Para melhorar eficiência do ajuste, é preciso quebrar rigidez do gasto

    A necessidade de quebrar a rigidez do gasto público – que hoje amarra 90% do orçamento federal e começou a ser colocada no debate pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy – é uma unanimidade entre os economistas que acompanham as contas públicas. Sem ela, dizem, o ajuste fiscal será sempre feito da forma menos eficiente: sobre o investimento e com aumento de carga tributária, modelo que constrange o crescimento futuro e a produtividade da economia. 

    Marcos Lisboa, diretor-presidente do Insper, calcula que mais de 90% do orçamento – algo entre 92% e 94% – é hoje fixado por lei, o que limita muito a capacidade de cortar gastos correntes. Por isso, diz, o ajuste fiscal vai se basear em corte de investimentos e aumento da carga tributária. 

    Em palestra durante evento em comemoração dos 15 anos do Valor, Levy enfatizou a importância do tema. Para o ministro, só será possível moderar a carga tributária com maior efetividade do gasto público. A rigidez, disse, dificulta a eficiência do gasto. “Se há rigidez, não há como ajustar [o gasto] para que se torne efetivo”, disse. 

    Para Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, uma das explicações para a falta de flexibilidade dos gastos orçamentários no Brasil é o elevado grau de vinculação das receitas. No caso do Ministério da Saúde, por exemplo, uma Emenda Constitucional aprovada no início deste ano prevê aumento gradual da despesa da pasta, até 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) daqui a cinco anos. 

    “É uma nova rigidez orçamentária e, inevitavelmente, vai aumentar o gasto na saúde. Se tivéssemos o melhor gestor do mundo nessa área e ele conseguisse economizar R$ 10 bilhões, teria que gastar o valor em outro lugar, porque é obrigatório por lei”. O que é possível, diz Mansueto, é que o gasto se torne mais eficiente, mas não que seja reduzido. Para o economista, mudar essa rigidez precisa, obrigatoriamente, passar pelo Congresso. 

    Marcos Mendes, consultor do Senado, concorda que aumentar a flexibilidade do gasto público depende do Legislativo, mas pondera que esse é um poder muito sensível a atuação de interesses particulares, em detrimento do interesse comum. Ele aponta que poderiam ser feitas medidas que não alterem o espírito de algumas “reservas” – como os 18% para a educação no nível federal -, mas que tornem o gasto menos atrelado ao ciclo econômico. Uma das propostas é alterar o prazo de 12 para 60 meses. 

    A regra atual obriga o governo, em um ano de bonança, a gastar tudo, sem poupar para anos seguintes. Em um ano de baixo crescimento, falta uma reserva que poderia vir do período de PIB forte. Uma ampliação da base de referência manteria um bom percentual, mas daria flexibilidade, pondera o economista, acrescentando que uma regra como essa pode ser alterada no Congresso como lei complementar, o que favorece sua tramitação no Legislativo. 

    Bernard Appy, diretor de Políticas Públicas e Tributação da LCA Consultores, acrescenta que alterar a rigidez do gasto público é fundamental para uma política fiscal que contribua para o crescimento. Appy também cita as vinculações de gastos nas áreas de saúde e educação, que criam “pisos” para essas despesas. 

    Às vezes, contudo, o problema mais urgente de um Estado pode ser a segurança, mas de cada real arrecadado a mais em ICMS, só 37,5% estão livres para gastos que não sejam educação, saúde, pagamento de dívidas e transferência aos municípios. 

    Um tipo diferente de “amarra” para a despesa pública está no conjunto de políticas sociais adotado depois da Constituição de 1988, afirma Samuel Pessoa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Ele calcula que o modelo em vigor leva a um aumento anual de 0,35 ponto do PIB do gasto social, em boa parte pelo ingresso de novos beneficiários no conjunto de programas sociais. “Se não tapar esse buraco, no longo prazo, não adianta”, diz. 

    Para Pessoa, é inevitável que o ajuste fiscal necessário, de 2% a 3% do PIB, seja alcançado sem novo aumento de carga tributária legal. 

    Para Mansueto, a vinculação de receitas do orçamento torna muito difícil fazer o ajuste fiscal proposto pelo governo, com volta do gasto discricionário aos mesmos níveis observados em 2013. Boa parte das despesas que podem ser cortadas fazem parte dos orçamentos de Educação e Saúde. Nos dois casos, a vinculação do gasto dificulta cortes mais expressivos nessas pastas. 

    Para Mansueto, o gasto que de fato pode ser enxugado soma, no máximo, algo como R$ 80 bilhões. Desse total, cerca de R$ 18 bilhões se referem à compensação do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) pela desoneração da folha de pagamentos. Entram ainda nessa conta os precatórios, que também não podem ser reduzidos. 

    Por isso, afirma o economista, sobram R$ 50 bilhões que podem efetivamente ser reduzidos. Ou seja, mesmo que metade dos 39 ministérios fosse extinta, a economia seria, na melhor das hipóteses, de R$ 25 bilhões – ou algo como 0,5 ponto do PIB. “Não é isso que resolve o ajuste fiscal”, afirmou.

     

    Fonte: Valor Econômico

    Matéria anteriorAgenda política
    Matéria seguinteDilma teve oito derrotas em três meses no Legislativo