A comunicação em zigue-zague do BC

    A comunicação do Banco CENTRAL (BC) com a sociedade continua sinuosa como as curvas da estrada de Santos. Num dia, o discurso é forte, duro, austero; noutro, é complacente, frouxo, condescendente. Ontem, o diretor de Assuntos Internacionais, Luiz Awazu Pereira, adotou um tom mais firme ao afirmar, em Istambul, que a política monetária vai se manter “especialmente vigilante” para impedir que as pressões inflacionárias de curto prazo se transmitam para “horizontes mais longos”. Ele disse, também, que o momento não está para complacência.

    A fala de Awazu foi importante por duas razões. Primeiro, porque ele é percebido no mercado como um integrante do Comitê de política monetária (Copom) menos afeito à ideia de uma política monetária que persiga, a qualquer custo, a meta de inflação de 4,5%. Depois, porque em breve Awazu assumirá a diretoria de Política Econômica, em substituição a Carlos Hamilton.

    Essa diretoria é a responsável pelos modelos por meio dos quais a diretoria do Banco CENTRAL acompanha de perto o comportamento da economia brasileira. É quem elabora os principais documentos da instituição, como o Relatório Trimestral de Inflação. Em quase cinco anos nesse posto, Hamilton notabilizou-se como aquele que fez um contraponto à visão excessivamente complacente do Copom com a inflação. 

    Para a antiga função de Awazu, foi indicado um economista de mercado, Tony Volpon, que possui boa reputação entre seus pares. Primeiro com essa origem a ser indicado para o BC desde a saída de Mário Mesquita – em março de 2010 -, Volpon tem tudo para enriquecer os debates do Copom. Possui formação acadêmica sólida e rica experiência de mercado, dentro e fora do Brasil. 

    As declarações de Awazu mexeram ontem com o mercado não sem uma boa dose de surpresa. O motivo é a comunicação em zigue-zague do Banco CENTRAL

    Para entendê-la, basta lembrar que 2014 terminou com o Relatório de Inflação dizendo que a “política monetária deve se manter especialmente vigilante, de modo a minimizar riscos de que níveis elevados de inflação, como o observado nos últimos 12 meses, persistam no horizonte relevante para a política monetária“. “Nesse sentido”, conclui o documento, “o Comitê irá fazer o que for necessário para que no próximo ano a inflação entre em longo período de declínio, que a levará à meta de 4,5% em 2016”. 

    Ao participar em dezembro de evento na Febraban, o presidente do BC, ALEXANDRE TOMBINI, afirmara que o Copom teria uma “política ativa” para combater os chamados efeitos secundários de um fenômeno vivido pela economia brasileira neste momento: uma inevitável correção de preços relativos (tanto no câmbio quanto nos preços administrados). O recado foi um só: o Comitê faria o que estivesse ao seu alcance para levar a inflação à meta de 4,5% em dezembro de 2016, algo que não se consegue desde 2009. 

    O problema é que, já em dezembro, o Comitê começou a desmontar essa linguagem. 

    Primeiro, usou a palavra “parcimônia” no comunicado e, na ata da reunião de janeiro, não fez menção à expressão “fazer o que for necessário” para atingir a meta no fim do próximo ano. 

    Para completar esse quadro, no parágrafo 31 dessa ata, praticamente desistiu do objetivo de levar o IPCA para 4,5% em 2016.

    Está dito lá: “A propósito, o Copom avalia que o cenário de convergência da inflação para 4,5% em 2016 tem se fortalecido. 

    Para o Comitê, contudo, os avanços alcançados no combate à inflação – a exemplo de sinais benignos vindos de indicadores de expectativas de médio e longo prazo – ainda não se mostram suficientes”. Chegar à meta no fim de 2016 deixou, portanto, de ser um compromisso e tornou-se uma possibilidade. 

    O mercado entendeu a mudança de discurso como um sinal de que o Copom reduziria o ritmo de alta da taxa básica de juros (Selic), na reunião de março, de 0,5% para 0,25%. 

    Agora, as expectativas estão retornando para 0,5%. Mas o que primeiro provocou a mudança de percepção foram os fatos e não a comunicação do BC: a inflação altíssima deste início de ano, provocada pela desvalorização do real e por reajustes elevados de uma série de preços. 

    “O Copom vai fazer o que precisa ser feito para levar essa inflação a 4,5% em 2016. Esta frase vale mais que ‘parcimônia’, mais que ‘política ativa’, mais que ‘especialmente vigilante'”, assegurou, ao titular desta coluna, uma alta fonte do governo. “O trabalho é desafiador porque, quando tira essa nuvem de preços administrados e câmbio, você olha uma expectativa de inflação no mercado dois anos à frente na faixa de 5,6%. 5,6% é a nuvem, então, tenho que trazer para 4,5%, não para 5,6%. Este é o maior desafio.” Os agentes econômicos têm motivos para não confiar plenamente no BC. Desde meados de 2010, a instituição não consegue coordenar bem as expectativas. Quando estas ficam fora do lugar, a política monetária se torna menos eficaz. 

    A atual diretoria é vista como excessivamente dócil aos interesses políticos do Palácio do Planalto, e nessa seara não se tem dúvida: a presidente Dilma Rousseff jamais se preocupou em levar a inflação para 4,5%. Para ela, perseguir a meta jogaria a economia numa recessão – curiosamente, o que acabou ocorrendo em seu primeiro mandato foi uma combinação de baixo crescimento (o segundo menor da história da República) com inflação alta. 

    “O que sempre dificultou muito é que havia aquela percepção de que o ministro da Fazenda [Guido Mantega] achava que 6,5% era um bom nível de inflação”, diz um dirigente do BC.

    “O outro era a presidente. Ela dizia que 6,5% está ‘o.k.’, o ministro dizia que 6,5% está ‘o.k. e o BC tendo que colocar a inflação em 4,5%. Aí, fica difícil. Como baixa para 4,5%? Haja juros.” O Banco CENTRAL tem agora uma ajuda inestimável para perseguir seus objetivos: o apoio de uma política fiscal austera e de um ministro da Fazenda preparado e ciente da necessidade de desinflacionar uma das economias mais inflacionadas do mundo. Mas, se deseja realmente atingir a meta, o BC precisa acertar a comunicação, parar com hesitações e cumprir sua missão obedecendo mais ao seu mandato constitucional do que a pressões políticas. A população entenderá seus propósitos. 

    BC assegura que missão continua sendo IPCA na meta em 2016 

    Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

     

    Fonte: Valor Econômico

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