O Banco Central parece ter sido claro em seu recado de que o ciclo de aperto monetário está em vias de acabar. Dos 32 economistas ouvidos pelo Valor, 31 esperam a estabilidade da Selic em 14,25% ao ano no encontro do Comitê de Política Monetária (Copom), que ocorre nesta semana, nos dias 1 e 2 de setembro. O mesmo elenco vê manutenção da taxa até dezembro. Mas o tempo que o Banco Central poderá ser perseverante na manutenção do juro nesse nível ocupa o centro do debate, especialmente após a recente rodada de indicadores de atividade mais fracos do que o esperado. E, sobre essa questão, ainda não há nenhum consenso.
Praticamente todos os economistas ouvidos – também 31 do grupo de 32 entrevistados – veem alguma queda da taxa de juros em 2016. Mas as previsões de corte se espalham ao longo do ano, a partir de março. O fato de as projeções de inflação estarem ainda acima do centro da meta de inflação para o ano que vem, de 4,5%, é argumento para que o BC persista por alguns meses até que comece a aliviar a política. Mas, depois da divulgação dos dados de emprego relativos a julho e, principalmente, do PIB do segundo trimestre, esses cenários tendem a ser colocados à prova pelos economistas. O PIB registrou retração de 1,9%, mais intensa do que a previsão dos analistas ouvidos pelo Valor, de -1,7%.
“Ainda vejo a inflação perto de 6% em 2016 e por isso acredito que o corte de juros virá apenas no segundo trimestre. Mas, sem dúvida, a pressão por corte de juros aumentou”, afirma o economista-chefe da Garde Asset Management, Daniel Weeks. Ele diz que sua estimativa atual para o PIB deste ano é de uma contração de 2% e, após a divulgação do resultado do trimestre, deve revisar para algo mais perto de 3%.
Para o estrategista-chefe do Banco Mizuho do Brasil, Luciano Rostagno, com a economia tão fraca, aumentam as chances de a inflação ganhar algum alívio no próximo ano, devido a demanda mais reduzida. No entanto, o IPCA ainda ficaria longe do centro da meta em 2016. Para Rostagno, a inflação deve desacelerar de 9,20% neste ano para 5,3% no próximo. “A recessão deve ser mais profunda e prolongada do que o imaginado pelo BC e pode deixar o banco mais confiante em uma desaceleração da inflação no ano que vem”, diz.
Rostagno avalia que a inflação deve ficar menor também por um efeito estatístico, já que no segundo trimestre, quando para o estrategista deve haver o primeiro corte de juros, os preços já não devem mais ser influenciados pelos aumentos de preços administrados ocorridos no começo deste ano.
O Santander projeta um ciclo de corte de juros pelo Banco Central dos mais agressivos entre os grandes bancos, prevendo que a Selic começará a ser reduzida em abril e terminará 2016 em 11,50%. Ou seja, um corte de 2,75 pontos percentuais ao longo de seis reuniões do Copom.
O economista do Santander Rodolfo Margato diz que essa perspectiva já embute um cenário de economia com risco de ficar ainda mais fraca. Ele afirma que os números do PIB vieram piores que as estimativas do banco espanhol, que projetava queda de 1,5% ante o primeiro trimestre e de 1,9% ante o mesmo período de 2014.
“Não há nenhum sinal de que essa tendência de enfraquecimento da economia está para ser revertida agora”, afirma. “Os indicadores de confiança não melhoram, e não há melhora da atividade econômica sem recuperação da confiança. A incerteza econômica e política está muito alta e é difícil pensar em retomada dos investimentos nesse cenário.” Por outro lado, Margato cita o câmbio como um risco ao processo de afrouxamento monetário. “A desvalorização do câmbio deve pressionar uma inflação que já é resistente.”
A economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, chama a atenção para o efeito do aumento do desemprego em julho, que deve ser deflacionário. Mas ela observa que, por outro lado, haverá o aumento real de salário mínimo, o que ocorrerá mesmo com a economia em recessão. “Se a inflação do ano que vem tiver uma desaceleração expressiva, como espera o BC, outros salários da nossa economia (que ainda é bastante indexada) podem ter aumentos reais mesmo com a economia com alto desemprego”, diz. “Cabe ao BC observar as forças inflacionárias e deflacionárias que atuarão em 2016 e pautar suas decisões visando de fato colocar a inflação de 2017 em um patamar mais seguro”.
O Itaú Unibanco estima que o Banco Central começará a cortar os juros em julho de 2016, levando a Selic para 12,25% no fim do próximo ano, dos 14,25% atuais. Segundo o economista do banco Caio Megale, o cenário que o BC enfrenta agora pode ser chamado de bimodal: de um lado, seguem os riscos de a atividade econômica surpreender para baixo e declinar mais do que os 2,3% previstos pelo banco para este ano.
Por outro, a depreciação de quase 10% do real ante o dólar desde a ata da última reunião do Copom não pode ser ignorada, considerando um coeficiente de “pass-through” (repasse da desvalorização cambial aos preços) entre 5% e 10%. “Essa depreciação pode dar inércia à inflação, reduzindo o espaço para o BC cortar juros.” Para o economista, contudo, os riscos estão “balanceados”, ou seja, as chances de a economia aprofundar o declínio são de certa forma similares às de o dólar se valorizar mais. Portanto, Megale afirma que não há motivos, por ora, para alterar a previsão de início ou estimativa para um ciclo de afrouxamento monetário.
Outra variável a ser monitorada pelo BC na definição do rumo da política monetária, dizem economistas, é o efeito da China sobre a economia global. Trata-se de um elemento novo no cenário, com consequências ainda difíceis de serem mensuradas. O economista do Banco Pine Marco Caruso observa que a instabilidade gerada pelo país asiático tem algumas implicações contraditórias na economia brasileira: eleva o prêmio de risco, reduz os preços das commodities, desvaloriza o real e piora a perspectiva da atividade. “Mas, no nosso entendimento, os desdobramentos inflacionários, leia-se câmbio depreciado, têm vida mais curta que os desdobramentos desinflacionários, como a queda dos preços das commodities e, mais importante, da atividade doméstica”, afirma.
Fonte: Valor Econômico