FonteCindam: Lopes e ex-diretores do BC terão de devolver R$ 3,7 bi

    TCU ainda aplica multa de R$ 1 milhão aos envolvidos no caso, de 1999

    -BRASÍLIA- Em decisão unânime, o Tribunal de Contas da União (TCU) condenou ontem o ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes, os ex-diretores do BC Cláudio Ness Mauch e Demósthenes Madureira de Pinho Neto, o Banco FonteCindam e alguns de seus executivos a devolverem R$ 522 milhões aos cofres públicos. A cifra é de 1999 e ainda será corrigida. Deve alcançar R$ 3,77 bilhões. O TCU também multou o FonteCindam em R$ 1 bilhão e as pessoas físicas envolvidas em R$ 1 milhão cada. Segundo o TCU, trata-se das maiores cobranças de multa e ressarcimento já estabelecidas pelo tribunal. Os condenados ainda podem recorrer e, com isso, adiar ou até mesmo anular a punição. Mas, como o TCU decretou também a indisponibilidade dos seus bens por um ano, eles não poderão negociá-los.

    No caso do FonteCindam, foram condenados o dono da instituição, Luiz Antônio Andrade Gonçalves; e os herdeiros de outro controlador do banco, Roberto José Steinfeld, já falecido. No caso dos herdeiros, a medida vai até o limite do que foi transferido por meio da herança.

    “NÃO HAVIA AMPARO LEGAL”

    Segundo a relatora do processo, a ministra Ana Arraes, o socorro dado pelo BC ao FonteCindam em 1999, quando houve mudança do sistema de câmbio no país, não teve base técnica e beneficiou uns poucos em detrimento dos demais agentes do mercado. Além do FonteCindam, outro banco foi socorrido: o Marka, cujo processo ainda não foi julgado pelo TCU.

    – De forma simples, da noite do dia 13 para o dia 14 de janeiro de 1999, com base em conjecturas, sem qualquer análise técnica, sem adoção de qualquer outra medida que assegurasse a boa gestão desses recursos, foram entregues ao Banco FonteCindam mais de R$ 1 bilhão – afirmou Ana Arraes. – Não havia amparo legal para o Banco Central entregar patrimônio público de forma personalíssima, em afronta aos princípios da impessoalidade, da publicidade e da razoabilidade, para atender a interesses de alguns investidores, em detrimento de uma política monetária e cambial transparente e voltada à estabilidade do mercado e à proteção dos interesses de todos que investem suas economias.

    A ministra afirmou que não estava julgando a política monetária do BC, mas a forma como foi executada. Ela refutou um dos argumentos da diretoria da instituição na época, de que sera necessário socorrer os bancos para evitar uma crise sistêmica no país. Em seu voto, ela ressaltou que o FonteCindam “não estava na iminência de se tornar insolvente”. “Assim, sob esse aspecto de risco sistêmico, foi injustificável a atuação do Bacen.”

    Entre os tipos de recurso que podem ser apresentados estão os embargos de declaração, usados para esclarecer omissões, contradições e pontos obscuros do acórdão. Os condenados também podem pedir o reexame da questão.

    A cobrança dos R$ 3,77 bilhões, quando houver, ficará a cargo do BC. A multa é de responsabilidade da AdvocaciaGeral da União (AGU), a menos que os condenados façam os pagamentos espontaneamente. Já a indisponibilidade de bens depende da comunicação do TCU com os cartórios.

    Apesar de ser uma empresa privada, o FonteCindam está ao alcance do TCU porque recebeu dinheiro público federal. Qualquer empresa ou pessoa nessa situação pode ser julgada pelo tribunal.

    Os advogados dos envolvidos negaram irregularidades.

    – Era direito do FonteCidam comprar dólares no mercado à vista. O Banco Central tinha, inclusive, a obrigação de vender dólares sempre que a cotação atingisse o teto da banda cambial – disse Evie Nogueira Malafaia, que defende o FonteCindam.

    Arthur Lima Guedes, advogado dos ex- diretores do BC, ressaltou o contexto da época:

    – Trata-se de uma causa complexa. Envolve questões jurídicas e econômicas. Envolve análise de risco, decisões que precisam ser tomadas de maneira rápida, e um mercado que viveu uma crise muito grave, a crise cambial de 1999, talvez uma das maiores ameaças que o Plano Real sofreu.

    CONDENAÇÃO EM 2012

    Depois de dizer que o BC não se manifestaria, a assessoria informou que, embora não seja parte no processo, a instituição “avaliará as conclusões tão logo seja publicado o acórdão”. Demósthenes não foi encontrado, e Chico Lopes disse que não comentaria o caso.

    Em meio à crise da Rússia, em 1999, o governo brasileiro desvalorizou o dólar e mudou o regime cambial de fixo para a chamada banda diagonal endógena. Dois bancos alegaram não ter como honrar compromissos e recorreram ao BC. Com o argumento de evitar uma quebradeira no sistema bancário, o BC vendeu dólar mais barato ao Marka e ao FonteCindam, o que causou prejuízo de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos. Chico Lopes deixou a presidência do BC em seguida.

    Em 2012, o juiz Ênio Laércio Chappuis, da 22ª Vara Federal do Distrito Federal, condenou por improbidade administrativa os principais envolvidos no caso. E determinou que os réus terão de ressarcir ao erário R$ 895,8 milhões, em valores de 1999.<br< div=””>

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