O ajuste fiscal, apesar da redução da meta de superávit primário, não foi derrotado, mas vai exigir que o governo federal e os petistas cedam ainda mais poderes, como fizeram em abril ao transferir a articulação política para o vice-presidente da República e líder do PMDB, Michel Temer. Mas nada que envolva uma aproximação entre PT e PSDB. Essa é a avaliação do cientista político Octavio Amorim, da FGV-Rio, que prevê três cenários para a travessia das crises política e econômica, reforçadas pela terceira, policial, com os desdobramentos da Operação Lava-Jato.
Para Amorim, no primeiro cenário, mais otimista, Executivo, Congresso, oposição, empresariado e sindicatos podem convergir para um governo de união nacional, com um “programa mínimo para se ajustarem as contas nacionais no meio da tempestade provocada pela Lava-Jato”.
O segundo cenário, mais pessimista, seria o de destituição da presidente Dilma Rousseff, seja a partir da rejeição das contas de governo peloTribunal de Contas da União (TCU), das contas de campanha pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou de uma tamanha desidratação de apoio no Congresso que motive um processo de impeachment.
No terceiro cenário – intermediário, e mais provável, de acordo com Amorim – a crise levará a um reforço da atual fórmula governativa, com concessão de mais poderes ao PMDB e a um ministro sem ligações com o PT, Joaquim Levy (Fazenda), além da inclusão dos governadores, para dar mais credibilidade ao ajuste fiscal.
Para Amorim, o primeiro cenário, que poderia incluir uma aproximação do PT com o PSDB, é pouco provável. Nesta semana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria procurado o antecessor e adversário político Fernando Henrique Cardoso. “Não vejo como o PT se conciliar com o PSDB, com FHC, que se tornaram seus principais inimigos nos últimos anos. A eleição passada foi muito polarizada. Dilma queimou muitas pontes”, diz o cientista político, referindo-se às críticas da campanha à reeleição ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) e ao ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga.
Para esse cenário otimista prevalecer, pondera Amorim, seria necessário que antes “as coisas piorassem” a tal ponto que a união nacional surgisse como melhor saída para a crise. “O cenário otimista implica um consenso com a Dilma e provavelmente sem o PT; o pessimista significa um consenso sem a Dilma e sem o PT”, resume.
O cientista político considera que o impeachment é mais provável hoje do que foi nos últimos meses, em virtude da queda vertiginosa da popularidade de Dilma, dos atropelos do ajuste fiscal e da possibilidade de grandes manifestações, como as marcadas para 16 de agosto. “O cenário pessimista só se materializa com o ronco das ruas”, pontua.
Octavio Amorim afirma ser contra o impeachment. Mas lembra que qualquer um dos três cenários representa perda de poder dos petistas. “PT e Dilma têm que ceder mais poder”, diz.
O pesquisador considera que a crise pode devolver aos governadores um novo protagonismo. “Eles tiveram um grande papel na redemocratização mas foram relegados nos últimos 10, 15 anos. Foram para o segundo time, durante esse período do PT na Presidência”, afirma Amorim, citando que o programa Bolsa Família, por exemplo, foi desenhado para passar pelos prefeitos e não pelos governadores.
No momento em que o Congresso Nacional não colabora com o ajuste fiscal e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), rompe com o governo federal, Dilma precisa ainda mais dos governadores. “Ajuste fiscal é um grande problema em qualquer democracia. E não se faz por uma canetada tecnocrática. É fundamental apoio político”, diz o professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape/FGV). Dilma convocou para quinta-feira, 30, a primeira e mais ampla reunião com governadores neste segundo mandato.
A despeito das dificuldades encontradas no Congresso, Octavio Amorim não considera que o pacote de medidas para equilibrar as contas públicas tenha sido um esforço em vão. “O ajuste fiscal não foi derrotado. O Congresso não deu tudo o que o Levy tinha pedido, mas o pacote avançou aos trancos e barrancos”, afirma.
Para Amorim, a redução da meta de superávit primário – para pagamento da dívida pública – de 1,1% para 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB) significa que o esforço maior de aperto fiscal, em vez de se concentrar neste e no próximo ano, vai se estender por 2017 e 2018, quando ocorrem as eleições presidenciais.
“Para o PT é ruim, mas não há outra saída. As contas públicas estão todas desordenadas e o país precisa se reequilibrar para não perder o grau de investimento”, diz. O rebaixamento da nota do Brasil pelas agências de classificação de risco é a grande ameaça que pode afugentar investidores e aprofundar a crise.
Evitar esse cenário é a principal missão do PT até 2018, afirma Amorim, mesmo que isso cause prejuízo eleitoral para o partido. Em sua opinião, o que está em jogo é se uma eventual derrota do PT à Presidência “vai ser acachapante, desmoralizante” ou “digna”, a ponto de permitir que a legenda volte ao poder mais à frente. “O PT tem que se preparar para perder bem. O ciclo não favorece um quinto mandato do partido”, vaticina o cientista político.
Os rumos do ajuste fiscal e seus efeitos eleitorais podem ser cruciais para os destinos do PT, analisa Amorim, que afirma haver o risco de o partido “ser um novo PMDB”. Hegemônico em meados dos anos 1980, o PMDB saiu tão enfraquecido do governo federal – depois do mandato de José Sarney (1985-1990) – que perdeu as eleições de 1989 e 1994, sem chegar aos 5%, e nunca mais disputou a Presidência. “O PT tem que escapar dessa ameaça. É importante que chegue bem em 2018, mesmo que para perder. É fundamental ter um partido âncora da esquerda, forte, viável e competitivo”, diz.
Sobre o futuro de Eduardo Cunha, Octavio Amorim afirma que o presidente da Câmara não terá muita alternativa que não seja a perda do posto, caso seja denunciado na Lava-Jato. “Há dezenas de precedentes, como o do Severino Cavalcanti (PP-PE). Cunha vai usar os poderes da presidência da Casa para peitar a Justiça?”, questiona Amorim.
Em 2005, o então presidente da Câmara renunciou ao mandato para escapar da cassação, depois de ser acusado de receber propinas mensais de R$ 10 mil, pagas pelo dono do restaurante da Câmara dos Deputados – escândalo que ficou conhecido como “mensalinho”.