PEC que eleva salários tira o sono do governo

    Proposta que vincula ganhos de diversas carreiras do serviço público aos vencimentos de ministros do STF entra na pauta da Câmara com encaminhamento favorável até de aliados do Planalto. Gasto adicional pode chegar a R$ 23 bilhões por ano

    A noite foi de apreensão, ontem, no Palácio do Planalto, com a inclusão, na pauta da Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 443/2009, um dos itens da pauta-bomba do Congresso que pode jogar por terra o que resta do ajuste fiscal do governo. A PEC tem o potencial de aumentar a despesa do governo federal com salários em R$ 8,1 bilhões anuais, e o de estados e municípios em R$ 15 bilhões. Isso teria um impacto maior do que o superavit primário esperado neste ano pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy após as medidas de ajuste fiscal: R$ 8,7 bilhões. Até as 0h30 de hoje, a proposta ainda não havia sido votada pelos deputados.    

    O texto vincula aos vencimentos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) os salários de advogados da União, dos estados e dos municípios; de delegados da Polícia Federal e de polícias civis estaduais; e de outras carreiras do serviço público federal. No nível mais alto, os vencimentos vão chegar a R$ 30.471 – 90,25% dos R$ 33.763 que recebem os ministros da mais alta corte do país. O aumento imediato nos contracheques seria de pelo menos 53%.    O vice-presidente Michel Temer (PMDB) reuniu-se ontem com o  advogado-geral da União, Luiz Inácio Adams, e os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Aviação Civil, Eliseu Padilha, para traçar uma estratégia que permitisse contornar a aprovação da PEC. No fim do encontro, falou a jornalistas ao lado dos ministros cobrando dos deputados “compromisso” com as contas públicas.    

    Na avaliação do líder do PSD na Câmara, Rogério Rosso (DF), que participou de reunião com Barbosa e Adams, os coordenadores políticos do governo falharam. “Eles demoraram para começar a atuar. Se continuar assim, vão perder todas.” Enquanto Temer pedia compromisso, na Câmara se afirmava que o insucesso do ajuste fiscal não pode ser creditado aos parlamentares. “A crise econômica ocorre porque o governo não tem coordenação política, então só vai ser resolvida com o afastamento da presidenteda República”, afirmou Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), companheiro de partido de Temer. “O PMDB nunca foi ouvido pelo governo, então não pode ter responsabilidade pela crise”, acrescentou. Corroborando a avaliação de que falta coordenação ao governo, o líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC) encaminhou voto favorável à proposta.

    Fraqueza

    Para Lima, a aprovação da PEC seria uma derrota do Planalto. Mas o aumento dos servidores dificilmente se tornará realidade em breve. Esse tipo de matéria precisa ser aprovada em dois turnos em cada Casa do Congresso. A PEC nº 300/2008, que vincula os salários de todos os policiais militares ao que recebem seus colegas do DistritoFederal, foi aprovada na Câmara em primeiro turno em 2010. Até hoje, não houve votação em segundo turno. Assim como no caso da PEC nº 433, é algo com grande impacto para os estados. E, nesse caso, o que conta não é a base do governo no Congresso Nacional, é a dos governadores.    

    A oposição, porém, não perdeu a chance de mostrar a fraqueza do Planalto, porém. “Se o governo acha tão importante rejeitar essa PEC, por que não mandou o ministro-chefe da Casa Civil (Aloizio Mercadante) aqui para dizer isso? Poderia enviar pelo menos um técnico. Mas não veio ninguém”, criticou Heráclito Fortes (PSB-PI). Heráclito credita o desarranjo econômico aos governos petistas. “Eles receberam um país arrumado e gastaram sem parar. Agora, vem a conta. E eles não conseguem mais nem mesmo ter controle da base parlamentar. Nós, da oposição, não teríamos votos suficientes para aprovar uma PEC como essa.”    

    Advogados de várias carreiras do governo federal e delegados de polícia lotaram as galerias da Câmara e o Salão Verde. Kleber Cabral, presidente da Unafisco Nacional, associação que reúne auditores da Receita, temia que a categoria fosse excluída do aumento. “Ficarmos de fora é um drama muito grande. É como olhar a grama do vizinho e ver que está mais verde.” Segundo Cabral, a exclusão dos auditores da Receita vai provocar um “problema institucional”. “Os auditores vão entregar os cargos de confiança que ocupam”, disse. Ele discorda de que a aprovação do aumento salarial vá agravar a crise fiscal. “A Receita é parte da solução, não do problema, pois é responsável pela arrecadação. Com maior estímulo, os auditores vão arrecadar mais.”    

    Para as entidades que representam os juízes, porém, o aumento é injusto. “Com essa PEC, as carreiras relacionadas do Poder Executivo buscam a equiparação remuneratória com a magistratura e o Ministério Público, sem arcar com os ônus”, afirma nota conjunta da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e da Associação Nacional dosMagistrados Federais (Anamatra). Para as entidades, a equiparação contraria a separação entre os poderes estabelecida na Constituição na forma de cláusula pétrea.

