Orçamento de 2016, a ser enviado hoje ao Congresso, vai, pela primeira vez na história, mostrar receitas menores que despesas. Essa previsão, aliada ao deficit primário de 2014 e o esperado para este ano, deverá tirar do país o grau de investimento
O governo decidiu enviar ao Congresso Nacional hoje o projeto de lei do Orçamento de 2016 com um buraco equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), resultado de previsão de gastos muito maior do que a de receitas. Será a primeira vez na história que o governo não equilibra receitas e despesas nem mesmo na proposta orçamentária.
A situação das contas públicas ficou ainda mais difícil no fim de semana.Sem apoio na sociedade e em sua base parlamentar, a presidente Dilma Rousseff se viu obrigada, no sábado à tarde, a recuar da proposta de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
“O Congresso terá que ajudar a reduzir as despesas obrigatórias, que, juntas, equivalem a cerca de R$ 1,2 trilhão, em 2015. Não tem outra saída”
Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas
O tributo era uma das poucas chances de alívio fiscal em um quadro de queda da arrecadação, combinado com dificuldade de cortar despesas obrigatórias. O Ministério do Planejamento chegou a fazer uma simulação do Orçamento de 2015 com a CPMF.
“Não tem jeito”, diz o deputado Ricardo Barros (PP-PR), indicado para ser o relator do Orçamento do próximo ano. Ele estima gastos R$ 80 bilhões maiores do que os de 2015 e receitas R$ 60 bilhões menores. Para especialistas, as expectativas são de um rombo entre R$ 140 bilhões e R$ 150 bilhões nas contas de 2016.
O quadro é extremamente preocupante porque o governo registrou deficit primário no ano passado, pela primeira vez desde 1987. Ou seja, não sobrou dinheiro sequer para pagar os juros da dívida pública. Neste ano, a previsão de superavit primário foi revisada de 1,1% para 0,15%, mas ninguém mais acredita que o resultado ficará positivo.
“É da natureza dos parlamentares cuidar dos seus próprios interesses. Nem passa pela cabeça deles serem corresponsáveis pelo desenvolvimento do país”
José Matias-Pereira, economista, professor da Universidade de Brasília (UnB)
Com dois anos de deficit e a sinalização de que o resultado de 2016 também será negativo, torna-se praticamente inevitável que o país perca o grau de investimento das agências de classificação de risco.
Levy isolado
É por essa razão que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vê com grandes restrições a ideia de explicitar o deficit. Com a perda do grau de investimento, ou simplesmente a perspectiva de que o Brasil perderá o selo de bom pagador, o pessimismo vai crescer ainda mais, agravando a crise. Ele insiste em um corte mais radical de despesas, incluindo algumas das obrigatórias. Mas está isolado no governo.
No sábado à tarde, Levy nem sequer participou da reunião que os ministros Nelson Barbosa (Planejamento) e Aloizio Mercadante (Casa Civil) tiveram com Dilma no Palácio da Alvorada. Nesse encontro, ela bateu o martelo contra a CPMF. Levy, enquanto isso, falava em um evento em Campos do Jordão (SP), onde chegou a defender o imposto. Retornou a Brasília a tempo de participar de novo encontro de ministros com Dilma à noite, mas muita coisa já estava decidida.
“Seria necessária alguma medida de efeito arrecadatório poderoso a curto prazo. E eu não vejo outra mais eficaz”
Roberto Piscitelli, economista, professor da Universidade de Brasília (UnB)
O governo está tentando aumentar a Desvinculação de Receitas Obrigatórias (DRU) de 20% para 30%, como forma de ter margem maior de manobra para cumprir a meta fiscal de 0,7% do PIB prevista para 2016. O economista José Matias-Pereira, professsor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), calcula que o rombo nas contas públicas, já próximo a R$ 140 bilhões, poderá chegar rapidamente aos R$ 150 bilhões.
Além de 92% das receitas serem vinculadas – gastos com Previdência, folha de servidores e projetos sociais -, e da expectativa de aumento da folha de pagamento, há o peso da crise política. “Apesar de o governo ter sido perdulário e ter cometido erros imperdoáveis, lamentavelmente é da natureza dos parlamentares cuidar dos seus próprios interesses. Ampliam gastos de forma insensata. Sem culpa. Nem passa pela cabeça deles serem corresponsáveis pelo desenvolvimento do país”, criticou.
Para Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, o Orçamento é tradicionalmente pouco confiável, algo que precisa mudar. “Neste momento de falta de credibilidade, o ministro Levy já tomou a principal atitude, que foi acabar com as pedaladas fiscais. Agora, a estratégia será chamar o Legislativo à realidade. O Congresso terá que ajudar a reduzir as despesas obrigatórias, que, juntas, equivalem a cerca de R$ 1,2 trilhão, em 2015. Não tem outra saída”, destacou.
Acompanhamento
Para Carlos Eduardo de Freitas, presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-DF), 2015 e 2016 serão, sem dúvida, mais dois anos de deficit fiscal. E, se o governo não ajustar os gastos, 2017 não será diferente. “Embora alguns colegas não concordem, eu creio que uma boa iniciativa seria aumentar a DRU, desde que alguns ajustes sejam feitos nas despesas obrigatórias”, assinala Freitas, ex-diretor do Banco Central (BC). Ele disse que, muitos dos projetos assistenciais, que a sociedade vem pagando, não têm o acompanhamento necessário. “As pessoas confundem destinar dinheiro com eficiência. Não são a mesma coisa. E se a renda está caindo, toda a estrutura muda. A despesa do governo tem que cair”, assinalou.
“Gastos com pessoal, educação, saúde e assistência social devem ser tabelados. E aumentar em percentuais abaixo do PIB”
Carlos Eduardo de Freitas, presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-DF)
Freitas sugeriu ainda que, quando o PIB deixar de crescer, o governo não dê sequer reajustes aos salários do funcionalismo público. “Gastos com pessoal, educação, saúde e assistência social devem ser tabelados. E aumentar em percentuais abaixo do PIB”, afirmou Freitas.
A possibilidade de o governo voltar a discutir aumentos de impostos ainda não está descartada, incluindo a CPMF, na opinião de Roberto Piscitelli, especialista em orçamento e professor da UnB. “O buraco nas contas públicas é fundo. Seria necessária alguma medida de efeito arrecadatório poderoso a curto prazo. E eu não vejo outra mais eficaz”, afirma. Além disso, as opções até o momento anunciadas pelo governo para cortar os gastos são de pequena monta. A redução de 10 ministérios, por exemplo, divulgada recentemente, será pouco eficiente, avalia.
Fonte: Correio Braziliense