Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, estava convencida, até duas semanas atrás, de que o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) estava com seu script praticamente definido por seis meses. Anunciaria na quarta-feira passada a manutenção da Selic em 14,25% ao ano, capricharia no comunicado, sinalizando a estabilidade do juro “por tempo suficientemente prolongado” e fechando dezembro na mesma! Os cortes começariam no segundo trimestre de 2016 e, no fim do próximo ano, a Selic já estaria calibrada em 12%. Lá, no segundo trimestre, a economia brasileira já estaria com a inflação desacelerando de forma mais significativa e atividade bastante fraca. Essa combinação seria um incentivo para o BC abandonar o discurso de tentar trazer a inflação o mais perto possível de 4,5% em 2016 e alongaria o período de convergência para 2017.
Mas o cenário fiscal mudou. Não que existisse no mercado alguma convicção de que nada mudaria na proposta de ajuste fiscal do governo. Não se esperava era tanta mudança. Mas o governo parece se esforçar para, no mínimo, reduzir a perspectiva do déficit orçamentário reconhecido para 2016. Além disso, há um longo calendário a percorrer até dezembro de 2016.
O Banco Central tem um trabalho a fazer e neste momento, a exemplo de tantos outros, nada indica que a instituição está inclinada a abandonar sua agenda – a ata do Copom a ser divulgada amanhã pode dar pistas sobre a sua estratégia. Mas é razoável supor que o BC encontrará mais dificuldades. Mais que afiar seus instrumentos convencionais de gestão monetária e cambial, o BC tem hoje a necessidade de acertar na comunicação. É o que pensa Solange Srour que conversou com o Valor sobre o atual cenário para a política monetária.
Leia os principais pontos da entrevista:
Valor: Uma crise fiscal assola o país, o Copom deve estar pronto para dar alguma perspectiva para a política monetária. Essas decisões são o calcanhar de aquiles do BC?
Solange Srour: O calcanhar de aquiles do BC está na comunicação. Para que continue gozando da credibilidade conquistada neste ano o BC terá de seguir, de fato, a sua comunicação. O cenário hoje é de crise fiscal. O governo abandonou o “Plano Levy” e ficamos completamente carentes de uma meta crível de resultado primário que impeça a trajetória da dívida do setor público em relação ao PIB (Dívida/PIB) de continuar crescendo. Isso atrapalha muito o trabalho do BC porque afeta de forma significativa a taxa de câmbio e traz de volta o velho temor de dominância fiscal. O BC terá que endurecer a comunicação, inclusive, porque precisa conter a ideia de que a inflação será a solução para os problemas fiscais. Não existe mais inflação de demanda, porque a demanda se foi.
Valor: A inflação parece ser ´instrumento´ que os governos brasileiros não gostariam de perder…
Solange: É um risco. Será que não podemos voltar a recorrer à inflação para resolver os problemas que o governo e o Congresso não estão conseguindo resolver? Vai ser dura a vida do BC enquanto o mercado estiver com a sensação de volta da velha matriz econômica… E o pior é que mesmo que o governo pense que possa recorrer à inflação para diminuir as despesas em termos reais, vai ter um bela decepção, pois hoje temos muitos gastos indexados.
Valor: O dólar vem dando um baile em todas as moedas e também no real, mas por ora as projeções para o IPCA do ano que vem não mostram alterações expressivas. Isso pode mudar?
Solange: Já estamos vendo a inflação implícita nos títulos do Tesouro, indexados ao IPCA, as NTNs-B, em forte alta. O BC precisa estar muito determinado em evitar que as expectativas divirjam fortemente da meta para conter a exacerbação das expectativas em geral. O risco é, hoje, ocorrer um distanciamento das projeções mais longas para a inflação. Isto é, essas estimativas superaram em muito 4,5%, ou até 6,5%. O mercado ainda espera uma desinflação significativa para o ano que vem e o BC está com um discurso de perseverança, calma e sangue frio. Esse discurso combina bem com uma economia em recessão e com a inflação corrente bem comportada, mas a vida do BC começou a se complicar com a morte prematura do “Plano Levy”. A partir de agora o discurso de sangue frio pode ser colocado em xeque.
Valor: De onde vem a desinflação esperada pelo mercado?
Solange: Em 2016 teremos duas forças deflacionárias: o mercado de trabalho e a desaceleração dos preços administrados. Sem dúvidas, o mercado de trabalho pode ser uma força muito importante, mas é muito difícil mensurar com antecedência. Existe muita incerteza em relação à transmissão dos salários para os preços de serviços, os modelos possuem intervalos de confiança grandes. Ainda temos a questão da regra de ajuste do salário mínimo e das negociações salariais de alguns setores mais organizados da economia serem feitas com base na inflação passada, que será muito elevada tendo no retrovisor 2015. A desaceleração dos preços administrados é uma fonte importante de desinflação para o ano que vem. E é mais facilmente mensurada mesmo com algumas incertezas (relevantes) como câmbio e a questão elétrica.
Valor: E a pressão inflacionária?
Solange: A força inflacionária mais importante é sem dúvida o repasse da depreciação cambial. Ainda que o repasse esteja caindo ao longo do tempo e ainda que a economia esteja em recessão, o montante de depreciação ocorrida até agora é muito expressivo. Em 2016 ainda devemos ver uma depreciação adicional em resposta à perda do “investment grade”, à desaceleração da atividade na China e ao processo de subida de juros no EUA. Outra força inflacionária relevante é a inércia, uma vez que estaremos partindo de uma inflação muito alta. A inércia obviamente não é linear e depende do estado da economia, mas assim como no caso do repasse, não podemos desprezar um fato: vamos fechar 2015 com a inflação perto de 10%.
Fonte: Valor Econômico