    Advogados

    O impacto dos aumentos para os advogados da União seria de R$ 853 milhões por ano, considerando-se os 2.451 procuradores da Fazenda, 604 defensores públicos federais e 3.147 advogados da Advocacia Geral da União (AGU). O teto salarial dessas categorias é atualmente de R$ 19.913.

    Auditores e analistas

    A conta sobe R$ 4,4 bilhões com a extensão do aumento para os 31.033 auditores da Receita Federal e para os 6.689 auditores do trabalho. Os 5.976 fiscais agropecuários representariam gasto extra de R$ 1,2 bilhão por ano. E os 9.576 analistas do Banco Central (BC) custariam com os aumentos R$ 1,7 bilhão a mais.

    Ministro quer evitar ruptura

    Para evitar uma “ruptura” no país e garantir a recuperação da economia, é necessário um entendimento com o Congresso, avaliou ontem o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A declaração do chefe da equipe econômica foi feita após reunião com o vice-presidente da República, Michel Temer, em que debateram a necessidade de aprovação, pelo Senado, do projeto de lei que reduz a desoneração da folha de pagamento de diversos setores. 

    “Conversa, paciência e persistência é o que a gente precisa. A situação econômica e fiscal é muita séria. Temos que ter tranquilidade e firmeza para continuar o diálogo e alcançar as soluções para o Brasil. Ninguém quer ruptura em nenhum aspecto. Precisamos garantir a recuperação econômica”, afirmou o ministro. Ele ponderou, no entanto, que é uma prerrogativa dos parlamentares colocar o projeto em votação.     Levy quer que a proposta, que já passou pela Câmara dos Deputados, seja votada pelos senadores e entre imediatamente em vigor, de modo a reforçar a receita do governo ainda este ano. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), já descartou essa possibilidade, defendendo a validade da norma só a partir de 2016. O ministro afirmou que a redução das contribuições das empresas ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não resultou no aumento da contratação de trabalhadores. “Estudos feitos pela Fazenda e por outras entidades indicam que, para cada emprego de R$ 20 mil, o contribuinte gasta R$ 60 mil. A conta não fecha”, disse. 

    Para Levy, as desonerações criaram uma distorção ao privilegiar alguns setores em detrimento de outros. Na opinião dele, é necessário que elevar as alíquotas para que a situação fiscal melhore e o país volte a atrair investimentos. “Isso é uma parte muito importante do ajuste. Obviamente, é um sacrifício para as empresas. Queremos acabar com essa distorção. São bilhões de reais para umas tantas mil empresas”, disse. “Não se pode prescindir do reequilíbrio das contas públicas, e é necessário que todos participem. Assim, diminuirá o peso da contribuição de cada um”, afirmou. 

    “A situação econômica e fiscal é muita séria. Temos que ter tranquilidade e firmeza para continuar o diálogo e alcançar as soluções para o Brasil. Ninguém quer ruptura em nenhum aspecto” 

    Joaquim Levy, ministro da Fazenda

    Levy: “Nem sexy nem divertidas”

    O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou que as medidas adotadas pelo governo são “sexy e divertidas”, mas são necessárias para buscar o reequilibro das contas públicas em pouco tempo e melhorar o ambiente para retomada do investimento. “Não há apenas um aspecto fiscal de curto prazo”, disse ele. “Qualquer agenda após o ajuste tem de visar a melhora do funcionamento da economia. Temos de tomar decisões que reforcem o lado estrutural e a capacidade de produção”, explicou, durante evento sobre  cooperativismo de crédito, realizado no Banco Central

    Para Levy, a presidente Dilma Rousseff assumiu um custo político e pagou o preço de queda da popularidade ao decidir ajustar as contas públicas. “O Brasil precisa de reformas rápido, sem populismos fáceis. O governo tomou para si a responsabilidade e assumiu o custo de popularidade para fazer o necessário para o país voltar a crescer. A presidente assume esse risco sem temor”, afirmou. 

    O ministro argumentou ainda que o ajuste fiscal em curso, com alta de tributos e corte de gastos públicos, não é a causa da retração da economia. A recessão, observou,  teve início em 2014. “O ajuste é ferramenta indispensável para o Brasil voltar a a crescer. Não há como pensar em agenda posterior se ele não estiver completo.” 

    De acordo com Levy, após o reequilíbrio das contas públicas, será preciso promover reformas para que o país recupere a competitividade. A primeira mudança deve ser feita no ICMS e no PIS/Cofins. “Temos que simplificar estes impostos, que consomem milhares de horas por ano de cada empresa. O ICMS também causa enorme insegurança jurídica por causa da inconstitucionalidade declarada de alguns benefícios concedidos pelos estados no passado, e questionados pelo Supremo Tribunal Federal.” (AT) 

    Preocupação com receitas 

    O  secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, afirmou ontem que o governo cumprirá a meta de superavit primário de 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB), mas mostrou-se preocupado com a situação fiscal, sobretudo com a diminuição de receitas. Após participar de reunião na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara, ele disse que acompanha com atenção os projetos que tramitam no Congresso e têm potencial de elevar as despesas públicas.

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