Previdência sem risco

    O curtíssimo prazo reina. E, paradoxalmente, em um dos ramos da indústria de investimentos na qual o planejamento pode durar décadas: a previdência privada aberta. Nada menos que 90% do patrimônio líquido das carteiras que recebem recursos de planos PGBL e VGBL concentram-se em ativos atrelados à taxa de juros de um dia dos depósitos interfinanceiros (DI), segundo dados de maio do levantamento da consultoria NetQuant com 1.064 fundos do setor. 

    A constatação do alto grau de conservadorismo de alocações pode ser determinado a partir da aplicação de uma nova classificação criada neste ano pela NetQuant para a indústria de fundos de investimentos. Com uso de um método quantitativo, a consultoria reclassifica os portfólios para refletir de modo mais preciso a estratégia utilizada de fato pelos gestores naquele momento, o que permite uma leitura mais realista sobre os riscos aos quais estão expostos o investidor. 

    Antes das novas classes, a renda fixa, por exemplo, era aglutinada em uma só categoria, sem distinguir entre fundos com ativos predominantemente pós-fixados ou prefixados. Ou ainda, carteiras nas quais há fatia maior de crédito privado e estratégias ativas com benchmark definido pelo Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI). 

    Com a reclassificação, a renda fixa subdividiu-se em nove categorias (ver tabela) dentro do balanço de fundos de previdência da consultoria. “A nova metodologia foi criada para elucidar e explicar onde a pessoa está colocando seu dinheiro e qual o risco correspondente”, afirma o sócio da NetQuant, Marcelo Nazareth. Para a análise dos fundos de previdência aberta, a NetQuant só não desdobrou as classes multimercados e aquelas com possibilidade de aplicar parte dos recursos em renda variável. “As carteiras com renda variável se baseiam mais no percentual de participação, que vai até 49%, do que em estratégias ativas”, explica. 

    O levantamento mostra que os fundos de “inflação” foram a estratégia com maior retorno de longo prazo, com 69,84% em cinco anos, contra 50,98% das carteiras do tipo “pós-fixado conservador”, que concentram 90% ou mais de seus recursos em títulos atrelados ao CDI. Apesar da diferença, os fundos recheados de papéis indexados a índices de preços representam menos de 1% do patrimônio da indústria de previdência aberta. Já as carteiras do tipo “pós-fixado conservador” alcançam participação de 40%. 

    No mês passado, a categoria inflação foi a mais rentável, com retorno médio de 2,35%. Em cinco meses de 2015, também mantém-se no pódio entre as estratégias, com 7,59% de ganho. O diretor-geral da Mongeral Aegon, Cláudio Pires, chama a atenção para o forte desempenho do IMA-B, índice calculado pela Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) que mede o retorno de uma cesta teórica com vencimentos variados de NTN-Bs, títulos públicos atrelados ao IPCA que também pagam um percentual prefixado. O indicador, segundo o executivo, acumula 8,63% de ganhos no ano até maio, o que representa um retorno de 180% do CDI, “uma rentabilidade extraordinária”, considera. 

    As carteiras de “inflação”, junto com as categorias “pós & inflação”, com rentabilidade de 7,53%, e “multi-índices”, que registrou 5,69% de ganho, são as únicas a superarem o IPCA de 5,34% no acumulado de janeiro a maio. O CDI, com 4,81% no mesmo período, levou os rendimentos médios de fundos que investiram em títulos atrelados ao indexador a registrarem juro real negativo de 0,66% a 0,86% em cinco meses. 

    Quando segmentada em nove subclasses, a captação líquida da renda fixa também revela algumas surpresas. No acumulado de 2015, a categoria “pós-fixado conservador”, a maior da indústria em termos de patrimônio líquido, registra saídas de R$ 636 milhões. As carteiras com maior presença de crédito privado, por sua vez, tiveram crescimento expressivo no período. Os fundos “pós DI ativos” apresentaram entradas de R$ 8,8 bilhões, enquanto os portfólios “pós-fixado crédito” e “pós-fixado crédito +” tiveram, respectivamente, saldos positivos de R$ 3,7 bilhões e R$ 858 milhões. 

