Agravamento da crise política ameaça o mandato de Dilma

    Cercada pelo parlamento, afastada dos movimentos sociais e no curso de um arrocho fiscal que suprimiu direitos trabalhistas e previdenciários, quando prometeu exatamente o contrário na campanha eleitoral, a presidente Dilma Rousseff aposta suas últimas fichas no PMDB, a fim de recuperar governabilidade e se manter no cargo, onde está mais fraca a cada dia. O compromisso do PMDB, segundo seus dirigentes, é com a aprovação do ajuste fiscal e só depois analisar o leque de alternativas. 

    Dilma ampliou os poderes do vice-presidente Michel Temer, presidente do PMDB, na coordenação política, o que não é levado muito a sério pelos próprios pemedebistas. O vice agora pode também cobrar diretamente dos ministérios a nomeação das indicações partidárias para os cargos no primeiro escalão. As nomeações acertadas por Temer ou param na Casa Civil ou são boicotadas pelos próprios ministros de cada área. O resultado é a rebelião da base nas votações. 

    “O problema é que o governo não cumpre nada”, disse um dos integrantes da coordenação política ao Valor. “O Aloizio [Mercadante, ministro da Casa Civil] segura o que o Michel combina com as bancadas e o Joaquim Levy [ministro da Fazenda] não libera emendas. Tem prefeituras em estado lastimável”. O argumento que o ministro usa para não pagar, segundo esse líder, é que o Orçamento agora é impositivo para as emendas parlamentares. Ele não teria muito a fazer. Mas as demandas da base concretamente se referem aos restos a pagar dos exercícios de 2013 e 2014. 

    A crise já é discutida pelas cúpulas dos principais partidos, inclusive da oposição – o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deve ter um papel importante nas discussões. É consensual que a crise do governo se acelerou na última semana, após a delação premiada do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, e da popularidade da presidente despencar para a casa de um dígito nas pesquisas. O afastamento da presidente é hoje uma possibilidade maior que um mês atrás, quando Temer conseguiu reunir uma maioria para aprovar as medidas do ajuste fiscal, ao preço de ceder algumas mudanças. 

    Não fosse a aprovação do ajuste – falta ainda votar a medida das desonerações -, Dilma teria perdido de vez o controle da agenda do Congresso, que lhe impõe derrota em cima de derrota. Para ficar apenas em duas delas, Dilma perdeu o poder de indicar pelo menos mais quatro ministros do Supremo tribunal Federal, com a aprovação da PEC da Bengala, e na semana passada o Senado aprovou um aumento para o Judiciário que põe em xeque o ajuste fiscal. “A presidente está perdendo as condições de governar”, disse o senador José Serra (PSDB), mais sobretudo com a liberalidade fiscal do Congresso, nos últimos dias. 

    Do ponto de vista de aliados da presidente, a situação de Dilma se complica objetivamente por uma crise que se desdobra em três níveis. Num deles estão as manobras do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em parceria com o PSDB do senador Aécio Neves, candidato derrotado por Dilma na eleição de 2014, para desgastar e inviabilizar o governo. Cunha é a voz mais influente na defesa do afastamento de Temer da coordenação política. Argumento: ele é parte da solução do problema. 

    Outro nível é a Operação Lava-Jato. Ao fazer sua delação premiada, o empreiteiro Ricardo Pessoa definitivamente complicou o governo e o PT, ao colocar dinheiro da corrupção na Petrobras na reeleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, mas também na da presidente Dilma em 2014. Aliados de Dilma reconhecem que foi um erro a nomeação do ministro Edinho Silva (Comunicação de Governo, tesoureiro da campanha), citado na delação. Levou a Lava-Jato para dentro do Palácio do Planalto. 

    O terceiro nível é o ministro do STF Gilmar Mendes, relator de uma ação de impugnação da chapa Dilma-Michel feita pelo PSDB por abuso de poder econômico na campanha presidencial. Mendes estaria pronto para ouvir pessoas no âmbito da Lava-Jato, inclusive o dono da UTC, segundo informações chegadas ao PT. Há uma preocupação grande com as planilhas entregues por pessoa em sua delação premiada: relaciona a oposição, o fato é que os mais prejudicados serão o governo e o PT. 

    No quadro de agravamento da crise, já se discute as hipóteses para a sucessão antecipada de Dilma. A solução considerada menos traumática é que o cargo seja assumido pelo vice Michel Temer. Isso ocorreria no caso de a presidente renunciar ou sofrer o impeachment. No caso de impedimento, Dilma seria o segundo mandatário a ser afastado pelo Congresso num espaço de 30 anos de democracia contínua, o mais longo já vivido no país. 

    A pior solução seria a impugnação da chapa Dilma-Michel, o que deixaria o governo nas mãos de Eduardo Cunha – o presidente da Câmara é o segundo na linha sucessória -, num momento em que o deputado está particularmente forte. Cunha teria de convocar novas eleições, num prazo de 30 dias, se a impugnação da chapa ocorrer antes da metade do mandato, numa conjuntura delicada de um país dividido. Além disso, Cunha não é confiável para as elites políticas. Se o afastamento da chapa ocorrer depois da metade do mandato, o Congresso elege diretamente um sucessor. 

    A aposta de Dilma é o PMDB, apesar de suas divisões internas. A presidente ainda pode tentar mudar todo o ministério para se recompor com o Congresso, o que é improvável no caso de um governo fraco e agonizante, mas possível se recuperar popularidade. 

    De imediato, seria necessário unir o PT e se acertar com Lula. O problema, segundo um líder, é que “Dilma está cercada por um grupo que hostiliza o Lula e o Lula por um grupo que hostiliza a Dilma. E um não tem a humildade de se aproximar do outro”.

     

    Fonte: Valor Econômico

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