria 1,4 ponto do PIB e o peso da indústria seria de 50% (inferior, portanto, ao de 2001). O restante da contração viria no comércio (0,3 ponto), intermediação financeira (0,2 ponto), e transportes e agricultura (0,1 ponto cada). Essa conta é pelo lado da oferta no PIB, mas elas também refletem a retração de consumo das famílias em bens e serviços.

     

    Desde o racionamento, a indústria passou a consumir proporcionalmente menos energia, enquanto aumentou a demanda nas famílias, no comércio e nos serviços. Enquanto a produção industrial e o consumo de energia pelo setor cresceram 30% (entre 2003 e 2014), em serviços houve um descolamento, com o consumo de energia crescendo 90%, bem acima do PIB do setor, que evoluiu 47%. O consumo residencial também cresceu mais que o PIB, fato explicado pelo ganho de renda das famílias que colocou mais televisores, computadores e aparelhos de ar-condicionado dentro de casa, além de ter crescido o número de residências com luz elétrica.

     

    O cenário do Banco J. Safra já é de queda de 0,5% no PIB, em conta que embute perda de 0,2 ponto com água. Essa perda foi calculada pelo impacto na indústria e serviços na grande São Paulo extrapolado para as demais regiões eventualmente afetadas. Já um racionamento de energia de 10% por seis meses aumentaria essa queda em 1 ponto, elevando a retração do PIB em 2015 para 1,5%. Pelo lado da oferta, Carlos Kawall, economista-chefe da instituição, pondera que o investimento será o mais afetado. A projeção atual já é de queda de 5,3% (por conta dos efeitos da Operação Lava-Jato e do controle de gastos públicos), mas ela subiria para 7,5%, enquanto o consumo das famílias passaria de uma alta de 0,6% para menos 0,1% nessa hipótese de racionamento.

     

    Em 2001, enquanto o PIB já registrava aceleração no terceiro trimestre de 2002, a formação bruta de capital fixo (medida do investimento), só voltou ao terreno positivo no segundo trimestre de 2004, três anos após o início do racionamento. No período, o cenário também foi afetado pelas dúvidas com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo cenário externo.

     

    Na comparação com 2001, Kawall também destaca o maior uso de geração própria – pelos investimentos em autoprodução e por uma preparação mais recente. “Em 2001, o racionamento foi uma surpresa, mas hoje ele já é uma possibilidade desde o ano passado e muitas empresas têm comprado geradores e tomado outras medidas”, avalia. Ele estima que a retração da indústria passaria de 1,6% para 3,4% em 2015.

     

    Nas contas da Tendências Consultoria, a situação de oferta mudou muito (o peso das usinas térmicas passou de 14% para 26% e há mais linhas de transmissão, pois em 2001 o Sul não estava conectado e não podia mandar energia para o resto do país). “Esses fatores atenuam os efeitos do racionamento”, pondera Alessandra Ribeiro, sócia da consultoria. Mesmo assim, diz ela, os efeitos não são desprezíveis e a perspectiva de recessão que já está colocada piora a situação. O racionamento adicionaria 0,8 ponto de queda ao PIB, elevando a redução para 1,3 ponto. A estimativa considera economia compulsória de 10% de energia, e a indústria responde por 0,6 ponto e o comércio pelo restante.

     

    O departamento econômico do Itaú estima que, se for adotado um racionamento de energia, um corte de 5% pode ser suficiente, porque o sistema nacional é interligado e o Sul e o Norte, onde os reservatórios estão mais cheios, compensam parte da baixa energia armazenada no Sudeste e Nordeste.

     

    “Se houver racionamento, ele será menor”, avalia Irineu Carvalho, economista da instituição. Nas suas contas, cada 1% de corte de energia por seis meses provoca 0,1% de queda no PIB, e o cálculo também considera menor impacto proporcionalmente sobre a atividade em relação a 2001.

     

    Estimar a perda com a restrição no consumo de água foi mais complicado porque é um problema inédito, diz Carvalho. Com base no fluxo de uso de água e no cenário de chuvas fracas, o Banco estimou que seria preciso redução adicional de 25% no consumo para evitar o colapso do sistema Cantareira.

     

    A partir dessa estimativa, a conta do impacto foi completada pelo potencial de remanejamento da água do Alto Tietê, pelo tamanho de produção que existe nas cidades afetadas (Grande São Paulo, Campinas e cidades do entorno) e considerando que parte das empresas pode deslocar a produção para outras unidades. À conta da indústria foi acrescido o cálculo das perdas de hortifrutigranjeiros (cuja perda de produção pode gerar negócios em outras partes do país) e no setor de serviços (que não pode transferir produção). A conta mostrou que a perda chegaria a 0,1% do PIB, explica Carvalho.

     

    Fonte: Valor Econômico

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