    Para o diretor técnico de vida e previdência da SulAmérica, Fabiano Lima, com a Selic no patamar atual de 13,75% ao ano, os investidores tendem a se posicionar de modo mais conservador. “Os fundos que têm um pouco mais crédito privado e vão além do DI puro já começam a ser mais atrativos, porque embutem prêmio maior e ainda têm baixo risco”, acrescenta. 

    Essa atratividade das estratégias pós-fixadas deve se manter até o segundo trimestre do ano que vem, conforme projeta o gestor de fundos de previdência da Porto Seguro, Humberto Vignatti. “A gente trabalha com a perspectiva de que o ciclo de redução de juros venha só no segundo trimestre de 2016, após um período prolongado de estabilidade da Selic“, afirma. Segundo o especialista, sua expectativa é a de que, no fim do ciclo de aperto monetário, o Banco Central possa ter elevado a taxa básica até 14% ao ano ou um pouco acima. 

    A concentração em papéis de curto prazo também se revela uma estratégia das seguradoras que oferecem os planos PGBL e VGBL para atrair os clientes. “Momentos turbulentos como o nosso fazem com que para se captar o cliente você ofereça primeiro um fundo que esteja atrelado a um benchmark que passe tranquilidade às pessoas como o CDI”, afirma o presidente da Bradesco Vida e Previdência, Lucio Flávio de Oliveira. 

    De acordo com o executivo, uma vantagem dos PGBLs e VGBLs em relação a outros produtos de aplicação financeira é a possibilidade de mudar de estratégia dentro do próprio plano, “sair de uma posição mais conservadora para uma um pouco mais arriscada, sem precisar realizar e sem pagar imposto”. Na avaliação de Oliveira, como se trata “muitas vezes da reserva de uma vida”, o cliente prefere esperar o momento de estabilidade para ser mais agressivo. 

    Apesar do cenário favorável aos pós-fixados, com a continuidade da alta da Selic, o risco tem compensado neste início de ano. “Mesmo num ambiente de alta de juros os produtos de inflação têm se destacado”, afirma Vignatti, da Porto Seguro. O gestor explica que, como o BC passou a subir a Selic com mais força, a curva longa de juros passou a fechar com a expectativa de convergência da inflação ao centro da meta em um futuro mais distante, gerando ganhos às NTN-Bs. “Além disso, os papéis mais curtos se beneficiaram de uma inflação muito elevada, que deve fechar o ano, em nossa projeção, na casa dos 9%”, diz Vignatti.

    Dos 8,63% de retorno do IMA-B de janeiro a maio, 5,34% vieram da inflação corrente, cita o diretor da Mongeral Aegon. “A parcela do IPCA no período é maior que o próprio CDI”, diz Pires. 

    Segundo o gestor da Porto, a estratégia de inflação ainda pode se beneficiar no longo prazo com o início de uma fase de baixa de juros pelo BC, quando a inflação estiver em declínio. “Até o fim do ano, pode ser uma oportunidade de se buscar mais risco e capturar essa tendência futura”, considera. 

    A captação líquida da previdência aberta alcançou R$ 3,37 bilhões em maio, segundo a NetQuant, resultado da entrada de R$ 3,7 bilhões nas categorias de renda fixa e da saída de R$ 324 milhões dos fundos com ações, multimercados e multi-índices. No ano, o saldo de aplicações está positivo em R$ 11,2 bilhões, evolução de 40% em relação ao mesmo período do ano passado. 

    Segundo Lima, da SulAmérica, embora o crescimento seja expressivo, “na verdade o movimento está corrigindo a desaceleração do início de 2014”. A fraqueza na captação do primeiro semestre do ano passado refletiu a forte volatilidade ocorrida em 2013, quando o início de um novo ciclo de alta dos juros pegou o setor no contrapé, em meio a um alongamento forçado das carteiras, resultando em perdas expressivas. Além disso, ele destaca a migração de recursos da poupança para a previdência.

     

    Fonte: Valor Econômico

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